Tudo aquilo que nos vemos, o que nossa visão alcança, e a paisagem

Tudo aquilo que nos vemos, o que nossa visão alcança, e a paisagem

conta os elementos em si e não as representações feitas destes elementos; apenas as técnicas materiais e não as imateriais. Nesta linha, um dos primeiros geógrafos a introduzir a questão das representações e simbologias na Geografia cultural foi Pierre Deffontaines. Alguns geógrafos, a começar por Olivier Dollfus2, passam então a considerar a paisagem como uma representação do espaço, e não um objeto em si. Dollfus classificou a paisagem em: paisagens naturais (natureza virgem), paisagens modificadas (paisagem natural com pouca ação humana, como uma transição para a paisagem organizada) e paisagens organizadas (paisagem com interferência constante do homem sobre o meio). Nesta concepção, a paisagem pode ser entendida como uma forma de representação simbólica do espaço, assim como os mapas são representações cartográficas: Por não possuir uma existência em si, mas sim ser a essência em si do espaço que representa, podemos representa-la de várias formas. Essa representação evoluiu na história da civilização desde as pinturas rupestres, passando pelas aquarelas, gravuras, fotografias, etc (SANTOS, 2006, p. 140). Ou, segundo a definição clássica de Milton Santos (1988, p. 61): [...] tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista alcança. Não é apenas formada de volumes, mas também de cores, movimentos, atores, sons, etc. A paisagem aqui é novamente confirmada como um dado humano, algo que parte do olhar humano. Entretanto, observa-se nesta passagem uma certa limitação no uso do termo, que perde qualquer referência dinâmica ou genética para se configurar como a manifestação instântanea de um dado momento da realidade geográfica, pouco mais que uma fotografia. Não se deve estranhar, portanto, a pouca importância dada por Milton Santos ao conceito em obras teóricas fundamentais como Por uma Geografia Nova. Ali, a exemplo de seus mestres franceses, o ilustre geógrafo baiano parece até querer incluir a “paisagem” em sua crítica à Geografia tradicional que “se preocupou muito mais com a forma das coisas do que com sua formação” (Santos, 1977). 2 Sobre isso, ver: Dollfus, Olivier. O Espaço Geográfico. São Paulo: DIFEL, 1972. 118 Revista Discente Expressões Geográficas, nº 06, ano VI, p. 111 – 131. Florianópolis, junho de 2010. www.geograficas.cfh.ufsc.br Em estudos posteriores, Milton Santos, citado por Santos (2006), avança para uma definição mais dialética de paisagem, concebida como um conjunto de formas heterogêneas e de idades diferentes, onde as formas modernas convivem com as rugosidades, que nascem das condições econômicas, técnicas, políticas e culturais, claramente falando de paisagens urbanas: Em verdade, a paisagem é uma realidade provisória, que está sempre por se formar; é um quadro de devir, nunca está pronta e muda a cada momento: em suma é uma realidade efêmera (SANTOS, 2006, p, 123). Por fim, quando Milton Santos trata, na Natureza do Espaço (1996), da inseparabilidade das categorias de tempo e espaço, a qual implica na necessidade de uma periodização baseada na implantação de formas técnicas sobre a paisagem, essa periodização é na verdade análoga àquela própria das geociências, que lidando numa escala de tempo consideravelmente maior, também datam o espaço em camadas de eras, definidas por padrões ambientais que atuaram de forma diferenciada na formação da paisagem. Assim, em escalas temporais distintas, o estudioso enxerga na paisagem aparentemente estática o dinamismo, seja das forças naturais que atuaram no modelado do relevo, hidrografia etc; seja das forças humanas manifestas em distintos modos de produção e formações sociais que evoluem ao longo das gerações. De um modo geral, contudo, o que se percebe é uma forte tendência de abandono do conceito de paisagem pela Geografia, especialmente a partir da chamada “Geografia crítica” e se é verdade que este vem sendo retomado pela Geografia cultural, por outro lado esta o faz apenas prestando atenção aos seus aspectos estéticos, ou seja, perceptíveis pelos sentidos. Ora, por fundamentais que sejam os dados dos sentidos para a apreensão do mundo, e por importantes que sejam os dados culturais na apropriação da realidade, não se pode esquecer que, por um lado, a paisagem é feita também de inúmeros fatores invisíveis e na verdade inapreensíveis, que são as multiplas relações entre seus elementos; e que os próprios valores culturais são fruto de relações materiais concretas. Por outro lado, se a realidade que se vê e sente é o ponto de partida para a pesquisa geográfica, então é inevitável concluir que a observação da paisagem acompanha todo e qualquer trabalho geográfico, independente dos métodos e dos demais conceitos utilizados. 119 Revista Discente Expressões Geográficas, nº 06, ano VI, p. 111 – 131. Florianópolis, junho de 2010. www.geograficas.cfh.ufsc.br OS VIAJANTES E A PAISAGEM DA ILHA DE SANTA CATARINA No Brasil, assim como em toda América, expedições artístico-científicas são realizadas desde a época da conquista no século XVI até o século XIX, com destaque para a produção deste último século. Essas expedições, sejam elas consideradas artísticas ou científicas, contribuíram muito para o conhecimento geográfico das regiões percorridas3. Um dos primeiros viajantes que se tem registro de ter passado por território brasileiro foi o alemão Hans Staden, em 1550. Pouco depois, em 1578, tem-se o relato História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, do pastor calvinista Jean de Léry, que, como o anterior, é acompanhado de várias ilustrações da paisagem brasileira. Outros importantes relatos sobre terras brasileiras durante o período colonial são os de Albert Eckhout e Frans Post, que passaram por Pernambuco entre 1612 e 1680 (Artistas Viajantes, 2007). Muitos viajantes passaram pela Ilha de Santa Catarina no século XVIII, mas poucos deixaram registros em forma de desenhos de paisagem, aparecendo mais representações em forma de mapas em seus relatos. O Francês Amédée François Frézier aportou em Santa Catarina no ano de 1712. Produziu alguns mapas e perfis (Figura 02) da Ilha, e fez um relato interessante sobre a paisagem e o cotidiano da cidade na época: É uma floresta contínua de árvores verdes o ano inteiro, não se encontrando nela outros sítios praticáveis a não ser os desbravados em torno das habitações, isto é 12 ou 15 sítios dispersos aqui e acolá à beira mar nas pequenas enseadas fronteiras à terra firme; os moradores que as ocupam são portugueses, uma parte europeus fugitivos e alguns negros; vê-se também índios, alguns servindo voluntariamente aos portugueses, outros que são aprisionados em guerra ( FRÉZIER apud BERGUER, 1984, p. 23). 3 Lahuerta (2006), chama a atenção que nesta época, “[...] a própria distinção entre arte e ciência não fazia tanto sentido, e era comum um botânico ou zoólogo, por exemplo, realizar belos exemplos de pintura, considerados como arte”. 120 Revista Discente Expressões Geográficas, nº 06, ano VI, p. 111 – 131. Florianópolis, junho de 2010. www.geograficas.cfh.ufsc.br Figura 02. Fonte: Berguer, 1984, p. 21. Refletindo sobre as precárias condições de vida dos habitantes da ilha, Frézier relata: Esta gente, a primeira vista, parece miserável, mas eles são efetivamente mais felizes que os europeus, ignorando as curiosidades e as comodidades supérfluas que na Europa se adquire com tanto trabalho; passam eles sem pensar nelas [...] (FRÉZIER apud BERGUER, 1984, p. 24). Frézier expressa ainda a felicidade

Tudo aquilo que nos vemos, o que nossa visão alcança, e a paisagem
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Tudo aquilo que nos vemos, o que nossa visão alcança, e a paisagem

1. UEPB 2007 - “Toda paisagem que reflete uma porção do espaço ostenta marcas de um passado mais ou menos remoto, apagado ou modificado de maneira desigual, mas sempre presente”. (Olivier Dolfus, 1991) 

De acordo com o texto, podemos afirmar: 

a) A paisagem é um conjunto de formas heterogêneas de idades diferentes. 

b) A paisagem é estática, ao passo que o espaço é dinâmico. 

c) As formas antigas da paisagem são sempre suprimidas, devido a seu envelhecimento técnico e social. 

d) As paisagens refletem, sempre, as marcas das desigualdades sociais, por serem produzidas sob o modo de produção capitalista. 

e) A paisagem é uma representação do espaço, mas não é espaço, portanto, exibe as formas, mas esconde a essência de sua produção.

2. UEPB 2009 - “A paisagem existe, através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual”. (SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica e tempo: razão e emoção. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 84) A partir da afirmativa do autor acima citado, é correto afirmar: 

a) Espaço e paisagem se diferenciam porque o espaço é uma produção social, enquanto que na paisagem predominam os elementos da dinâmica natural. 

b) Na paisagem podemos observar elementos naturais e culturais, bem como formas novas e antigas, que nos revelam sucessivos passados. 

c) A paisagem é forma estática, por isso jamais pode revelar as relações sociais do passado que produziram as formas geográficas do presente. 

d) A paisagem tem significado apenas panorâmico, pois é destituída de conteúdo social, o que nos permite contemplar as formas, mas jamais analisar a sua essência. 

e) A paisagem assim como o território são delimitados pelo alcance visual de quem os observa; são, portanto, espaços delimitados pelas relações de poder, cuja escala varia conforme a posição do observador.

3. ENEM 2012 - Portadora de memória, a paisagem ajuda a construir os sentimentos de pertencimento; ela cria uma atmosfera que convém aos momentos fortes da vida, às festas, às comemorações. CLAVAL, P. Terra dos homens: a geografi a. São Paulo: Contexto, 2010 (adaptado).

No texto é apresentada uma forma de integração da paisagem geográfi ca com a vida social. Nesse sentido, a paisagem, além de existir como forma concreta, apresenta uma dimensão

A) política de apropriação efetiva do espaço.

B) econômica de uso de recursos do espaço.

C) privada de limitação sobre a utilização do espaço.

D) natural de composição por elementos físicos do espaço.

E) simbólica de relação subjetiva do indivíduo com o espaço.

Leia também: 

Caça-palavras: Elementos de uma Paisagem

4. UFCG 2008 - A paisagem é um dos conceitos básicos da ciência geográfica e suas modificações ocorreram ao longo da História. Sobre as paisagens, é INCORRETO afirmar que 

a) após a Revolução Industrial, os crescimentos econômico e demográfico reordenaram e deram à paisagem geográfica novos significados sócio-culturais em vários países europeus. 

b) durante a introdução da cultura pecuária nos Sertões, no período colonial brasileiro, a paisagem ficou inalterada. 

c) no final da Idade Média, as Ligas Hanseáticas, o comércio e a formação dos burgos contribuíram para a elaboração de novas paisagens culturais na Europa. 

d) as práticas político-econômicas do Mercantilismo favoreceram a formação de novas paisagens geográficas, tanto na Europa quanto na América. 

e) na Idade Moderna, a prática político-social dos cercamentos dos campos ou “enclosures”, contribuiu para a modificação das paisagens rural e urbana.

5. UFPI - Para o geógrafo Milton Santos paisagem é “o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas por volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons (...). A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos.” (Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1996, p.61-62). Considerando essa afirmação, analise as sentenças a seguir: 

I. A simples observação da paisagem não nos traz explicações sobre as funções das edificações, da organização dos sistemas de produção e de tecnologias empregadas. 

II. Apenas os elementos naturais são suficientes para entendermos o espaço geográfico, visível através das paisagens. 

III. Ao considerarmos os elementos naturais, as funções dos espaços construídos, as relações e as estruturas econômicas, sociais e políticas, estamos tratando do espaço geográfico e não apenas das paisagens. 

IV. As paisagens geográficas envolvem não somente os aspectos naturais, mas também os aspectos visíveis da cultura das sociedades. 

Está correto apenas o que se afirma em:

a) I e II 

b) II e III

c) II e IV 

d) I, II e IV 

e) I, III e IV

6. UFOP - Leia o texto a seguir: [...] Fechado ao sul pelo morro, descendo escancelado de gargantas até o rio, fechavam-no, a oeste, uma muralha e um vale. De fato, infletindo naquele rumo, o Vaza-Barris, comprimido entre as últimas casas e as escarpas a pique dos morros sobranceiros, torcia para o norte feito um cañon fundo. A sua curva forte rodeava, circunvalando-a, depressão em que se erigia o povoado, que se trancava a leste pelas colinas, a oeste e norte pelas ladeiras das terras mais altas, que dali se intumescem até aos contrafortes extremos do Cambaio e do Caipá; e ao sul pela montanha. [...] CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2007. O texto acima descreve um(a): 

a) Paisagem. 

b) Território. 

c) Região. 

d) Lugar.

7. UNIPAM - “Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc. [...]”. (SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988).

Observe a paisagem abaixo.

Tudo aquilo que nos vemos, o que nossa visão alcança, e a paisagem

Fonte: IVERNEL, Martin. Histoire-Geographie. Paris: Hatier, 2000. p. 274. A partir da citação e da leitura da paisagem, todas as alternativas estão corretas, EXCETO: 

a) A paisagem pode ser considerada como o resultado do processo de construção do espaço geográfico. Ela evidencia, por exemplo, a história da população que ali vive e a maneira como utiliza alguns recursos naturais em seu dia-a-dia. 

b) Esta paisagem também pode ser analisada para além do que é percebido apenas pelo olhar. Isso quer dizer que é possível buscarmos explicações para aquilo que se encontra por detrás da paisagem, a busca dos significados do que aparece. 

c) Na aparência, as formas da paisagem estão apresentadas de modo estático. Mas, por outro lado, a paisagem é resultado de todo um processo de movimentos da população em busca de sua sobrevivência, como também pode ser resultante de movimentos da natureza. 

d) A paisagem é formada, ou por elementos físicos, ou por elementos culturais. Nessa análise, para a compreensão de uma determinada realidade, é imprescindível analisarmos, de maneira compartimentada, os aspectos naturais e os sociais.

8. UFJF 2012 - Leia o poema abaixo, escrito por Alice Ruiz.

ANDAR 

ANDOR 

ARDOR 

AR D'OURO 

PRETO 

há muito para subir em Ouro Preto 

mesmo que o tempo tarde 

andar devagar, bem devagar 

escalar ruas 

passo a passo 

olhar para o chão 

enquanto as montanhas 

impassíveis 

disputam nosso olhar 

é no passar 

que se põe o ardor 

acima e abaixo 

aos pés, ao céu 

rochas para caminhar 

mar de rochas 

montanhas de pedra 

há muito para descer em Ouro Preto 

o frio das alturas 

impregnado desse spleen* 

que não se explica 

e a cada passo 

uma lição de paciência 

e a cada olhar 

uma lição de silêncio 

e a cada casa, porta, beiral 

uma lição de história 

que aqui perdura 

dura, dura rocha 

pedra sobre pedra 

tudo que aqui se passou 

também ficou 

e fica em nosso passo 

nessa rua 

a ressoar 

que a história 

é a pré-história 

de nós mesmos 

que passamos 

Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2011. 

* A palavra denota melancolia extrema.

O geógrafo Milton Santos define paisagem como tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança. Não é apenas formada de volumes, mas também de cores, movimentos, atores, sons, etc. A paisagem é uma sucessão de tempos. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1988. Adaptado. 

a) Como o elemento natural interfere nessa paisagem? 

b) Através do poema, percebe-se que a paisagem é uma sucessão de tempos, no seguinte verso: 

Gabarito - Respostas

1. E

2. B

3. E

4. B

5. E

6. A

7. D

8. 

a) Que o estudante relacione as características do relevo acidentado da região com as formas de ocupação de encostas e fundos de vale, destacando aspectos das formações geomorfológicas e do clima tropical de altitude em suas relações com as interferências humanas naquela paisagem: ocupação de áreas de riscos de deslizamentos, intensificação de processos erosivos, bem como nas dinâmicas de funcionamento da cidade.

b) Serão consideradas corretas as questões que apresentarem transcrições de versos que reportem ao conceito de paisagem: “... e a cada casa, porta, beiral uma lição de história que aqui perdura...”, “... tudo que aqui se passou também ficou e fica em nosso passo nessa rua a ressoar...”.