A porcentagem da população que passa fome

Em 2022, mais da metade da população brasileira – 58,7% – vive com algum tipo de insegurança alimentar. O número de pessoas passando fome passou de 19 milhões para 33,1 milhões de pessoas em pouco mais de um ano. Os dados divulgados nesta quarta-feira (8), são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). A pesquisa mostra que Brasil regrediu para um patamar de insegurança alimentar equivalente ao da década de 1990.

Isso significa que 15,5% da população no país está sem ter o que comer. O acesso pleno à alimentação se tornou exceção: essa é a realidade para apenas quatro de cada 10 famílias.  

A pesquisa foi realizada em campo, pelo Instituto Vox Populi, com em entrevistas em 12.745 domicílios de 577 municípios de todos os estados brasileiros. 

Em números absolutos, 125,2 milhões de pessoas no Brasil estão passando por algum nível de insegurança alimentar. Essa classificação inclui pessoas que estão passando fome e aquelas que estão preocupadas por não saber se terão o que comer no dia seguinte. O número de pessoas nessa situação aumentou 7,2% desde 2020, e 60% desde 2018.  

“Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, destaca Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan. 

Desigualdades históricas se acentuam

A fome no Brasil tem cor, gênero, idade, geografia e classe. O Norte e o Nordeste do país são as regiões mais atingidas pela falta de comida no prato, com 25,7% e 21% das famílias, respectivamente, passando fome.  

A desigualdade regional foi constatada também no contraste entre o campo e a cidade. Nas áreas rurais do Brasil, a insegurança alimentar é vivida em 60% das casas. Destas, 18,6% estão em situação grave. Nem mesmo quem produz alimentos escapou. A fome atingiu 21,8% dos domicílios de agricultores familiares e pequenos produtores. 

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Em 53,2% das casas onde a pessoa de referência se autodeclara branca, o acesso a comida não foi considerado um problema. O mesmo aconteceu em 67% dos domicílios com renda maior que um salário mínimo por pessoa. Já entre os lares em que a pessoa responsável se autodeclara preta ou parda, o índice cai para 35%. Comparando com a edição anterior do Inquérito da Rede Penssan, entre lares comandados por pessoas negras, a fome aumentou de 10,4% para 18,1%.  

A falta de comida atingia, em 2020, 7% das casas em que mulheres são as responsáveis. Em 2022, passou para 11,9%. Também nesse período, a dificuldade em conseguir alimentos em famílias com crianças dobrou: a fome afetava 9,4% delas e, atualmente, é a realidade de 18,1%.  

“Pode guardar as panelas que hoje o dinheiro não deu” 

“Você sabe que a maré não está moleza não / E quem não fica dormindo de touca já sabe da situação / Eu sei que dói no coração falar do jeito que falei / Dizer que o pior aconteceu: pode guardar as panelas que hoje o dinheiro não deu”. O samba de Paulinho da Viola foi lançado em 1979, mas, se fosse uma música de 2022, não haveria surpresa.

Para Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan, “as medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população”. 

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A pesquisa, que teve apoio da Ação da Cidadania, a ActionAid Brasil, a Fundação Friedrich Ebert Brasil, o Ibirapitanga, a Oxfam Brasil e o Sesc, coletou depoimentos entre novembro de 2021 e abril de 2022.   

Neste 2º Inquérito, 8,2% das famílias relataram sentir vergonha, tristeza ou constrangimento pelos meios que estão tendo de usar para conseguir colocar comida na mesa. Segundo elas, a situação fere sua dignidade.

Edição: Thalita Pires


Relatório da ONU aponta que agravamento da fome mundial foi acelerado pela pandemia e guerra na Ucrânia, que aprofundou a crise de alimentos; outras formas de insegurança alimentar atingem 29,3% da população mundial.

O relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, lançado pela ONU nesta quarta-feira, aponta que o número de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo subiu para 828 milhões em 2021, uma alta de cerca de 46 milhões desde 2020 e 150 milhões desde o início da pandemia de Covid-19.

De acordo com os dados apresentados, a proporção de pessoas afetadas pela fome vinha praticamente inalterada desde 2015, próxima de 8% da população global. Com a crise de saúde e a guerra na Ucrânia, o número saltou nos últimos anos e agora já afeta 9,8% das pessoas no mundo.

A porcentagem da população que passa fome

Maioria das 140 milhões de pessoas que sofrem de fome aguda em todo o mundo está concentrada em 10 países

Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022

A edição de 2022 do relatório fornece novas evidências de que o mundo está se afastando, cada vez mais, de seu objetivo de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição até 2030.

O documento foi feito em parceria pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, FAO, Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, Fida, Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, Programa Mundial de Alimentos, PMA, e Organização Mundial da Saúde, OMS.

Segundo a escala de insegurança alimentar, fome é definida como “privação alimentar”. Já insegurança alimentar moderada é quando as pessoas enfrentam incertezas sobre sua capacidade de obter alimentos e foram forçadas a reduzir a qualidade ou quantidade de alimentos. A insegurança alimentar severa é quando as pessoas ficam sem comida por um ou mais dias.

A porcentagem da população que passa fome

Seis áreas somalis foram identificadas em risco de fome

— FAO (@FAO) July 6, 2022

Principais resultados

O diretor executivo do PMA, David Beasley, afirma que existe um perigo real de que esses números subam ainda mais nos próximos meses. Ele avalia que os picos globais de preços de alimentos, combustíveis e fertilizantes, agravados pela crise na Ucrânia, ameaçam levar países ao redor do mundo à fome.

Para Beasley, o resultado será a desestabilização global, fome e migração em massa em uma escala sem precedentes.

Além da parcela da população que sofre com a fome, outras cerca de 2,3 bilhões de pessoas no mundo, ou 29,3% da população global, estavam em insegurança alimentar moderada ou grave em 2021. O valor é de 350 milhões a mais em comparação com antes do surto da pandemia de Covid-19.

Os resultados do relatório também apontam que quase 924 milhões de pessoas, ou 11,7% da população global, enfrentaram insegurança alimentar em níveis graves, um aumento de 207 milhões em dois anos.

Preço dos alimentos

Segundo a publicação, quase 3,1 bilhões de pessoas não podiam pagar uma dieta saudável em 2020, 112 milhões a mais que em 2019, refletindo os efeitos da inflação nos preços dos alimentos ao consumidor decorrentes dos impactos econômicos da pandemia de Covid-19.

A disparidade de gênero na insegurança alimentar continuou a aumentar em 2021: 31,9% das mulheres no mundo sofrem com a insegurança alimentar moderada ou grave, em comparação com 27,6% dos homens. A cresceu em 1% em comparação com 2020.

A estimativa apresentada no relatório é que 45 milhões de crianças menores de cinco anos sofriam definhamento, a forma mais mortal de desnutrição, o que aumenta o risco de morte das crianças em até 12 vezes.

Além disso, 149 milhões de crianças com menos de cinco anos tiveram crescimento e desenvolvimento atrofiados devido à falta crônica de nutrientes essenciais em suas dietas, enquanto 39 milhões estavam acima do peso.

Efeito nas crianças

O relatório aponta progressos no aleitamento materno exclusivo, com quase 44% dos bebês com menos de seis meses de idade sendo exclusivamente amamentados em todo o mundo em 2020. A meta para 2030 é atingir os 50%.

No entanto, duas em cada três crianças não recebem uma dieta mínima diversificada que eles precisam para crescer e desenvolver todo o seu potencial.

A diretora executiva do Fundo de Infância das Nações Unidas, Catherine Russell, afirma que a escala “sem precedentes” da crise de desnutrição exige uma resposta a altura.

Para ela, os esforços para garantir que as crianças mais vulneráveis tenham acesso a dietas nutritivas, seguras e acessíveis devem ser redobrados, assim como os serviços para a prevenção precoce, detecção e tratamento da desnutrição.

Futuro e crises atuais

Olhando para o futuro, as projeções do relatório são de que cerca de 670 milhões de pessoas, 8% da população mundial, ainda enfrentarão fome em 2030 mesmo que uma recuperação econômica global seja levada em consideração.

O número volta aos patamares de 2015, quando a meta de acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição até o final desta década foi lançada na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

A avaliação do documento é que a guerra na Ucrânia e os efeitos dos eventos climáticos possuem potencial estão gerando um cenário complexo e ameaçando a segurança alimentar e nutricional global.

No prefácio da publicação, assinado pelos líderes das agências que trabalharam no estudo, destaca que a os principais fatores de insegurança alimentar e desnutrição: conflitos, extremos climáticos e choques econômicos, combinados com crescentes desigualdades.

Para eles, a questão não é se as adversidades continuarão a ocorrer ou não, mas quais devem ser as medidas mais ousadas para construir resiliência contra choques futuros.

A porcentagem da população que passa fome

A porcentagem da população que passa fome

A porcentagem da população que passa fome