A diferença entre conversa e debate qual

  1. Para preparar a turma para o debate regrado, converse com eles e elas sobre a diferença entre emitir uma opinião pessoal e debater. Quem debate, certamente emite opiniões pessoais. No entanto, ao contrário daquele(a) que apenas opina — muitas vezes apenas para “marcar posição” —, o debatedor ou a debatedora se envolve na discussão coletiva de uma questão que, por seu caráter polêmico, pode interessar a todos(as). Nesse sentido, o compromisso mais importante do(a) debatedor(a) é o de colaborar, tendo em vista o bem comum, para estabelecer consensos possíveis a respeito das escolhas mais adequadas a uma determinada comunidade. Logo, estabelecer regras é fundamental para o bom funcionamento de um debate.
  2. Com o objetivo de promover essa discussão sobre o que é e para que serve um debate bem conduzido, projete e leia com os e as alunas o “Teste rápido: você faz papel de idiota nas redes sociais?”, disponível no menu Coletânea. Trata-se de uma matéria do jornalista Leonardo Sakamoto, redigida como um desses “testes psicológicos” muito comuns na mídia digital e em seções de autoajuda de revistas de grande circulação. O teste proposto por Sakamoto põe o(a) leitor(a) diante de uma realidade cada vez mais comum em ambientes digitais: o desejo narcisista de opinar (“pronto, falei!”), sem, no entanto, sustentar suas posições ou tampouco ouvir o que o outro tem a dizer.

    Você pode apenas ler em conjunto o “teste”, indagando a turma a respeito dos objetivos visados pelo autor. Mas também pode ser produtivo e divertido pedir que eles e elas respondam ao teste, discutindo, depois, as paixões que, muitas vezes, nos impedem de entender e aproveitar um debate. Seja como for, o importante é deixar o mais claro possível a diferença entre marcar/defender território e trabalhar para a construção coletiva de consensos.

  3. Na sequência, organize o debate. Divida a turma em dois grupos; cada um deles deve ficar responsável por uma das questões polêmicas estabelecidas na primeira etapa. Proponha ao grupo 1 que se organize em dois subgrupos, A e B, para a realização de um debate que será assistido e avaliado pelo grupo 2.
  4. “Primeiro turno”: de um lado, devem estar os(as) que irão argumentar a favor de determinada posição ou proposta (subgrupo A – tese 1); de outro, aqueles que irão argumentar contra, defendendo, se acharem necessário, uma posição alternativa (subgrupo B – tese 2). Estabeleça consensualmente tanto a duração máxima quanto as normas básicas para o debate, bem como o tempo concedido a cada fala, o direito (ou não) à réplica e/ou à tréplica, o respeito à pessoa do adversário (especialmente na maneira de se referir a ele) e à sua vez de falar, o tipo de linguagem a ser empregada (mais formal, mais descontraída etc.) e as “penalidades” que podem ser aplicadas aos que desrespeitarem as normas etc.
  5. Lembre à turma que o respeito às regras garante não só o bom funcionamento e a fluência do debate como o direito de fala de cada participante.
  6. Oriente os membros do grupo 2 para que, durante cada fala, façam as anotações necessárias para uma análise geral do debate, considerando as seguintes questões:
    • As normas foram respeitadas? O debate foi fluente?
    • As posições ou teses foram claramente explicitadas, em cada caso?
    • Que estratégias argumentativas foram usadas pelos debatedores?
    • Os argumentos foram convincentes? Por quê?
    • Foi possível chegar-se a algumas conclusões? Por quê?
    • Que sugestões o grupo 2 faria para os subgrupos A e B, que representam o grupo 1, no sentido de melhorar o desempenho?
  7. Para o “segundo turno”, diga aos alunos que deverão inverter as posições. O grupo 2, agora dividido em dois subgrupos (A e B), é que deverá debater a questão polêmica por ele escolhida. Caberá ao grupo 1, por sua vez, avaliar o debate nos moldes já propostos.
  8. Ao final, faça o mesmo balanço coletivo do funcionamento do debate. Retome, com toda a turma, a definição de estratégia argumentativa e aproveite a oportunidade para esquematizar, na lousa os argumentos apresentandos pelo Grupo A e pelo Grupo B. Por meio de setas ou de outros recursos visuais, evidencie o percurso argumentativo de cada grupo. Como reagiram à resposta dada pelo opositor? Isso influenciou a condução da estratégia argumentativa? Como o outro promove mudanças no nosso raciocínio durante o processo de escolha em um debate?
  9. Durante a atividade, seu papel será, inicialmente, o de orientar a organização e a formulação da tese em torno da qual as alunas e alunos se posicionarão contra (grupo B) ou a favor (grupo A). Estimule-os a fazer perguntas contundentes, como:
    • Por que vocês pensam assim?
    • Vocês têm algum dado estatístico que comprove o que sustentam?
    • Que estratégias argumentativas foram usadas pelos debatedores?
    • Já leram sobre esse assunto?
    • O que falava o texto (artigo, notícia, livro, editorial, cartaz)?
    • Conhecem situações similares? Se sim, o que aconteceu?
  10. Num segundo momento, você será o mediador. Por isso, não deverá tomar partido, limitando sua participação às intervenções necessárias para a fluência e o bom funcionamento do debate.
  11. Ao final de ambas as participações, faça uma avaliação coletiva da atividade. Tente mostrar às alunas e aos alunos quais dos argumentos elaborados mostraram-se mais confiáveis, justamente por apresentarem com maior precisão o que justifica e/ou fundamenta a opinião defendida. Reforce, nesse momento, que os melhores argumentos são os que vão além do “porque eu sei”, “porque eu acho”, “porque é melhor assim”, “porque todo mundo concorda”.
  12. Com isso, você e a turma poderão identificar o que já têm a dizer sobre a questão e o que ainda precisam conhecer para justificar, de forma consistente, a posição assumida. Após esse levantamento, você terá melhores condições de orientá-los(as) para a pesquisa que será realizada posteriormente.

Durante um debate, os(as) participantes usam a palavra para expressar o que sabem e pensam sobre o assunto em questão. Retomam o discurso do outro, fazem críticas, se situam, tomam posição e, com respeito e civilidade, podem rebater o ponto de vista contrário.

O debate é uma situação de comunicação privilegiada para desenvolver capacidades de linguagem argumentativa nos alunos, pois aprofunda conhecimentos, possibilita tanto a concentração no foco da discussão quanto a transformação de valores e normas de interação social.

É fundamental que os(as) debatedores, no decorrer do processo, considerem pontos de vista e falas dos demais protagonistas, mantendo o diálogo sempre aberto. Essa é uma boa oportunidade para perceber a importância da flexibilidade de pensamento e tomar consciência da pluralidade de opiniões como um valor que deve ser respeitado. Nesse sentido, valerá a pena resgatar, aqui, a discussão sobre o valor da argumentação em situações difíceis e um trecho do livro “Como conversar com um fascista”.

Com o jogo Q.P. Brasil, uma boa opção é substituir a 2a etapa desta oficina por uma partida. Divida a turma em três grupos e entregue uma caixa média e um tabuleiro para cada um deles. Professor, professora, para fazer isso, é essencial que você conheça o jogo e saiba jogá-lo.

Caso opte por não jogar neste momento, recorra aos envelopes coloridos para propor debates, com a utilização das questões polêmicas e dos argumentos que estão no jogo.

Oficina 1 Oficina 2 Oficina 3 Oficina 4 Oficina 5 Oficina 6 Oficina 7 Oficina 8 Oficina 9 Oficina 10 Oficina 11 Oficina 12 Oficina 13 Oficina 14 Oficina 15 Etapa 1 Etapa 2

Oficina 1 Oficina 2 Oficina 3 Oficina 4 Oficina 5 Oficina 6 Oficina 7 Oficina 8 Oficina 9 Oficina 10 Oficina 11 Oficina 12 Oficina 13 Oficina 14 Oficina 15 Etapa 1 Etapa 2

Você já parou pra pensar nas diferenças entre as palavras Debate, Discussão e Diálogo? Com frequência, utilizamos esses termos como sinônimos, sem perceber as nuances que cada um carrega consigo. Ao fazermos isso, ficamos presos a conversações tensas, polarizadas e orientadas ora por uma verdade universal — via de regra, a nossa — , ora por uma busca incessante por ela.

Como compreender as características específicas dos diferentes tipos de conversa? E, a partir delas, como melhorar a qualidade das interações que temos com o outro e com a gente mesmo? Eis uma proposta.

O exemplo que mais facilmente aparece quando pensamos num debate costuma ser o debate presidencial. Os candidatos preparam de antemão suas artilharias de argumentos e defesas e procuram fazer perguntas para atacar o oponente. As respostas são ou evasivas e robóticas, ou inflamadas e inchadas. Há convencimento, persuasão, tentativas de desqualificar o outro — inclusive apelando para questões pessoais — , e o que está por trás de tudo isso é uma conversa cindida, com lados muito bem definidos, isolados e antagônicos.

Uma das origens da palavra debate, o verbo em latim battuere significa justamente “lutar”, e sua raiz provém do termo indo-europeu bhau- (golpear”, “ferir”), o mesmo que ajudou a formar as palavras “abater” e “abatedouro”.

Fica claro, portanto, a situação belicosa que é o debate. A premissa básica é: “minha verdade eliminará a sua e assim me provarei vencedor”. O fim justifica os meios.

O que vem à sua mente ao imaginar a palavra discussão? Para boa parte das pessoas, não se trata de uma conversa amigável. Quando discutimos sobre algum tema, geralmente o que queremos é chegar a uma conclusão sobre ele. Ainda que não tenhamos lados muito bem definidos desde o início como no debate, há divergências de pontos de vista que vão aparecendo no decorrer da discussão.

Vamos supor que você, sua esposa/marido e sua mãe, que mora com você, decidem se mudar para uma casa nova. Começa aí não apenas um processo investigativo para levantar possíveis imóveis interessantes, mas também uma discussão entre a família para escolher que tipo de casa é a melhor opção para todos. Serão analisados vários fatores: localização, número de vagas na garagem, estado de conservação do imóvel, se é mobiliado ou não, quantos quartos, quantos metros quadrados, preço do aluguel, como é a vizinhança, se a casa é segura ou não etc.

Discussão, portanto, é a conversa que nos permite analisar as minúcias de algo de modo a abrir caminho para uma conclusão. O prefixo “cuss”, também presente nas palavras “percussão” e “concussão”, significa quebrar, separar, discriminar. Ou seja: quando discutimos, estamos quebrando o assunto em partes menores para poder olhar no detalhe cada uma delas.

A grande questão é: muitas vezes estamos discutindo com alguém, mas, na verdade, não precisamos de fato chegar a conclusão alguma. É nosso ego que está discutindo por medo de aceitar que existe o diferente. Chegar a uma (única) conclusão é, frequentemente, uma postura totalitária.

E se existisse uma conversa que não fosse baseada em desqualificar o outro nem em reduzir o assunto em partes menores para se chegar a uma conclusão? É até um pouco difícil acreditar que ela exista, dado que dificilmente encontramos interações desse tipo por aí. Justamente por isso, o diálogo é cada vez mais necessário.

Como exemplo, vale resgatar a história que o Arnaldo Bassoli, um dos fundadores da Escola de Diálogo, sempre conta. Imagine que, durante uma conversa, um amigo confessa a você que não gosta de cachorros. Mais do que isso: ele realmente quer distância dos bichinhos. Sua reação após ouvir essa fala poderia ser ou de contestação (“Como assim, você não gosta de cachorros? Mas eles são tão legais!”) ou de curiosidade (“Por que você não gosta? Aconteceu alguma coisa?”). Quando você reage com curiosidade, querendo saber os motivos e as experiências — em linguagem técnica, os pressupostos — que estão por trás da confissão de seu amigo, você está cultivando terreno para o diálogo acontecer.

E, ao fazer isso, ele te diria o que está realmente acontecendo: “sabe o que é, você vê essa cicatriz aqui no meu rosto? Há muitos anos, fui acariciar um cachorro na rua e ele me mordeu. Foram 12 pontos, muita dor e ainda fiquei com essa cicatriz horrível”. Você, então, compreende as bases subjetivas de significado que sustentam a postura de seu amigo. Isso é diálogo.

Vejamos o que a etimologia da palavra nos traz:

Día = atravessar algo por inteiro (“diâmetro”, por exemplo, é a linha que atravessa completamente um círculo);

A diferença entre conversa e debate qual
Créditos: Cesar Matsumoto

Logos = significado.

Diálogo, portanto, pode ser entendido como a conversa em que os significados nos atravessam por inteiro. Foi exatamente o que aconteceu na história do amigo que não gostava de cachorros. Ao nos permitirmos ter uma reação de curiosidade e interesse genuíno pelo outro, os sentidos e as crenças mais profundas podem então ser compartilhadas sem ameaças de julgamento, desqualificação ou redução.

Arnaldo Bassoli sustenta que existem três condições para que o diálogo aconteça:

  1. Igualdade: ausência de hierarquia ou não interferência das relações de poder entre quem dialoga;
     
  2. Escuta empática: esvaziar-se do meu mundo para viajar temporariamente ao mundo do outro, tentando enxergar como ele enxerga;
     
  3. Poder explicitar os pressupostos: investigar meus próprios pressupostos (isto é, minhas visões de mundo, crenças, motivações e histórias de vida) e poder perguntar o que faz o outro pensar, sentir e agir de determinada forma.

Além dessas condições, não custa relembrar: sempre que queremos convencer o outro — ainda que só um pouquinho ou quando esse desejo é inconsciente — é impossível haver diálogo. Sempre que precisamos colocar nosso ego à frente e concordar/discordar do outro, o diálogo, ou a possibilidade do significado nos atravessar por inteiro, fica comprometida.

E por que, afinal, dialogar é preciso? Essa eu deixo pra você.

publicado em 19 de Abril de 2017, 00:00