Severina Mariano da Silva Almeida Show Graduada em Licenciatura em Letras - Libras (UFPB) Eduardo Beltrão de Lucena Córdula Doutorando no Prodema (UFPB) Considerando a importância do intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e sua participação nos espaços educacionais, ocorre uma inversão paradoxal em relação ao seu papel como mediador no âmbito escolar. Seu papel preestabelecido e desmistificado resulta em benefícios como um dos possíveis pontos de origem para esclarecer algumas das dificuldades e/ou desconfortos enfrentados pelos(as) alunos(as) surdos(as). Neste estudo, foi realizada uma abordagem analítica do papel do intérprete da Língua de Sinais, em se tratando de sua estrutura e características próprias de atuação e particularmente das dificuldades de apresentar essa língua aos demais campos acadêmicos para facilitação da comunicação por meio de uma padronização nacional. Inclusão escolarInclusão, segundo Cegalla (2005, p. 488), é a “colocação como incluso (em) ou pertencente (a); enquadramento; inserção”. Para a Pedagogia, o termo inclusão “deriva do latim integrare, do adjetivo integer, que originalmente significava intacto, não tocado, ou íntegro. Entretanto, ao longo da história, a palavra “integração” teve duas derivações de sentido nas línguas modernas. Uma delas é o original; a outra, o sentido de “compor”, “fazer um conjunto”, “juntar as partes separadas no sentido de reconstruir uma totalidade”” (Mendes, 2006, p. 391). Para sua ocorrência, foi proposto nos EUA, na década de 1970, um processo cascata de inclusão de alunos(as) com deficiências motoras e cognitivas para salas de aula que se adequassem a essas necessidades (Quadro 1). Quadro 1: Sistema cascata implantado nos EUA
Fonte: Deno (1970, apud Mendes, 2006, p. 390). A inclusão escolar vem sendo debatida profundamente e em nível mundial desde a década de 1990; a escola pública deve assumi-la como compromisso e responsabilidade social, cabendo aos governantes, em todas as esferas, garantir que esse processo ocorra (Lacerda, 2006). “Assim, a Educação Especial foi constituindo-se como um sistema paralelo ao sistema educacional geral até que, por motivos morais, lógicos, científicos, políticos, econômicos e legais, surgiram as bases para uma proposta de unificação” (Mendes, 2006, p. 388), como está no Quadro 2. Quadro 2: Eventos mundiais que desencadearam o processo de inclusão escolar
Fonte: Mendes (2006, p. 394). A inclusão brasileira sofreu influência desses dois grandes eventos educacionais, que tiveram como tema central os motivos que podem levar ao fracasso escolar. O de 1990 discutiu a necessidade do desenvolvimento de uma política educacional de qualidade que possibilitasse o atendimento efetivo a um número maior de crianças na escola, salientando também a importância de serviços que atendessem aos alunos – tanto aqueles considerados normais quanto aqueles com necessidades especiais (Mendes, 2006). O segundo, de 1994, proclamou que
Segundo Borges (2004), o objetivo principal desse evento era o desenvolvimento de um trabalho pedagógico qualitativo, centrado no aluno, oferecendo a oportunidade de aprendizagem a todos. Durante essa conferência, foi estabelecido que o aluno que apresentasse dificuldades no avanço linguístico seria considerado deficiente, passando a ser responsabilidade da escola adequar-se às suas especificidades (Figura 1). Figura 1: Sistema ideal para a escola renovada A Constituição do Brasil de 1988, no Art. 208, faz referência à inclusão de alunos deficientes, determinando que o atendimento prestado a tais alunos deve ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino (Brasil, 1988). Em consonância, tem-se a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), também propondo a inclusão dos alunos especiais na rede regular de ensino, mediante a integração educacional de forma eficiente (Figura 2).
Figura 2: Aspectos essenciais e norteadores da inclusão escolar A autora registra dois aspectos essenciais:
A Língua Brasileira de Sinais – LibrasA Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 (Brasil, 2002) dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e a reconhece como meio legal de comunicação e expressão para os falantes da língua de Sinais e outros recursos de expressão a ela associados. Afirma:
Sobre o surgimento da Libras, Menezes (2006, p. 92) afirma:
A Declaração dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, relata o princípio da não discriminação, dando a liberdade de proclamar o direito de toda pessoa à Educação. Nesse contexto, a educação no Brasil abre um leque de encaminhamentos para assegurar a todos esse direito. As constituições brasileiras de 1967 e 1969 levaram também em consideração os princípios da declaração Reily (2004, p. 114):
O intérprete de LibrasOs alunos surdos precisam ser acompanhados com o auxílio do intérprete da Língua de Sinais, profissional fluente na língua falada/sinalizada do seu país, qualificado para desenvolver essa função (Barbosa-Junior, 2011). Esse profissional precisa realizar a interpretação de uma língua falada para a sinalizada e vice-versa (Figura 3). De acordo com Quadros (2004, p. 27), o tradutor intérprete de Língua de Sinais é aquele “profissional que domina a Língua de Sinais e a língua falada do país e que é qualificado para desempenhar a função de intérprete da Libras. No Brasil, o intérprete da Língua de Sinais deve dominar a Língua Brasileira de Sinais e a língua portuguesa”. Figura 3: Comunicação entre alunos surdos, intérprete e professores na escola A comunicação entre professores e alunos surdos só ocorre de forma plena quando o primeiro adquire a Libras como L1 ou o segundo adquire o português como L2 (Lacerda, 2000). Quando isso não ocorre, o papel do intérprete é vital na manutenção da comunicação entre ambos (Cabral; Córdula, 2017). No momento de uma interpretação, o intérprete da Libras precisa mostrar-se totalmente imparcial, sem interferência de opinião pessoal; deve passar confiança e manter sigilo caso lhe seja pedido; deve saber estabelecer limites no envolvimento durante sua atuação e prezar pela fidelidade oral, textual, ou seja, jamais alterar ou opinar acerca do assunto em questão (Lacerda, 2000). Quadros (2004, p. 28) expõe de forma enfática os pressupostos desse profissional:
Esses são alguns requisitos ligados ao intérprete; por essa razão, o professor, ao questionar, precisa estar ciente de tais interpostos interpretativos, ou seja, se o que ele está explicitando está sendo realmente transmitido ao aluno surdo (Barbosa-Junior, 2011). O intérprete deve ser competente para exercer sua função sem que haja desconfiança quanto ao profissionalismo. Segundo Lacerda (2002, p. 123),
Se em algum momento o intérprete tiver dúvidas ou não estiver entendendo o conteúdo que o professor está ensinando, deve solicitar ao professor a repetição/explicação desse conteúdo para que o aluno surdo não fique prejudicado em sua aprendizagem (Lacerda, 2002). Vale salientar que, para isso acontecer, o intérprete deve ter responsabilidade e diálogo aberto com os professores, além de humildade para assumir que não entendeu (Quadros, 2004). Por outro lado, essa tarefa de interpretar múltiplas disciplinas é exaustivo e difícil, pois para cada conteúdo o interprete terá que buscar sinais para enriquecer seu vocabulário, contextualizando e transmitindo o conhecimento de forma fidedigna (Lacerda, 2006; Sanchez; Teodoro, 2006). Por sua vez, o professor regente não poderá em nenhum momento ignorar a presença do intérprete em sala de aula, pois o seu trabalho estende-se além de uma simples tradução, já que é por meio dele que acontece o elo de comunicação entre professor e aluno surdo e, portanto, o processo de ensino-aprendizagem (Lacerda, 2006). O fato é que
A atuação do intérprete é de suma importância, pois sem a sua presença se torna impossível para o(a) aluno(a) surdo(a) adquirir conhecimentos e absorver conteúdos ministrados na aula pelo professor ouvinte. Assim, afirmam Lacerda et al. (2011, p. 5), “o objetivo principal não é apenas traduzir, mas buscar, juntamente com o professor, meios diferenciados de ensino para que o aluno surdo possa ser favorecido por uma aprendizagem especificamente elaborada e pensada, e, consequentemente, eficiente”. Sendo assim, cada profissional deve reconhecer seu papel nesse processo de inclusão escolar, pois tem uma função diferenciada do(a) professor(a) e não deve de maneira alguma ocupar o lugar do(a) professor(a), ou seja, jamais substituí-lo(a) na sua ausência (Lacerda, 2002; Quadros, 2004). A função do professor(a) não é tão somente ensinar, mas a do intérprete é apenas interpretar. Lacerda et al. (2011, p.18) afirmam que
As aulas são elaboradas pelo professor, e o intérprete pode opinar sugerindo atividades e/ou trabalhos que possam facilitar a compreensão do assunto em questão para o(a) aluno(a) surdo(a). A parceria entre o professor e o intérprete promove o aumento do desempenho do(a) aluno(a) surdo(a). Se o(a) professor(a) tiver noções básicas da Libras, promoverá ainda mais o processo de inclusão (Quadros, 2004). Ainda que, por vezes, passe como invisível e isolado, o intérprete precisa ser vigilante, manter-se firme, como facilitador e coadjuvante. Interpretar é tomar decisão, incutir informações não por sua quantidade volumétrica, mas de compactar e extrair o máximo de significado, mediante a limitação de tempo e processamento das falas no discurso (Lacerda, 2002; Gurgel, 2010; Marcon, 2012; Festa, 2014). Apesar dos constantes desafios encarados pela comunidade surda e pelos falantes da Libras, o Congresso Nacional decretou e sancionou a Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, regulamentando a profissão de tradutor e intérprete da Libras. Atendendo aos Arts. 2° e 4° (Brasil, 2010, p. 1),
A profissão do intérprete, apesar da existência da lei, não é regulamentada pelo Ministério do Trabalho; portanto, em tese, qualquer pessoa poderá exercê-la. Segundo Blanco et al. (2005, p. 32), “as diferentes maneiras de contratar os intérpretes de língua de sinais estão relacionadas à não regulamentação da profissão e ao fato de não existir uma instituição que acolha e responda os interesses da categoria”. Não basta apenas que as escolas e faculdades coloquem a Libras como mais uma disciplina para os alunos; todavia, é necessário que haja adequação curricular eficaz e apoio para os profissionais da área. Dessa forma, facilitará aos surdos e ouvintes a comunicação, a fim de tornar o ensino apropriado à particularidade de cada aluno. A legislação ainda faz menção à formação de docente por meio do uso da Libras como uma disciplina em curso normal ou superior. Porém isso é insuficiente diante das necessidades especiais dentro da inclusão. Considerações finaisA presença do intérprete de Libras para mediar a comunicação em sala de aula é suma importância. No entanto, não é possível incluir um(a) aluno(a) surdo(a) em uma sala de aula regular apenas com a presença do intérprete, sem que a comunidade escolar se envolva no processo, garantindo a efetividade do ato inclusivo. Para que este processo ocorra, é necessário criar um ambiente favorável no qual o(a) Surdo(a) possa desenvolver suas potencialidades, habilidades, competências e sua criatividade como qualquer outro aluno. Neste sentido, é preciso que o sistema de educação disponibilize para as escolas os recursos necessários ao processo. E que a sociedade se engaje maciçamente. Entretanto, a maioria das escolas que recebem alunos(as) surdos(as) não disponibilizam recursos humanos e materiais/pedagógicos. Dessa forma, o(a) aluno(a) surdo(a) é inserido nas escolas; contudo, a inclusão escolar pode estar ocorrendo nesse processo ou não. ReferênciasBARBOSA-JUNIOR, J. 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