Qual a importância das comunidades tradicionais

Existem pelo menos 370 milhões de pessoas no mundo que se definem como descendentes de povos e comunidades tradicionais, ou seja, populações que habitam um país ou região antes do período das explorações e colonização. Essas populações mantêm pelo menos algumas de suas próprias diretrizes sociais, econômicas, culturais e políticas. Exemplos bem conhecidos aqui no Brasil são os indígenas e quilombolas.

Povos e comunidades tradicionais ocupam terras que equivalem a um quarto da superfície terrestre. Com essa representatividade, suas terras são cruciais para a persistência da biodiversidade do planeta, assim como para a manutenção dos serviços ecossistêmicos. Se formos considerar áreas protegidas (ou unidades de conservação) e paisagens ecologicamente intactas (como florestas boreais e florestas tropicais primárias), as terras de povos e comunidades tradicionais estão sobrepostas em cerca de 40% dessas áreas.

Qual a importância das comunidades tradicionais
Comunidade indígena Wajãpi, Amapá, Brazil. Fonte: UN News

Um estudo recente levantou a sobreposição da ocorrência de mamíferos terrestres e áreas de populações tradicionais em nível global. Das 4460 espécies avaliadas, 49% possuem mais do que 10% da sua área de ocorrência em terras de populações tradicionais, e 14% das espécies possuem mais da metade de sua área de ocorrência nessas áreas ocupadas por populações tradicionais. Dentre as espécies ameaçadas, 41% ocorrem em terras de populações tradicionais e 20% têm mais do que 50% de sua área de ocorrência nessas terras.

Além de abrigarem uma biodiversidade representativa, como ilustrado para os mamíferos terrestres, as terras de povos e comunidades tradicionais são relativamente bem conservadas, com pouca pressão de uso. Essas áreas representam 15.5% da superfície da Terra e 45.2% de todas as terras de populações tradicionais. Também possuem uma alta diversidade de espécies ameaçadas, sendo considerados refúgios importantes para a manutenção da biodiversidade.

Após esse texto, fica a pergunta: é possível falar em conservação sem incluir as comunidades tradicionais? A resposta para a grande maioria dos casos é NÃO. O mito da natureza intocada, onde os povos tradicionais eram expulsos de suas terras para a criação de parques e outras áreas protegidas, se mostrou inviável na história. A colaboração entre conservacionistas, populações tradicionais e governos é essencial para garantir a conservação de paisagens e biodiversidade para as futuras gerações.

Para saber mais:

O’Bryan CJO, Garnett ST, Fa JE, Leiper I, Rehbein J, Fernández-Llamazares A, Jackson MV, Jonas HD, Brondizio ES, Burgess ND, Robinson CJ, Zander KK, Venter O, Watson JEM (2020) The importance of indigenous peoples’ lands for the conservation of terrestrial mammals. Conservation Biology. https://doi.org/10.1111/cobi.13620

Garnett ST, Burgess ND, Fa JE, Fernández-Llamazares A, Molnár Z, Robinson CJ, Watson JEM, Zander KK, Austin B, Brondizio ES, Collier NF, Duncan T, Ellis E, Geyle H, Jackson MV, Jonas H, Malmer P, McGowan B, Sivongxay A, Leiper I (2018) A spatial overview of the global importance of Indigenous lands for conservation. Nature Sustainability 1: 369-374. https://doi.org/10.1038/s41893-018-0100-6

O formato de uma cidade é dado por suas comunidades. Não raro, dentre elas, encontramos comunidades tradicionais, grupos culturalmente diferenciados com organização e forma de vida peculiares. Índios, quilombolas, açorianos, pescadores artesanais, faxinalenses, são alguns exemplos desta espécie de grupamento social que, via de regra, depende da ocupação de territórios e do uso de recursos naturais para sua reprodução cultural, social e econômica.

Por ser flagrante a importância como elemento da cultura e pela necessidade de garantir o acesso de seus integrantes ao espaço público, dispensa comentários o interesse dessas comunidades para uma política de diversidade franca e perceptível. Assumem, porém, envergadura, dois de seus aspectos: o primeiro, os conhecimentos tradicionais, de valor ignorado pelo mainstream, mas que, em sede internacional, dão azo a controvérsias sofisticadas envolvendo, por exemplo, propriedade intelectual e patrimônio genético, e o segundo, com ainda menor visibilidade, portanto, militando precedência, a sua justificativa como base espontânea para a exploração sustentável de recursos naturais. Este último ponto aguça a percepção quando apreciado no contexto do estudo de impacto ambiental (EIA) – instrumento técnico-científico, de caráter multidisciplinar, utilizado no processo de licenciamento de empreendimentos.

Comparadas a outros segmentos da sociedade civil, em empreendimentos de impacto de maior potência, são raras as ocasiões em que comunidades tradicionais não são abordadas no EIA. A razão para tanto é a economia destes povos depender, em muito, da atividade extrativista e, por conseguinte, da exploração de seus territórios (e.v. da floresta pelo indígena, do mar pelo pescador artesanal). O território é condição para a existência destas comunidades, assumindo tamanha importância frente aos seus elementos a ponto de cumprir legítima função existencial.

Seguindo esta lógica, a Organização Internacional do Trabalho, por intermédio da Convenção 169, traça prerrogativas aplicáveis às comunidades tradicionais dando precedência à defesa dos seus direitos, sobretudo, ao direito de territorialidade. Vale destacar que a OIT 169 é uma importante ferramenta de descolonização, afirmando não existir uma homogeneidade nos povos em qualquer país. A despeito dos padrões da sociedade industrial, a convenção reconhece que não há um estilo de vida hegemônico; pelo contrário, que há outras vias e que devem ser preservadas.

Para o direito ambiental, a questão toma profundidade. A observância de princípios como o do desenvolvimento sustentável e da prevenção, não se esgota naquilo que é ou não, em sede de meio ambiente, adequado ao modo de vida contemporâneo, sendo necessário observar as opções que as comunidades tradicionais nos trazem, levando em consideração o que representa a “tradição” e a “memória” destes grupos.

Por fim, alinhadas em breviário a importância das comunidades tradicionais, permite-se reafirmar aquilo em que nosso país representa ainda uma fronteira a ser desbravada, sem intenção, no entanto, de com isso fazer referência às suas riquezas naturais ou à exuberante estética, mas o que persiste em potencial e que compõe o maior patrimônio de qualquer nação:

- O povo!

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) preside desde 2007 a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais (CNPCT), criada por meio do Decreto de 27 de dezembro de 2004 e reformulada pelo Decreto de 13 de julho de 2006. Fruto dos trabalhos da CNPCT, foi instituída, por meio do Decreto 6.040 de 7 de fevereiro de 2017, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). A PNPCT foi criada em um contexto de busca de reconhecimento e preservação de outras formas de organização social por parte do Estado. 

De acordo com essa Política, Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) são definidos como: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

Entre os PCTs do Brasil, estão os povos indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiro, os extrativistas, os ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos, entre outros.

Em relação a esses povos, o MDS apoia projetos específicos para a estruturação da produção familiar e comercialização, que auxiliam as famílias a produzirem alimentos de qualidade, com regularidade e em quantidade suficiente para seu autoconsumo e geração de excedentes. Esses projetos são realizados em parceria com outros órgãos que atuam junto aos PCTs, como a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), o MMA (Ministério do Meio Ambiente) e o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), SEPPIR (Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial), entre outros.

Nesse sentido, o MDS busca ampliar o acesso desses povos a ações como Acesso à Água, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais. 

Além disso, em 2012, foi instituído, no âmbito do MDS, o Comitê Técnico (CT10) [1], da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), intitulado Comitê Técnico de Povos e Comunidades Tradicionais (CTPCT), com o objetivo de apoiar e garantir ações voltadas para PCT, em consonância com o Decreto nº 6.040/2007 (PNPCT).