Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra

Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra
Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra

E se pudéssemos fazer a árvore genealógica de toda a vida na Terra?

Imagine que essa árvore seja grande o suficiente para que consigamos identificar o momento em que todas as espécies que hoje habitam o planeta - animais, plantas, bactérias - se originaram.

Essa viagem de retrospectiva teria quase 4 bilhões de anos.

Na primeira linha, ela mostraria LUCA, o "parente" mais distante de todos os seres que hoje encontramos na Terra.

Quando a Terra se formou, há cerca de 4,6 bilhões, de anos não havia vida - ela apareceu alguns milhões de anos depois, na água.

LUCA não foi a primeira forma de vida que surgiu no planeta, mas aquela a partir da qual se desenvolveram os organismos que hoje conhecemos.

O nome vem da sigla em inglês Last Universal Common Ancestor, que se traduz como Último Ancestral Comum Universal e vem de um conceito que aparecia já na teoria da evolução de Darwin.

Água quente

LUCA não faz referência a um exemplar específico, mas a um tipo de organismo unicelular que evoluiu por milhões de anos.

Todos os seres vivos compartilham um código que traduz a informação contida no material genético - no DNA e no RNA - para viabilizar a produção dos aminoácidos que vão dar origem às proteínas - e, em última instância, à vida.

O mesmo aminoácido será formado pela mesma sequência de bases nitrogenadas, ainda que ele esteja presente em animais diferentes.

É assim que, de alguma forma, todos compartilhamos um pouco de LUCA.

Ainda que não haja evidências físicas - como fósseis - desses organismos, estima-se, pelas características do planeta naquela etapa primitiva de desenvolvimento, que eles viviam em lagos geotérmicos nos quais a temperatura podia superar os 90ºC.

O habitat seria similar às fontes hidrotermais que existem no fundo dos oceanos, que são fissuras na crosta a partir das quais emerge fluido geotermal do interior da Terra.

Ou não tão quente

Um estudo recente, contudo, aponta que o ambiente em que LUCA vivia não seria aquele que os cientistas pensavam até então - mas um local bem mais "fresco".

Um grupo do Instituto Pasteur, na França, realizou análises genéticas e evolutivas que os levaram a concluir que nosso antepassado possivelmente não vivia em águas tão quentes.

Os pesquisadores avaliaram sequências de uma proteína chamada girase reversa, que está presente nos organismos capazes de suportar altas temperaturas.

As análises dos cientistas apontam que essa proteína não estava presente no LUCA e, por isso, dificilmente ele seria capaz de viver em ambientes extremamente quentes.

"A mera ausência (desta proteína) nos permite deduzir informações acerca da temperatura ótima para o crescimento de organismos extintos há muito tempo, tão antigos quanto o LUCA", diz um dos pesquisadores no estudo.

A Ciência continua buscando evidências concretas do LUCA no planeta - mas, se essa pesquisa estiver correta, há décadas estivemos procurando no lugar errado.

Veja também:

Projeto Sirius: as mentes por trás da maior e mais complexa infraestrutura científica do Brasil

Video Player

Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra

Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra
BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.

Ao longo dos anos, muitos cientistas têm estudado fósseis e isótopos em busca de evidências pelas primeiras formas de vida na Terra. Enquanto não há um consenso — afinal de contas, falamos de acontecimentos de bilhões de anos, cujo estudo é difícil, para dizer o mínimo —, já temos algumas certezas, como o fato de que a vida não surgiu muito depois das rochas, datadas de 4 bilhões de anos atrás.

A partir daí, as coisas se tornam mais confusas. Por um lado, há fósseis de colônias microbianas de 3,5 bilhões de anos e de cianobactérias formando estromatólitos de 3,7 bilhões de anos. Por outro, há isótopos em rochas na Groenlândia que indicam possível atividade microbiana de 3,8 bilhões de anos de idade. Há muito discussão sobre método, e nenhuma teoria é considerada definitiva. Conheça algumas delas:

Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra
Esse pode ser o fóssil da forma de vida mais antiga do mundo: o estromatólito, formado por colônias de cianobactérias (Imagem: Allen Nutman/Nature)

Teorias correntes

Calcula-se que o planeta Terra tem 4,5 bilhões de anos e que as rochas mais antigas não surgiram muito depois, há cerca de 4 bilhões de anos. A elas estão ligadas várias das teorias e evidências dos primeiros seres vivos: na ilha de Akilia, na Groenlândia, pesquisadores encontraram isótopos (elementos em formas com quantias diversas de nêutrons) em rochas de 3,8 bilhões de anos em 1996, indicando atividade metabólica de micróbios desconhecidos. O achado vem sendo debatido desde então.

Em 2017, a revista Nature publicou a descoberta de microfósseis no Canadá que podem ter entre 3,77 e 4,29 bilhões de anos, o que sugere um surgimento da vida concomitante com a formação dos primeiros oceanos. O problema é que os fósseis, que assumem um formato de filamento, podem não ser tão antigos quanto as rochas que os comportam, já que é possível que fluidos tenham penetrado nelas e dado espaço para novos micróbios crescerem em um ambiente mais antigo.

Além disso, há problemas apontados na própria datação das rochas: ela foi feita através de samário-neodímio, que utiliza o decaimento de um elemento raro da terra sobre outro. Só que o método pode ter datado o magma que formou as rochas em vez das próprias rochas em si, jogando a estimativa da idade do mineral bem para trás. De qualquer forma, os cientistas se perguntam se as primeiras formas de vida aparecerem junto às rochas é ou não uma coincidência.

Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra
Camada microbiana do tipo Kinneyia, formada sobre camada sedimentar, semelhantes às possíveis primeiras formas de vida na Terra (Imagem: Smith609/CC-BY-3.0)

Antes dos primeiros registros das rochas, o planeta passava pelo período Hadeano, o éon mais antigo, quando asteroides e meteoritos choviam constantemente sobre o planeta. Em 2015, pesquisadores encontraram grafite, uma forma do carbono, em cristais de zircônio de 4,1 bilhões de anos. A razão de isótopos no grafite sugere uma origem biológica do elemento, possível evidência de que a vida surgiu nesse período caótico da geologia. Há controvérsias, já que meteoritos ou processos químicos podem ter gerado a tal razão.

É sabido que, neste período, o planeta já tinha água em forma líquida. É possível que a crosta da Terra, parecida com os continentes que conhecemos, fosse feita de granito, embora isso seja debatido. Qualquer vida nessa época seria procarionte, um tipo de organismo sem núcleo envolvido por membrana nem organelas celulares. Se a crosta já estivesse por aqui, os procariontes poderiam ter se nutrido a partir de fontes minerais, como o fósforo.

Quem não gosta de termas?

Outra abordagem possível sobre o início da vida na Terra é, talvez, mais conhecida, e envolve fontes hidrotermais. Um artigo do periódico científico Nature Microbiology, de 2016, analisou procariontes numa tentativa de encontrar genes e proteínas comuns a todos esses organismos, um possível Último Ancestral Comum Universal (LUCA, em inglês), ou seja, o parente biológico do qual todas as formas de vida da Terra descendem.

Como surgiu a primeira forma de vida no planeta Terra
Fontes hidrotermais como essa podem ter sido a primeira morada dos ancestrais de toda a vida na Terra (Imagem: NOAA/Domínio Público)

O resultado foi 355 proteínas compartilhadas por todas as linhagens bacterianas e arqueas (microorganismos unicelulares procariontes), e, com base nelas, os cientistas puderam reconstruir um panorama de como seria o genoma do LUCA: ele teria vivido em um ambiente anaeróbico (sem oxigênio) e hidrotermal, como nessas fontes oceânicas. Se estiverem certos, então as primeiras formas de vida na Terra — ou, pelo menos, as primeiras que deixaram descendentes — se parecem muito com os micróbios que se aninham nas fontes abissais dos dias atuais.