Como a população brasileira pode ajudar a combater a crise

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A pandemia da COVID-19 está expondo o Brasil a um desafio sem precedentes. Para conter a pan­demia, o Brasil, assim como quase todos os outros países, implementou medidas para re­tardar a propagação do vírus (ou “achatar a curva”) na tentativa de evitar sobrecarregar o sistema de saúde com um grande número de pacientes em estado grave. Embora o Brasil tenha um dos sistemas de saúde mais robus­tos da América Latina, a capacidade é bas­tante desigual em todo o país.

A propagação do vírus em áreas mais pobres e com menor capacidade de atendimento médico, especial­mente nas regiões norte e nordeste, apresen­ta uma ameaça à capacidade de resposta do sistema aos aumentos da demanda por servi­ços. Isso aumentaria a pressão sobre o siste­ma de saúde pública já superlotado, colocando em risco mais vidas, particularmente entre os pobres e vulneráveis.

Mesmo antes da crise, o Brasil não havia se recuperado totalmente da reces­são de 2015/16 e o espaço fiscal era limitado. Conquistas importantes para colocar o país no caminho da reconstrução de suas reservas fiscais, como a aprovação do teto dos gastos de 2016 e a reforma da previdência de 2019, não tiveram tempo suficiente para dar frutos antes da COVID-19 assolar o mundo e o Bra­sil.

A pandemia, e a consequente resposta da política de saúde, resultaram essencialmente em dois choques para o Brasil: um choque ex­terno, incluindo demanda e preços externos, e um choque interno, pois a demanda e a oferta foram afetadas pela decisão dos consumido­res de evitar interações físicas, bem como pe­las restrições sobre as atividades econômicas impostas para evitar o contágio. Além disso, como exportador líquido de petróleo, o Brasil também foi atingido pelo choque no preço dessa commodity. Devido a uma forte queda na deman­da, os preços do petróleo caíram pela metade, e alguns contratos chegaram a números ne­gativos em abril de 2020. O resultado desses três choques é a maior recessão já registrada no Brasil.

Este estudo traz análises que visam contribuir para o diálogo contínuo sobre políticas públi­cas em resposta à pandemia e à crise econô­mica da COVID-19 e ajudar os formuladores de políticas públicas a elaborar medidas para o futuro.

Ele considera dados e políticas adotadas ou anunciadas até o dia 25 de junho de 2020 e avalia os impactos para a população mais pobre e vulnerável, pequenas e médias empresas, governos subnacionais, setor de infraestrutura, setor financeiro, aprendizagem e educação entre outros. Além disso, busca identificar possíveis medidas que possam tratar as vulnerabilidades remanescentes no combate à pandemia.

Agência Senado — Como senhor avalia o teto de R$ 44 bilhões para o novo auxílio emergencial deste ano e o do ano passado, tanto do ponto de vista fiscal quanto do social?

Felipe Salto — No ano passado, o custo do programa foi de cerca de 4% do PIB. Neste ano, com a limitação proposta na PEC Emergencial, haverá uma limitação a algo como 0,6% do PIB (ou R$ 44 bilhões). Isto é, o programa será bem menor, de saída, e o governo precisará calibrar bem os requisitos exigidos para acesso ao novo benefício. Obviamente, terá de ser para um número menor de pessoas, com benefício médio mais baixo e por menos tempo. O risco é a pandemia não ser enfrentada à altura, dado o atraso que se vê na vacinação ampla da população, e haver necessidade de novas rodadas. De todo modo, para o valor imposto pela PEC, entendemos que seria possível financiar até cinco meses a R$ 250 ao mês, para 45 milhões de pessoas, contabilizando, para os beneficiários do Bolsa Família, apenas o incremento em relação ao que já recebem hoje mensalmente.

[No momento da entrevista a PEC havia sido aprovada no Senado e estava em tramitação na Câmara dos Deputados] 

Agência Senado — Pelas preocupações do senador Tasso Jereissati em relação à votação da PEC Emergencial, ficou claro que o Parlamento ensaia uma estratégia entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal. Qual é a contribuição que a IFI pode dar para acabar com o que poderíamos chamar de "falsa dicotomia" entre austeridade e investimento em programas sociais?

Felipe Salto — A despesa social não pode ser vista como contraditória à responsabilidade fiscal. É possível ter um Estado atuante e zeloso em relação à disciplina nas contas públicas. Simultaneamente. Este é o desafio. A IFI pode colaborar com esse importante debate por meio de suas publicações, análises e eventos, como este webinar que realizamos com economistas e o senador Jereissati. Vale dizer, a IFI não dá recomendação de políticas públicas, mas apresenta números e, assim, pode ajudar a mostrar as ineficiências alocativas do orçamento público e colaborar para uma melhor compreensão de custos e benefícios dos gastos sociais hoje realizados. A discussão do auxílio emergencial tem sido importante, sob esse aspecto. A IFI divulgou estimativas sobre o programa no ano passado usadas à larga pela imprensa, e está fazendo o mesmo para este ano, com a possibilidade prevista na PEC Emergencial (186) de uma segunda versão do programa. 

Agência Senado — Agora, com o cruzamento de mais de dez bases de dados, o governo afirma ter construído um bom cadastro dos potenciais beneficiários de programas de renda. Não seria o momento de colocar em prática uma ajuda mais eficiente e eficaz para reduzir a desigualdade no país?

Felipe Salto — Sim. Certamente, o governo deve ter passado por um aprendizado grande com os cadastros e a operação da Caixa Econômica no ano passado. Agora, vai ser o caso de definir, em lei ou medida provisória, as diretrizes e requisitos para este novo benefício, de posse dessas informações e desse sistema de informações (espera-se) mais avançado, sobretudo se comparado ao início da crise, em março/abril de 2020. A discussão sobre um programa de renda mínima para uma população maior — e de maneira permanente —, por sua vez, dependerá de debate mais aprofundado sobre os diversos programas que já existem e sobre a abertura de espaço orçamentário e fiscal para essa finalidade. Não seria trivial fazer isso de maneira apressada.

Agência Senado — O Bolsa Família, segundo muitas avaliações, mostrou-se um programa eficiente, eficaz e com baixo impacto orçamentário (para não usar a qualificação de baixo custo fiscal). Outros países, inclusive, seguiram a iniciativa brasileira. O México foi um deles. Em função disso, turbinar o Bolsa Família não seria o melhor caminho? Qual o espaço fiscal para tanto?

Felipe Salto — O Bolsa Família é, sem dúvida, um programa exitoso. A lei que o criou, da lavra do ex-senador Eduardo Suplicy, previa a criação, por etapas, de um programa de renda mínima. Mas isso não aconteceu até aqui. O problema está na discussão fiscal e nas restrições impostas pelo deficit elevado e pela dívida alta e crescente. O Brasil está, desde 2013, aumentando sua dívida em relação ao PIB. De lá para cá, a dívida pública bruta já passou de 51,5% do PIB para 89,3% do PIB, devendo atingir 92,7%, em 2021, de acordo com as projeções da IFI, conforme Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de fevereiro. Mas o debate é importante, sobretudo partindo-se do Bolsa Família. É preciso ter um bom diagnóstico de todos os programas atuais, a exemplo do Benefício de Prestação Continuada, abono salarial, Bolsa Família, entre outros, e desenhar uma saída que permitisse maior abrangência, mas dentro do grupo dos mais pobres. É muito importante, também, o debate sobre as portas de saída dos programas. A geração de emprego e o fortalecimento da economia nacional continuam em aberto. Perdemos a capacidade de planejar o futuro. Na base da inércia, não vamos crescer mais do que 2,5% ao ano, uma taxa baixíssima para promover maior igualdade social e desenvolvimento econômico.

Agência Senado — Há espaço fiscal para aprovar um programa de transferência direta de renda para as crianças pobres?

Felipe Salto — Programas novos têm de ser compatíveis com o espaço fiscal prospectivo. Tudo dependerá do desejo de se repensar os programas já existentes e criar esse espaço, preferencialmente, cortando outros gastos menos importantes. Outra possibilidade, mas essa não resolveria a restrição do teto de gastos, é aumentar receitas para bancar o novo programa. De todo modo, sem dúvida, um programa como esse seria meritório. Há que se ter presente, sempre, a responsabilidade fiscal. 

Como a população brasileira pode ajudar a combater a crise
Exames para covid-19 realizados no Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz; Brasil não possui estratégia coordenada de investimento em pesquisa e desenvolvimento para o combate da covid-19; escassez de equipamentos e testes tornou mais visível a dependência científica e tecnológica do País – Foto: Fiocruz

A tradicional dependência científica e tecnológica do Brasil se tornou visível para a população com a escassez de equipamentos e testes para o combate à covid-19. Essas lacunas poderiam ser minimizadas com uma estratégia coordenada de investimento em pesquisa e desenvolvimento, o que até agora não ocorreu. A conclusão é apontada pelos pesquisadores que produziram a Nota Técnica 6, da Rede de Pesquisa Solidária. De acordo com os autores da nota, embora o governo federal tenha previsto investimentos de 466,5 milhões de reais para pesquisa e desenvolvimento relacionados ao enfrentamento da doença, ele publicou apenas dois editais no valor de 60 milhões de reais, com resultados previstos para junho. O que significa que, até o momento, o governo brasileiro não está financiando nenhuma pesquisa sobre a doença com recursos novos. O que é chocante, não tanto pelo volume bem menor investido pelo Brasil, mas pela inação diante da crise. Mesmo com recursos menores, o Brasil poderia fazer muito mais.

Segundo a nota, a saída efetiva da crise depende da capacidade humana de produzir vacinas, medicamentos e tratamento adequado para a ccovid-19. Por isso, além das medidas de controle da pandemia e suas consequências econômicas e sociais, muitos países ampliam o investimento em pesquisa e em inovação e desenham novas estratégias científicas contra o vírus e de preparação para o pós-crise. Somente nos Estados Unidos foram alocados mais 6 bilhões de dólares exclusivamente para pesquisas sobre a covid-19, cerca de 4% do investimento em P&D realizado pelo governo em 2019. O Canadá ampliou em cerca de 12% os investimentos federais em P&D. E novas políticas públicas na Alemanha e Reino Unido procuram garantir e acelerar sua capacidade de recuperação no pós-crise.

  • Acompanhe a cobertura do Jornal da USP sobre a pandemia do novo coronavírus

Muitos países investem fortemente na única saída de longo prazo da crise: a ciência e a tecnologia. Os pesquisadores apontam que, pelos dados, o Brasil se destaca praticamente pela ausência de amparo público à pesquisa. Não tanto pelo volume dos investimentos, quando comparados aos Estados unidos, Canadá, Reino Unido e Alemanha, mas pela inação do governo, que demonstra uma ausência de sintonia com o que se faz de mais avançado e pela incapacidade de alocar com agilidade os poucos recursos que o País possui.

Os pesquisadores apontam que o posicionamento do governo federal condena o Brasil a ser apenas um usuário de ciência e tecnologia. A exemplo do que ocorreu em outras pandemias de menor porte, sem estratégias para o desenvolvimento de vacinas e outros medicamentos, o País corre o risco de ficar completamente desprovido de eventuais vacinas, equipamentos e insumos médicos que serão orientados para abastecer os países com maior competência científica e maior poder de compra. A nota técnica, coordenada por Fernanda De Negri e Priscila Koeller, do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), contou com a participação dos pesquisadores Graziela Zucoloto e Pedro Miranda, ambos do Ipea.

Clique no player abaixo para ouvir a entrevista concedida pela pesquisadora Fernanda De Negri ao Jornal da USP no Ar:

Como a população brasileira pode ajudar a combater a crise

Investimentos

Investimentos em pesquisa realizados diretamente pelos governos não são as únicas medidas concretas que são tomadas por vários países, destacam os autores da nota. Alguns estão preocupados com a capacidade de suas empresas inovadoras sobreviverem à crise. Sabem que empresas inovadoras serão fundamentais na retomada do crescimento no pós-crise, como fizeram a Alemanha e o Reino Unido, que criaram ou reforçaram fundos de investimento em empresas inovadoras a fim de garantir o fôlego financeiro necessário para esse período difícil de transição. A adoção de medidas consistentes – na saúde, na economia e na sociedade – requer que os governos estejam bem informados sobre a doença, suas consequências de curto, médio e longo prazo. Não foi por acaso que muitos países criaram comitês científicos de assessoramento aos governos federais, para auxiliar na elaboração de medidas capazes de conter a pandemia.

Desde o início da crise, o governo dos Estados Unidos já lançou três grandes pacotes de medidas sanitárias e econômicas para combatê-la. O primeiro foi o Coronavirus Preparedness and Response Supplemental Appropriations Act, de 6 de março. Nessa lei, foram destinados 836 milhões de dólares adicionais para pesquisa sobre a covid-19 no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, um dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH). Essa lei também inclui um orçamento adicional de 3,1 bilhões de dólares para um fundo emergencial para saúde e serviços sociais, vinculado ao Departamento de Saúde. Esse aditivo mais do que dobrou o orçamento disponível para este fundo, que era de 2,6 bilhões de dólares em 2019. Parte significativa desses recursos será direcionada para a Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA), responsável pela realização de pesquisa e desenvolvimento em biomedicina. Com o agravamento da crise, o governo promulgou o Families First Coronavirus Response Act, com medidas sanitárias e de assistência à saúde, e o pacote mais amplo de medidas econômicas, denominado de Cares Act, prevendo a injeção de mais de 1 trilhão de dólares (aproximadamente 5% do PIB) em novos recursos na economia, sendo 500 bilhões de dólares em gastos públicos diretos e 500 bilhões de dólares em crédito para empresas (60% dirigido para os pequenos negócios). Neste pacote, novas dotações orçamentárias para pesquisa e desenvolvimento foram feitas, totalizando mais de 6 bilhões de dólares.

A Alemanha preparou um pacote de medidas para o enfrentamento da pandemia da ordem de 750 bilhões de euros (cerca de 20% do PIB). Uma parte das medidas será financiada a partir da aprovação de um orçamento suplementar que foi publicado ao final de março, e prevê recursos adicionais de 122,5 bilhões de euros. Esse orçamento suplementar inclui € 160 milhões para o Ministério da Educação e Pesquisa, dos quais 145 milhões são dirigidos à pesquisa e inovação na área da saúde e economia da saúde, especificamente, para o desenvolvimento de vacina e tratamentos da covid-19. Embora os recursos adicionais diretamente aplicados à pesquisa e desenvolvimento em covid-19 não sejam tão expressivos quanto os dos Estados Unidos, a Alemanha lançou medidas de proteção de start-up e investiu 2 bilhões de euros em fundos de capital de risco, com o objetivo de garantir que as empresas inovadoras de menor porte possam sobreviver à epidemia. Somando-se esses recursos aos do orçamento suplementar, o volume previsto para pesquisa e inovação é da ordem de 2,1 bilhões de euros.

O governo federal do Canadá também anunciou fortes medidas para conter a crise. A primeira foi o Covid-19 Response Fund, voltada para a saúde e a segurança da população. Esse fundo passou a compor o Canada’s Covid-19 Economic Response Plan, com destaque para o investimento adicional de 275 milhões de dólares canadenses em pesquisa para o desenvolvimento de vacinas, antivirais e ensaios clínicos. Após a criação do fundo, foram lançados em março editais alinhados com as diretrizes estabelecidas pela OMS e totalizaram 52,6 milhões de dólares canadenses, selecionando, em tempo recorde, 96 grupos de pesquisa em todo o país. Além disso, o Strategic Innovation Fund Covid-19 destinou 192 milhões de dólares canadenses em projetos de apoio a grandes empresas canadenses que desenvolvam soluções para a superação da pandemia.

A exemplo de outros países, as medidas econômicas adotadas pelo Reino Unido para combater a crise do coronavírus foram expressivas. Em março foi divulgado um pacote de estímulo fiscal de 30 bilhões de libras, que incluía subvenções para os pequenos negócios, incentivos fiscais, além de cerca de 5 bilhões de libras para o National Health Service (NHS). O Reino Unido também lançou uma aliança para sequenciar o genoma do vírus e acompanhar suas mutações no país, o Covid-19 Genomics UK Consortium, do qual participam instituições públicas e privadas e que recebeu investimento inicial de 20 milhões de libras. Em relação à inovação, o Reino Unido anunciou, no início de abril, um fundo de 20 milhões de libras para o desenvolvimento de novas tecnologias com foco em novas formas de trabalho a fim de fortalecer a resiliência das empresas em diversas indústrias, diante do distanciamento social. Esse fundo entrará com subvenções de até 50 mil libras para empresas com projetos de inovação em meio à crise. O país também está fortemente comprometido com pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de vacinas para o vírus, com recursos que ultrapassam 250 milhões de libras.

Como a população brasileira pode ajudar a combater a crise
Quadro representa o investimento de diferentes países no enfrentamento da covid-19; Canadá investirá 11,8% do orçamento federal em pesquisa e desenvolvimento para fazer frente à crise provocada pela doença, enquanto no Brasil a porcentagem é de 1,8% – Imagem: Reprodução

Situação do Brasil

Os pesquisadores que elaboraram a nota afirmam que o quadro do Brasil não é animador, apesar da energia e disposição que afloraram em universidades e centros de pesquisa. O País não conta com estratégias públicas de longo prazo para enfrentar, atravessar e sair da crise. Mesmo as políticas de distanciamento social estão sendo realizadas sem nenhum tipo de coordenação federal. A comunidade científica tem assessorado alguns governos estaduais na definição dessas medidas, o que vem sendo importante. Mas no âmbito federal, embora o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicações e Correios (MCTIC) tenha criado a chamada Rede Vírus, para reunir especialistas em saúde, nada indica que esta rede esteja sendo ouvida para elaborar políticas consistentes e cientificamente embasadas de enfrentamento à pandemia.

Como a população brasileira pode ajudar a combater a crise
Recursos do governo brasileiro destinados à pesquisa e desenvolvimento no combate à covid-19; medidas fiscais, estimadas em 211 bilhões de reais, incluem auxílio emergencial a trabalhadores informais e compensação salarial a trabalhadores com jornada reduzida – Imagem: Reprodução

As medidas fiscais foram estimadas, pela Instituição Fiscal Independente (IFI), em 211 bilhões de reais (o equivalente a 2,9% do PIB). Entre as principais estão o auxílio emergencial de 600 reais para trabalhadores informais e a compensação salarial para trabalhadores que tiveram redução da jornada de trabalho em virtude da crise. Os recursos previstos até o momento para pesquisa e desenvolvimento pelo governo brasileiro, em face da crise da covid-19, totalizam cerca de R$ 466,5 milhões. O País exibe lacunas tecnológicas visíveis na falta de respiradores, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e testes para a doença. As tentativas para o desenvolvimento doméstico de alguns desses equipamentos foram totalmente descoordenadas e nem sempre envolveram as competências tecnológicas existentes no País. Condenar o Brasil a ser usuário de tecnologias desenvolvidas em outros países, diante dos problemas não resolvidos criados pelo coronavírus, é expor a população ao risco de novas contaminações, observa a nota.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é possível que o SARS-COV2 se estabeleça como um vírus endêmico e persistente, semelhante ao influenza. Se essa possibilidade se confirmar, não haverá vacina disponível para toda a população do planeta por vários anos. Para barrar a expansão do vírus seria necessário vacinar cerca de 6 bilhões de pessoas para formar o que se chama de imunidade de rebanho e diminuir a propagação do vírus. Os pesquisadores afirmam que, para além das preocupações estritamente médicas, é preciso considerar que a rede de fornecimento de insumos sempre tendeu a abastecer os países mais avançados. E não há sinais de que será diferente de outras pandemias.

Isso significa que a assimetria entre países vai cobrar, mais uma vez, um alto preço (em sequelas ou vidas) dos países mais pobres, alertam os autores da nota. Segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em 2009, cerca de 80 milhões de americanos vacinados durante a pandemia da gripe suína absorveram o mesmo número de doses da vacina enviadas a 77 diferentes países pela OMS. A escassez de respiradores é um pequeno alerta para os países em desenvolvimento, que conseguiram acesso muito limitado a esses equipamentos durante a atual pandemia.

O agravamento da histórica dependência tecnológica arrisca condenar o País ao desalento diante da escassez de equipamentos médicos e de tratamentos avançados. Ou seja, sem condições para proteger sua população e salvar vidas. O Brasil precisa urgentemente de políticas coordenadas no presente e construir uma estratégia de futuro para a ciência e tecnologia. Para isso, contudo, é fundamental a definição de prioridades, embasadas no melhor conhecimento científico disponível, bem como a ampliação do investimento em pesquisas sobre a doença, para além dos 470 milhões de reais prometidos até o momento e dois editais que somam 60 milhões de reais, cujos resultados devem sair apenas em junho. Com certeza, o Brasil pode e merece mais do que isso, concluem os pesquisadores.

Leia a nota técnica na íntegra no boletim “Investimento medíocre e falta de estratégia brasileira para pesquisa e inovação vão dificultar a saída da crise”

Rede de Pesquisa Solidária

A Rede de Pesquisa Solidária é uma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas.

O alvo é melhorar o debate e o trabalho de gestores públicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadêmica e empresários, todos preocupados com as ações concretas que têm impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biológicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que está em contato com centros de excelência no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.

A coordenação científica está com a professora Lorena Barberia (Ciência Política USP). No comitê de coordenação estão: Glauco Arbix (Sociologia-USP e Observatório da Inovação), João Paulo Veiga (Ciência Política USP), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fábio Senne (Nic.br) e José Eduardo Krieger, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP (INCT-InCor). O comitê de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o Nic.br e o InCor.

A divulgação dos resultados das atividades será  feita semanalmente através de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, João Paulo Veiga e Lorena Barberia. São mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os estados tomam diante da crise. “Distanciamento social, mercado de trabalho, rede de proteção social e percepção de comunidades carentes são alguns dos alvos de nossa pesquisa. Somos cientistas políticos, sociólogos, médicos, psicólogos e antropólogos, alunos e professores, inteiramente preocupados com o curso da crise provocada pelo coronavírus no mundo e em nosso país”, define Glauco Arbix.

As notas anteriores estão disponíveis neste link.