Além de encontrar ouro e metais preciosos, os portugueses tinham outro objetivo para a terra

A carta de Pero Vaz de Caminha é considerada hoje o mais importante documento a respeito do Descobrimento do Brasil. Seu título completo é Carta a el-Rei Manoel sobre o achamento do Brasil. Pero Vaz de Caminha era o escrivão oficial do rei de Portugal Dom Manoel I e viajou com os outros tripulantes nas frotas de navios comandadas por Pedro Álvares Cabral, que chegaram até o litoral baiano em 22 de abril de 1500.

A missão dada pelo rei Manoel a Caminha era simples e ao mesmo tempo importantíssima: relatar o que havia nas novas terras descobertas – principalmente se havia metais preciosos. É importante ressaltar que D. Manoel já sabia, desde ao menos dois anos antes, que o “Brasil” já existia.

Em 1498, o rei ordenou a outro navegador português que fosse até a América do Sul com o propósito de fazer o reconhecimento da porção de terras ainda não explorada pelos espanhóis. Essa “descoberta” inicial fez necessária outra expedição mais detalhada. Esse trabalho coube a Cabral. A ação de Cabral à frente da expedição foi documentada por Caminha. Um trecho bastante interessante da carta mostra como Cabral desconfiou de que havia ouro na nova terra a partir de um gesto feito por um índio, como ressalta o pesquisador Lucas Figueiredo:

Na carta de sete páginas escrita por Caminha com letra miúda e elegante, o rei tomou conhecimento de como era a nova conquista de Portugal. Parecia o paraíso na terra, tinha muito inhame e, caso houvesse interesse em cultivá-la, tudo nela daria. O episódio do colar na capitania, interpretado pelo escrivão como a indicação da suposta presença do metal em terra, foi relatado com a devida cautela.“Tomávamos nós nesse sentido por ser esse o nosso desejo”, anotou Caminha com uma honestidade singular. [1]

A descrição que Caminha fez dos índios também possibilitou que os europeus da época traçassem um perfil dos “selvagens”. Trechos detalhados como o que segue deram suporte para isso:

“A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos, narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar seus vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto.” [….] “Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos, a saber, um no meio e os dois nos cabos”. [2]

Durante muito tempo, a carta de Caminha permaneceu desaparecida em meio aos arquivos da Coroa de Portugal. Ela só veio a ser reencontrada quando essa documentação veio para o Brasil com a Família Real Portuguesa, em 1808. A carta estava no Arquivo Real da Marinha Portuguesa e foi encontrada pelo padre e historiador Aires de Casal. Casal, inclusive, foi o responsável pela primeira reprodução do conteúdo da carta em seu livro “Corografia Brasílica”, de 1817.

NOTAS

[1] FIGUEIREDO, Lucas. Boa Ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697-1810). Rio de Janeiro: Record, 2011. pp. 28-29.

[2] Carta de Pero Vaz de Caminha. Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. 

Além de encontrar ouro e metais preciosos, os portugueses tinham outro objetivo para a terra

eram pobres, camponeses, meros plebeus. Depois de embarcados, a dificuldade era cotidiana. Faltavam comida, água e espaço, as doenças eram constantes, enfim, um verdadeiro inferno sobre as águas. O capitão podia, por exemplo, embarcar com galinhas, o que lhe dava melhores condições que o restante da tripulação. Infestações de ratos não tardavam a aparecer, bem como alimentos estragados e proliferação de bactérias, causando diarreias e muitas mortes a bordo. A falta de banheiros era fator que deixava o convés com cheiro insuportável. Havia, por exemplo, por conta da falta de vitamina C, uma doença, o escorbuto, que causava sangramentos das gengivas constantemente. Nada do que conhecemos de uma viagem de navio hoje pode ser comparado às condições da armada de Pedro Álvares Cabral. De acordo com Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, “no caminho desses mares desconhecidos também não faltavam cenas de violência, roubos e toda a sorte de corrupção. Quanto maior a incerteza, maior o número de crimes, agressões e atritos”5. Depreende-se, portanto, que em nosso caso a corrupção já vinha embarcada nas extremas dificuldades da viagem oceânica. Além disso, a atividade de navegação era privada, mas contava com o financiamento da Família Real. O investimento era altíssimo e, nesse caso, além da corrupção – já embarcada –, havia ainda a pouca diferenciação entre os interesses públicos e privados, cujas fronteiras eram tênues ou quase inexistentes. E também há que se considerar que os interesses do rei eram entendidos como os do próprio reino. Capitão, piloto, padres, escrivão, soldados, todos dependiam não apenas de suas habilidades náuticas, mas também da sorte, das boas correntes marítimas e, especialmente, das bênçãos de Deus. A carta do achamento do Brasil: a intenção era ouro e prata, mas tinha água e gente para ser salva! CONSIDERADA UMA “CERTIDÃO DE NASCIMENTO” do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha6 é de importância ímpar para compreender as intenções e primeiras impressões dos portugueses. A carta, à guisa de diário, tem seu início em 9 de março de 1500, com a partida do porto de Belém. A data de 22 de abril é indicativa de terem avistado terra e no dia seguinte, 23 de abril, ancoraram. Vejamos alguns trechos do documento. A seguir, Caminha descreve o contato do capitão com os nativos, em 24 de abril: O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acena para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata. Pode-se perceber facilmente que os portugueses, especialmente Caminha, que tinha a função de documentar tudo, estavam ansiosos por encontrar metais preciosos, prata e ouro, tanto que na interação descrita nesse trecho os gestos dos índios apontando para um colar de ouro e para um castiçal de prata e, em seguida, para a terra levaram os portugueses a crer que encontrariam ouro e prata ali, e isso, por si só, já teria feito a viagem valer a pena. Caminha continua descrevendo o cotidiano junto aos nativos e, finalizando seu escrito, afirma, em 1º de maio de 1500: Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão arvoredos que nos parecia muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lhe vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre Doiro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. E continua: Águas são muitas; infinitas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. Da expectativa de riqueza, de encontrar ouro e prata, no contato com os nativos, em 24 de abril até que, em 1º de maio, Caminha afirma ao rei que até aquele momento não haviam achado metais preciosos, nem outro metal ou ferro. Os portugueses tinham enorme expectativa de encontrar riquezas, especialmente ouro e prata. Caminha, contudo, informou o Rei que desde o contato com os nativos, em 24 de abril, até o dia 1º de maio não haviam encontrado metais preciosos, nem outro metal ou ferro. E, na sequência, contenta-se em descrever positivamente o clima e a quantidade de água, que era “infinita”, querendo aproveitar, explorar a terra (“dar- se-á nela tudo, por bem das águas que tem”). Imbuído, contudo, na fé católica, como não poderia deixar de ser, o escrivão oficial afirma que o principal fruto que daquela terra poderia ser tirado seria salvar aquela gente, os nativos, obviamente convertendo-os para a fé oficial. O Brasil Colônia: o país com nome de mercadoria e a lógica da exploração do território SE HOUVE, INICIALMENTE, certo desleixo em relação à terra recém-descoberta, os portugueses tiveram que se apressar para defender o território de invasões estrangeiras. Isso, portanto, ocasionou a ocupação e a exploração colonial. Cronologicamente, o Brasil Colonial vai de 1500 (chegada dos portugueses) até 1822 (independência de Portugal)7. O território descoberto deveria ser nomeado. Os portugueses atribuíam nomes a tudo que encontravam e, com isso, pretendiam garantir que o achado e nomeado não é roubado, ou seja, pertence à Coroa Portuguesa. Assim, fomos chamados de Vera Cruz, Terra dos Papagaios e Terra de Santa Cruz. O nome Brasil derivou de uma árvore, o pau-brasil, chamada pelos índios Tupi de ibirapitanga. Árvore frondosa, o pau-brasil tinha sua madeira apreciada para a confecção de móveis, e de seu interior se extraía uma resina de cor vermelha, cuja destinação foi o tingimento de tecidos. Segundo Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling: “Tanto a madeira como o corante eram conhecidos por diferentes nomes – ‘brecilis’, ‘bersil’, ‘brezil’, ‘brasil’, ‘brazily’ –, sendo todos derivados do nome latino ‘brasilia’, cujo significado é ‘cor de brasa’ ou ‘vermelho’” (p. 32). Dessa forma, dado o interesse comercial pelo pau-brasil, a Coroa tornou a exploração um monopólio real. A mão de obra, naquele momento, era indígena, e a relação foi de escambo. Os índios cortavam e carregavam a madeira até os navios e, em troca, recebiam quinquilharias: espelhos, roupas, facas, machadinhas etc. Portanto, o nome que ficou, Brasil, é derivado de uma mercadoria, do pau-brasil. Começamos a nossa história recebendo não um nome de país, mas o nome de um produto que seria comercializado, e esse fato marca nitidamente o caráter exploratório que orientou a colonização. Caio Prado Júnior8, conhecido autor da década de 1930, ao estudar a nossa formação colonial e a sua persistência em termos históricos, asseverou que: Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era, que se convencionou com razão chamar dos “descobrimentos”, articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV, e que lhe alargará o horizonte pelo Oceano afora. [...] Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamantes; depois, algodão e, em seguida, café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que

Além de encontrar ouro e metais preciosos, os portugueses tinham outro objetivo para a terra
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