O que é uma analise comparada

É comum construirmos hipóteses a partir de uma combinação de qualidades que associamos a um certo efeito. Baseados em algumas observações nos vemos montando listas mentais de atributos cuja existência parece estar sempre atrelada à ocorrência de algo. Podemos pensar que sempre que uma galinha chocar seus ovos nascerão pintinhos, desde que haja um galo no galinheiro. Essa configuração parece ser suficiente para a eclosão do ovo, até que comecemos a reparar que na verdade há outros fatores que interferem na probabilidade de um pintinho nascer, como a temperatura e a umidade. Então podemos considerar que, apesar de necessárias, pois ocorrem toda vez que nasce um pintinho, essas condições não são suficientes para que o nascimento ocorra… e assim,  vamos refinando nossa teoria a partir da observação, incluindo alguns requisitos e retirando outros.

Na pesquisa social a análise de configurações é um procedimento comumente adotado em estudos em que o resultado é conhecido e existe uma variação de causas prováveis dentro de um universo relativamente pequeno. Em certas análises históricas comparadas o pesquisador tem a seu dispor algumas categorias (“atributos”) comuns a muitas sociedades, sendo que algumas combinações desses atributos parecem estar ligadas a tipos semelhantes de regimes políticos, sistemas de seguridade social, níveis de desenvolvimento econômico, formas de associativismo, etc.

O que é uma analise comparada

Max Weber famosamente lançou mão desse expediente ao tentar identificar as relações possíveis entre crenças religiosas e a predisposição ao trabalho, tendo observado que entre algumas seitas protestantes havia uma conduta claramente mais sistemática. O sociólogo alemão construiu sua hipótese tipificando as grandes religiões do mundo de acordo com poucas categorias: sua visão do sentido da vida (realização nela versus busca de salvação), sua relação com o mundo (de evitá-lo ou de encará-lo) e sua doutrina de conduta (ascética ou contemplativa). As que combinavam busca de salvação com uma disposição a encarar o mundo de forma ascética foram as que resultaram numa inclinação maior para o trabalho sistemático e busca da dominação do meio.[1]

Nas avaliações nos deparamos com situações em que os casos não são suficientemente numerosos para que se possa comprovar associações entre ocorrências por meios estatísticos, seja por limitações de ordem prática (os dados foram colhidos numa amostra muito restrita) ou porque realmente as intervenções foram limitadas, integraram um piloto, tiveram um número de beneficiários reduzido ou porque a população em si já era pequena.

Tomemos como exemplo o caso do mapeamento de partes interessadas (“stakeholders”) para avaliação dos impactos do investimento social empresarial. Para esses estudos são entrevistados membros de associações, do governo, funcionários da empresa, suas famílias, fornecedores e mais alguns outros, e o número possível de tipos distintos de atores raramente ultrapassa o que cabe nos dedos das mãos. Quão útil para a modelagem de projetos de investimento social não seria entender quais as combinações ideais de características que esses atores deveriam ter para que se maximize o valor social gerado? Basta lembrar que as análises quantitativas feitas nesse campo costumam se restringir a escalas de interesse e poder, categorias restritivas quando se pensa na multiplicidade de determinantes de um engajamento bem-sucedido.

Em circunstâncias assim a análise qualitativa comparada (QCA, em sua sigla em inglês) tem uma contribuição importante a dar à avaliação. Essa técnica permite identificar as combinações de atributos que se mostram suficientes para um determinado resultado. No caso da referida análise de stakeholders, se observarmos que entre diversas instituições parceiras, as que prestavam contas regularmente, possuíam um líder eleito, se reuniam mensalmente com a empresa e tinham histórico de captação autônoma de recursos, foram também as que geraram mais valor compartilhado, essa combinação de características deve ser buscada em parcerias futuras que tenham o mesmo objetivo de transformação.

Desde sua introdução nos anos 1980, a QCA vem ampliando as possibilidades da pesquisa qualitativa permitindo sua conjugação a modelos explicativos. Abordagens qualitativas-interpretativas são criticadas por sua limitada possibilidade de generalização, e a QCA busca superar essa crítica por meio da caracterização explícita dos critérios utilizados nas comparações. Uma outra vantagem importante da técnica é sua comunicabilidade. Por se basear em teoria dos conjuntos, seus fundamentos são de compreensão fácil para o público em geral, o que nem sempre é o caso com a estatística usada nas abordagens quantitativas.

A QCA vai muito além da análise de suficiência de configurações. No próximo post falarei um pouco sobre a grande versatilidade do método e suas etapas de aplicação.

[1] WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

São reconhecidos os esforços de diversos países na criação de organismos cuja responsabilidade principal é a de garantir o cumprimento de padrões altos de qualidade no ensino que se ministra. Partindo do pressuposto de que as várias propostas teóricas situam a Inspeção da Educação em campos cujos terrenos fazem variar a forma como é percecionada e entendida, foi nosso objetivo realizar uma análise comparativa entre sistemas inspetivos de alguns países, possibilitando a construção de uma teia de características e especificidades que individualizam cada um deles e permite uma maior e mais profunda compreensão do sistema inspetivo português. Foi possível verificar a existência de um corpo inspetivo plural que, a nível organizacional, vai gozando de um maior ou menor grau de dependência em relação ao ministério que serve, revelando o nível de centralização das políticas educativas de cada país e a confiança que é depositada na organização enquanto organismo responsável por garantir e promover uma educação de qualidade.

Palavras-chave: inspeção da educação; sistemas de inspeção; qualidade da educação.

 

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Um argumento corriqueiro, e que fundamenta opiniões apaixonadas e muitas vezes superficiais, é a análise comparativa da realidade legislativa brasileira com a experiência de países que adotam outros limites para a responsabilização penal. É preciso perceber que a definição legal da maioridade penal considera especificidades locais, e por isso este modelo comparativo não é o ideal.

O erro está em desconsiderar que países são diferentes no desenvolvimento histórico e social e na tradição jurídica, o que faz com que experiências como a da Alemanha (que reduziu a maioridade penal de 18 para 16 e voltou atrás) e do Reino Unido (que possibilita a internação a partir dos 10 anos e julgamento como adulto a partir dos 15 anos) não possam servir de parâmetro para a construção da lei no Brasil.

O debate sobre a maioridade penal deve levar em conta peculiaridades que transcendem discurso rasos muitas vezes ultra-libertários e por vezes muito conservadores, e que marginalizam diferenças simplesmente importando experiências.

O mais sensato é dar menos importância a análises comparativas, focando em elementos universais da formação humana. Tal percepção foi consagrada na Conferência sobre Criminalidade e Justiça, em Beijing, em 1984,que reconheceu como menores, sem definir idade para fins penais, aos que estão numa etapa inicial do desenvolvimento e requerem atenção e assistência especiais para seu desenvolvimento integral. A Declaração sugere que para definir tal limite é preciso que as legislações reflitam condições sociais, econômicas, culturais, políticas e jurídicas de cada país e que não sejam cópias umas das outras.

A revolução contemporânea consiste em compreender se uma criança pode suportar as consequências morais e psicológicas da responsabilidade penal; isto é, se uma criança, dada a sua capacidade de discernimento e compreensão, pode ser considerada responsável por um comportamento essencialmente antissocial punível.

A definição da maioridade penal não pode se basear somente em um discurso comparativo tendo como base o que deu certo lá fora, mas acima de tudo deve ter como centro o indivíduo e o seu entorno na busca por uma Justiça de bem-estar e educação da alma e não de punição do corpo.

Hoje iniciamos uma série semanal de publicações a respeito de temas relevantes para todos os interessados em entender a política em perspectiva comparada. Por isso, a primeira publicação não poderia ser diferente: o que é a política comparada? Por que e o que comparar na análise da política? O que devem ler os interessados em dar os primeiros passos no campo? Esses são os pontos que serão tratados brevemente pelo coordenador do Centro de Política Comparada - CPC, Prof. Marcelo Vieira.

Antes de uma definição da política comparada, é preciso esclarecer o que se entende atualmente por política. A política é o processo que envolve toda a atividade humana de tomada de decisões de caráter público e oficial no interior de um sistema político, isto é, nas fronteiras territoriais e de cidadania onde interagem atores e instituições (usualmente, Estados nacionais e subnacionais ou mesmo organizações supranacionais). Decisões de caráter público são aquelas que afetam toda a coletividade de indivíduos que pertencem ao sistema político. Já o caráter oficial de uma decisão política é referente à necessidade de sua obediência, implicando em sanções até mesmo físicas por parte do representante autorizado do sistema político (usualmente, governos) para aqueles que a desrespeitarem.

Dessa forma, a política comparada é a análise descritiva, correlacional ou causal das semelhanças e diferenças entre unidades de análise (casos) onde variáveis políticas incidem, transversalmente (entre casos) ou longitudinalmente (em um mesmo caso, mas ao longo do tempo). Mesmo quando se analisa uma ou mais variáveis políticas em um único caso num ponto fixo do tempo, é preciso ter em mente um quadro de referências comparativas (amostra ou população de casos) para que qualquer juízo analítico possa ser feito. É por essa razão que, nos anos 1950, o rótulo “comparada” foi criado como um cavalo de batalha para acompanhar a expressão “política”. A exigência era que toda análise empírica da política tivesse na comparação uma dimensão metodológica explícita da pesquisa.

Portanto, o que se almeja com a análise comparada é algum grau de generalização das conclusões obtidas, seja em nível micro, meso ou macro da política. Mas que variáveis políticas, incidindo em que casos, são passíveis de comparação? Desde “casos” de atores políticos (eleitores, cidadãos comuns, lideranças partidárias, presidentes, legisladores, juízes, burocratas) manifestando suas preferências ou atitudes frente a decisões políticas enquanto “variáveis” (voto, manifestação de rua, iniciativa legislativa, implementação de políticas públicas), passando por “casos” de instituições políticas (partidos, parlamentos, movimentos sociais, executivos, judiciários, burocracias) e suas características “variáveis” (plataforma política, fragmentação partidária, grau de mobilização, tipo de gabinete, nível de insulamento).

Para quem tiver interesse em fazer suas primeiras leituras sobre a política comparada, são altamente recomendáveis os seguintes trabalhos:

  • CARAMANI, Daniele. “Introduction to Comparative Politics”, in Comparative Politics. Oxford, Oxford University Press, 2011. (pp. 2-15).
  • COLLIER, David. “The Comparative Method”, in Finifter, Ada (ed), Political Science: The State of the Discipline II. Washington, D.C.: American Political Science Association, 1993 (pp. 105-108).
  • LIJPHART, Arend. “Comparative Politics and the Comparative Method”. American Political Science Review, Vol. 65, No. 3, 1971 (pp. 682-693).
  • PEREZ-LIÑAN, Anibal. “Cuatro Razones para Comparar”. Boletin de Politica Comparada, n. 1, 2008 (pp.4-8).
  • SARTORI, Giovanni. A Política. Ed. UnB, Brasília, 1979. (pp.203-246).

Uma boa leitura a todos!