O brasileiro que pratica crime no estrangeiro está sujeito a lei

I - Extraterritorialidade da lei penal

Com patamar em princípios penais de valor universal, a lei brasileira é aplicada a injustos penais cometidos fora do território nacional, diante de sua relevância e interesse do Estado.

II - Princípios aplicáveis

Pertinentes à execução do princípio da territorialidade, temperando-a, tem-se: a) nacionalidade ou personalidade ativa (art. 7º, I, d, e II, b); b) nacionalidade ou personalidade passiva (art. 7º, § 3º); c) do domicílio (art. 7º, I, a); d) defesa ou proteção (art. 7º, I, a, b e c); e) competência universal ou cosmopolita (art. 7º, II, a); f) representação ou bandeira (art. 7º, II).

III - Extraterritorialidade incondicionada

1. Os crimes podem ser de extraterritorialidade incondicionada ou condicionada. O Código Penal de 1940 elenca entre os crimes de extraterritorialidade incondicionada: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, do Estado, de Território de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. A Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, define o tipo de injusto (“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: (Vide Lei nº 7.960, de 1989) a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”) e pune (“Será punido: Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; Com as penas do art. 270, no caso da letra c; Com as penas do art. 125, no caso da letra d; Com as penas do art. 148, no caso da letra e”).

2. A Lei nº 9.445, de 7 de abril de 1997, define o crime de tortura (“Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) III - se o crime é cometido mediante sequestro”) e pune.

3. Reza a proposta de reforma, ao tratar, especificamente, em relação aos crimes contra a humanidade, conceituando-os como os praticados no “contexto de ataque sistemático dirigido contra a população civil em um ambiente de hostilidade ou de conflito generalizado, que corresponde a uma política de Estado ou de uma organização”, incluindo no rol o genocídio (extermínio, escravidão, gravidez forçada, transgenerização, privação de liberdade em violação de direito fundamental, desaparecimento de pessoa e segregação racial) e os crimes de tortura. Constitui conduta violadora dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamada pelo Pacto de São José da Costa Rica e recepcionada por nosso Direito positivo interno. Com a promulgação da Lei nº 9.455/97, a prática da tortura passou a constituir uma conduta autônoma definida por meio de tipo penal com nomen iuris próprio. Diante do núcleo típico, observa-se que não basta somente constranger (forçar, coagir, violentar) e causar sofrimento físico ou mental, é preciso que o ato de tortura seja “praticado com o fim de obter informação, declaração ou confissão; de provocar ação ou omissão criminosa” ou ainda “em razão de discriminação racial ou religiosa”.

4. A proposta de reforma legislativa dá nova redação para incluir os crimes: a) que lesam ou expõem a perigo de lesão a ordem constitucional e o estado democrático de direito; b) que afetem a vida ou a liberdade do Presidente e Vice-Presidente da República, do presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Supremo Tribunal Federal; c) de genocídio, racismo, terrorismo, tortura e outros crimes contra a humanidade, quando a vítima ou o agente for brasileiro, ou se encontrar em território nacional e não for extraditado; d) que por tratados, convenções, acordos ou atos internacionais, o Brasil se obrigou a reprimir. Nos crimes de extraterritorialidade condicionada inova que, na aplicação da lei brasileira, dependerá do concurso das seguintes condições: a) ser o fato considerado crime também no local em que foi praticado; b) não se tratar de infração de menor potencial ofensivo, segundo a lei brasileira.

IV - Extraterritorialidade condicionada

O Código Penal de 1940 alinha entre os crimes de extraterritorialidade condicionada: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. Aduza-se que: a) nos casos de crimes de extraterritorialidade incondicionada, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro; b) nos casos de crimes de extraterritorialidade condicionada, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o delito incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se reunidas as condições previstas ut referidas: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministério da Justiça. Vê-se que o legislador no inciso I do art. 7º do Código Penal aderiu ao princípio da proteção, ante a relevância dos bens ou atividades tuteladas.

V - Imunidades diplomáticas

1. A imunidade internacional de jurisdição se constitui na isenção da jurisdição penal para determinadas pessoas, por força de tratados, convenções ou regras de Direito Internacional. O tema foi objeto do primeiro tratado multinacional através do Règlement de Viena de 1815. O art. 31 da Convenção de Viena, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 56.435/65, concede aos diplomatas de países estrangeiros a imunidade de jurisdição penal, ficando sujeitos a julgamento pelas leis do país que representam. A finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas, sim, de garantir o eficaz desenvolvimento das funções das missões diplomáticas, em caráter de representantes dos Estados (tríplice função: informar, representar e negociar).

2. A imunidade diplomática é estendida aos familiares do representante do Estado estrangeiro, bem como ao pessoal administrativo e técnico da missão diplomática, desde que residam ou tenham residência permanente e não sejam naturais do país em que foi sediada a missão diplomática. Não tem aplicação o princípio da territorialidade na imunidade diplomática, o que não isenta o ato delitivo cometido ficar sujeito à jurisidição do Estado acreditante que enviou a missão diplomática. Quanto ao Chefe de Estado, é irrenunciável. Heleno Fragoso, em Lições de Direito Penal, assinala que a natureza jurídica da imunidade formal, na esfersa de âmbito do Direito Penal, é causa pessoal de exclusão de pena. A imunidade diplomática é consentida com fundamento no princípio da reciprocidade, a fim de assegurar ao diplomata estrangeiro, nos limites do ato de ofício, inviolabilidades e imunidades de jurisdição penal, civil, administrativa e tributária perante o Estado concedente (STF, ACO 633 AgR/ SP, Pleno, rel.ª Min.ª Ellen Gracie, j. 11.4.2007 e ACO 645 AgR/SP, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.4.2007). A imunidade internacional de jurisdição se constitui na isenção da jurisdição penal para determinadas pessoas por força de tratados, convenções ou regras de Direito Internacional. Nosso Código de Processo Penal estabeleceu a regra de sua regência em todo o território nacional, ressalvando os tratados, as convenções e as regras de Direito Internacional. Embora o fato típico tenha sido cometido no território brasileiro, tais obstáculos impedem a aplicação da lei processual pátria. A imunidade formal outorga ao diplomata ser processado e julgado no Estado em que representa, ex vi do art. 37, § 1º, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961. Celso de Albuquerque Mello, em Direito Penal e Direito Internacional, lecionava que os agentes diplomáticos são pessoas enviadas pelo Chefe de Estado para representar seu Estado perante o governo estrangeiro.

3. As prerrogativas são dadas aos chefes de missão estrangeira (embaixadores e ministros), aos demais membros (secretários, conselheiros e adidos), bem como aos familiares e empregados que servem na legação ou embaixada estrangeira. Os representantes consulares não se confundem com as pessoas lotadas nas missões diplomáticas, inexistindo a imunidade penal absoluta para os representantes diplomáticos. Os cônsules não são representantes do Estado estrangeiro, razão pela qual, como ressalta Mirabete, no Manual de Direito Penal, “têm apenas imunidade de jurisdição administrativa e judiciária pelos atos realizados no exercício das funções consulares”. O Estado pela Convenção de Viena poderá renunciar aos privilégios e imunidades de um membro da missão diplomática, porém a renúncia deverá ser expressa. A inviolabilidade pessoal só abrange os atos realizados no exercício das funções consulares, não se aplicando ao cônsul honorário que pratica crime não vinculado a ato oficial no exercício das funções (STF, HC 81.158/RJ, 1ª T., rel.ª p/ acórdão Min.ª Ellen Gracie, j. 14.5.2002). Os empregados particulares pagos pelo próprio diplomata não possuem qualquer privilégio pelos textos constitucionais, porém são invioláveis os locais da missão diplomática, arquivos e documentos. Em relação aos consulares, a imunidade só atinge os atos de ofício, sendo processados e julgados pelos delitos comuns in loco. Os prédios das embaixadas não são considerados extensão do território do Estado que representa, porém possuem inviolabilidade como garantia de seus representantes.

VI – Extradição

1. A realização da Justiça penal internacional encontra suas primeiras manifestações e seu mais amplo espectro de vigência no plano da extradição, que se configura em um genuíno ato de colaboração internacional em matéria penal. A extradição implica a mais efetiva valoração da vigência espacial no Direito Penal. Na aplicação da lei penal no plano internacional, ostenta um valor singular, quer na mera perspectiva empírica como também no plano da ordem político-criminal.

2. A Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 102, I, g, que “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro”. A Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, em seu art. 81, define a extradição (“A extradição é a medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso”). É pacífico na doutrina e pode ser definido como a entrega que um Estado faz a outro de um acusado ou condenado que buscou refúgio no território do primeiro, a fim de que o segundo possa julgá-lo ou executar a condenação. Envolvem Estados soberanos, possuindo como fundamento jurídico um tratado ou um pedido com promessa de reciprocidade.

3. É pacificado na doutrina como a entrega que um Estado (ativa) faz a outro Estado (passiva), e, a pedido deste, de um indivíduo que em seu território esteja sendo processado criminalmente ou devendo cumprir pena a que a lei pátria impôs o quantum igual ou superior a um ano, aplicada pela Justiça do Estado requerente, por ato punível de certa gravidade (pena de reclusão), e que buscou refúgio no território do Estado requerido, a fim de que o Estado requerente possa julgá-lo ou executar a condenação, ditada por sentença final (não necessariamente com trânsito em julgado).

4. A extradição é um produto da soberania do Estado e tem como base o princípio da territorialidade. Encontra seu fundamento em sua própria necessidade. A territorialidade das leis penais e a regra geral da não executariedade das sentenças estrangeiras, por um lado, e as possibilidades que gozam os delinquentes de transpor em breve tempo o espaço da soberania estatal, por outro, justificam a existência do instituto. Impera, na vida jurídica internacional, o princípio da lex loci delicti comissi, mesmo nos casos em que são estrangeiros os autores dos delitos.

5. Resek, no Direito Internacional Público, cita a doutrina do caso Biggs, em que o acórdão do então TFR decidiu que o conceito de “extradição inadmitida pela lei brasileira” é amplo e não restrito, embora reconhecido que se tratava de “extradição inadmitida pela lei brasileira”, havia legitimidade da custódia decretada pelo Ministro da Justiça com vistas à deportação (medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional). Porém, declarou que o paciente não poderia ser deportado para a Grã-Bretanha, nem para qualquer outro país onde se pudesse obter sua extradição.

VII – Classes

São classes: a) extradição ativa – consiste na mera petição formal em que o Estado requerente dirige ao Estado requerido solicitando a entrega de um criminoso refugiado no território deste, ao objetivo da aplicação do ordenamento penal vigente diante da conduta delitiva do sujeito evadido, especialmente consignada na solicitação de sua extradição; b) extradição passiva – é a entrega de um criminoso efetuada por um Estado, em cujo território se encontra refugiado, a outro Estado, conforme as normas jurídicas pactuadas, o reclama (essência jurídica da extradição); c) reextradição – constitui-se em uma entrega do criminoso realizada pelo inicial Estado requerente, que a obteve, sendo agora efetuada a um terceiro Estado que por sua vez o reclama; d) extradição em trânsito – autorização de passagem do criminoso, cuja extradição ocorre por meio de acesso a algum Estado por permissão concedida por terceiros na condução por seu território.

VIII - Princípios informadores

1. São princípios informadores: I – quanto ao crime, são: a) princípio da legalidade; b) princípio da especialidade; c) princípio da identidade normativa; d) princípio da gravidade criminal; e) princípio dos delitos comuns; f) princípio da reciprocidade; g) princípio da prioridade jurídica; II – quanto ao criminoso, são: a) princípio da não entrega de nacional; b) princípio da não entrega de exilado; c) princípio da não entrega de criminosos suscetíveis de represálias; III – quanto à pena e à ação penal, são: a) princípio da comutação da pena de morte; b) princípio da evitação de penas corporais ou inumanas; c) princípio do respeito aos direitos fundamentais; d) princípio da jurisdicionalidade; e) princípio do ne bis in idem.

2. A extradiçãonão pode ser de ofício ou oferecida, deve ser solicitada, tendo caráter de ato bilateral, constituindo-se em pressuposto a ser requerido por governo de país estrangeiro que possua legitimidade ativa para pleiteá-la. Objetiva a cooperação internacional na repressão à criminalidade, condicionado o pedido à existência de tratado (“acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”) ou não existindo a promessa de reciprocidade de tratamento (trata-se de uma relação jurídica diversa da relação convencional).

3. Cabe ao Supremo Tribunal Federal a apreciação do pedido de extradição, feito por via diplomática ou por agente diplomático, sobre a sua legalidade e procedência, sendo condições: a) ter sido cometido crime no território do estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse estado; b) existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada pelo juiz competente do estado requerente, salvo em caso de urgência, que poderá ser decretada a sua prisão preventiva.

IX - Extradição não será concedida

1. O novo diploma de migração, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, reza que não se concederá a extradição quando: a) o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato; b) o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; c) o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; d) a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos; e) o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido; f) a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; g) o fato constituir crime político ou de opinião; h) o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; ou i) o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, ou de asilo territorial. Diante da Lei de Migração que, ao recordar o Estatuto do Estrangeiro, afastou qualquer condicionante cronológica quanto ao nascimento de filhos no país, bastando a existência de descendente brasileiro que esteja sob a guarda, dependência econômica ou socioafetiva do estrangeiro para impedir a sua extradição (STF, MC no HC 150.343 MC/DF, 1ª T., rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.3.2018).

2. A lei normatiza que a previsão constante do inciso pertinente ao crime político ou de opinião não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração à lei penal comum ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal. Caberá à autoridade judiciária competente a apreciação do caráter da infração. Gize-se que, para determinação da incidência em relação a brasileiro nato, será observada, nos casos de aquisição de outra nacionalidade por naturalização, a anterioridade do fato gerador da extradição.

3. O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo. Admite-se a extradição de brasileiro naturalizado, nas hipóteses previstas na Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal decidiu que é possível a extradição ainda que o crime não esteja previsto no tratado bilateral, desde que multilateral, dispondo sobre hipótese de tipificação pelos ordenamentos internos tipificadores (STF, Ext 1.212/EUA, 1ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 9.8.2011). O Superior Tribunal de Justiça decidiu que “é necessário a edição de lei em sentido formal para a aplicação do crime contra a humanidade, trazida no art. 7º do Estatuto de Roma, mesmo que se cuidando de tratado internacionalizado. Recorde-se que em nosso país inexiste lei que tipifique os crimes contra a humanidade, sob pena de violar o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF/88). Em conclusão, não é possível internacionalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, pois inexiste lei em sentido formal prescrevendo a referida conduta” (STJ, REsp 1.798.903/RJ, 3ª S., rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por maioria, j. 25.9.2019).

X - Brasileiro naturalizado

Com a declaração de nulidade da naturalização, retorna ao status quo ante de estrangeiro, podendo assim ser extraditado. A decretação da nulidade da naturalização em processo administrativo deve anteceder ao pedido de extradição. O Supremo Tribunal Federal assentou que fica vedada a extradição de cidadão naturalizado quando a legislação do país requerente não permite reciprocidade (STF, Ext 1.195/ República da Finlândia, Pleno, rel. Min. Ayres Britto, j. 12.5.2011). Nesta direção, a legislação americana, tendo brasileira que se naturalizou, perdido a cidadania brasileira respondendo pela condenação por crime de homicídio praticado em solo americano.

XI – Formas

Há diversas formas de extradição: a) extradição de fato – teria o seu fundamento na cortesia internacional e consiste na entrega de criminosos sem que haja qualquer procedimento jurídico; b) extradição de direito – a sua denominação é um pleonasmo, vez que a extradição é na sua essência um instituto que se apresenta regulamentado pelo Direito, o que faz a expressão “extradição de fato” ser uma contradição; a extradição de direito consiste na extradição feita conforme as normas jurídicas internas e internacionais; c) extradição instrutória – quando o pedido de extradição é formulado a fim de submeter o indivíduo a processo criminal; d) extradição executória – quando o pedido de extradição é formulado a fim de obrigar o indivíduo a cumprir a pena a que foi condenado.

XII – Fontes

São tratados, leis internas, costume e reciprocidade. Restringindo o âmbito da questão, ainda em pleno domínio do Direito Internacional Público, mais especificamente no que tange ao instituto da extradição, Mercier aponta, como suas fontes formais: a) tratados internacionais de extradição; b) declarações de reciprocidade; c) costumes internacionais; d) jurisprudência; e) leis sobre extradição.

XIII - Nacionalidade do extraditando

1. Tem sido fator decisivo na apreciação do pedido extradicional. Não ocorrerá a extradição de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido. A Carta dispõe que, na hipótese de brasileiro naturalizado, somente se admitirá a extradição no caso de delito comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.

2. A Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal estatui que “Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou de ter filho brasileiro”. Há situações a se observar: a) O extraditando é nacional do Estado requerente. Não importa o local em que o delito tenha sido praticado. A extradição deverá ser concedida se todos os requisitos intrínsecos e meramente formais que devem cercar o instituto estiverem preenchidos; b) O extraditando é nacional de um terceiro Estado. O princípio genérico da territorialidade da lei penal exige que os delitos sejam punidos no lugar em que foram praticados; c) O extraditando é nacional do Estado requerido.

3. É esse, exatamente, o ponto crucial da extradição, no que tange às pessoas suscetíveis de autorizá-la. Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência o pedido daquele em cujo território o crime foi cometido. Tratando-se de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente: a) o Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave segundo a lei brasileira; b) o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica; c) o Estado de origem ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos. Nos casos não previstos na lei decidirá sobre a preferência o Governo brasileiro. O preceito universal conduz a não extradição dos próprios nacionais. No problema da nacionalidade do extraditando, ocupam situação especial os naturalizados, os apátridas e os estrangeiros domiciliados no país.

XIV - Sistema de efetivação

1. Quanto ao sistema pelo qual a extradição se efetiva, pode ser classificada em administrativa, judicial ou mista. A tradição mista é a forma adotada no Brasil, pois, segundo a lei nacional, a extradição passiva é processada em três fases distintas, perante os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário do país. O recebimento do pedido de extradição e o seu encaminhamento ou a recusa de seu encaminhamento ao Poder Judiciário são de competência do Governo, visto que o Presidente da República é o chefe do Poder Executivo, a ele competindo, na forma da Carta Magna, manter relações com as potências estrangeiras.

2. A extradição pode assumir, quanto à situação processual do extraditando no país requerente, dois novos aspectos - a extradição instrutória e a extradição executória: a) na primeira, pede-se a devolução daquele ao qual se atribui a autoria do crime, antes que pese sobre ele o pronunciamento da sentença judicial; b) na segunda, o extraditando já foi processado e condenado criminalmente no foro da infração. Se o Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional no prazo de sessenta dias da data do recebimento da comunicação, será ele posto em liberdade, sem prejuízo do processo de expulsão. O Ministro da Justiça poderá permitir o trânsito, no território nacional de pessoas extraditadas por estados estrangeiros, salvo por motivo de ordem pública.

XV - Conclusão

O art. 7º do Código Penal brasileiro e o novo diploma de migração, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, rezam que não se concederá a extradição quando o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato. Não ocorrerá a extradição de brasileiro, salvo se a aquisição da nacionalidade verificar-se após o fato que modificar o pedido.