O debate em torno das visões de Nordeste tem perfilado diversos campos do conhecimento. O recorte regional Nordeste tem sido pensado no âmbito das ciências humanas e sociais, a partir das esferas econômica e política e das esferas social e cultural. Neste item, nossa proposta é mostrar como, a partir da interpretação do lugar e do cotidiano de seu povo, em diferentes recortes históricos, a idéia de Nordeste foi sendo construída na percepção de romancistas e de pensadores, como Paulo Freire, que pensou o Nordeste a partir do viés da educação. Aqui, pontuamos a idéia de Nordeste percebida por homens que, a partir de suas obras, traçaram-lhe um perfil, inventaram sua cultura e construíram a sua identidade cultural. O Nordeste, para esses autores, foi o lugar de produção social, de construção histórica e cultural. Esses autores, como sujeitos partícipes da realidade, versaram com sutileza sobre o Nordeste e o recriaram em seus textos científicos e de ficção. Para delinear as veredas que nos permitiram traçar os fios condutores dessas visões, buscamos verificar, a partir do pensamento desenvolvido por Gilberto Freyre, José Américo de Almeida, Ariano Suassuna, José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Paulo Freire, como eles inventaram a idéia de Nordeste e de nordestino, construindo, assim, as suas visões. Posteriormente, nossa proposição é fazer um contraponto a partir dessa confluência de saberes, mostrando que, além de um saber cientificizado, existe outro, que é calcado na cultura humanística que produz conhecimento sobre o Nordeste e é assentado na observação, na compreensão e nas vicissitudes do cotidiano. Esse outro saber é construído por alguns bens simbólicos culturais, como o cordel. As palavras tecidas sobre o Nordeste deram visibilidade a essa região e se constituem, portanto, como a usina de força de discussão deste capítulo. Foram as palavras construídas nos romances ou em poemas de cordel que inventaram a região, materializando, assim, sentimentos, significados e sensibilidades que notabilizaram esse espaço de produção social e histórica, chamado Nordeste. Da beleza dos canaviais à terra gretada pelo sol do semi-árido, o recorte regional Nordeste apresenta significativa diversidade étnica e cultural, o que pode ser sentido em seus subespaços. Do litoral ao Sertão e deste ao Agreste, são múltiplas as visões que podemos tecer do Nordeste a partir das especificidades que cada lugar apresenta. Ao proceder a uma leitura da realidade social nordestina, percebemos a diversidade apresentada em sua composição. Espaço de incontestável riqueza cultural, o Nordeste consiste num caleidoscópio, cuja complexidade verificamos através das diferentes expressões culturais, o que vem refletir o seu potencial, que pode ser identificado com a análise de suas manifestações. Sob esse prisma, podemos dizer que existem vários Nordestes dentro de um único recorte regional. Do ponto de vista paisagístico, essa região foi, ao longo de sua historicidade, modificando-se e tomando novos contornos que, com o passar dos anos, foram lhe transformando as feições. Desde o período colonial, inúmeras foram as marcas das modificações. Da Mata Atlântica exuberante, por exemplo, hoje resta muito pouco. O plantio da cana- de-açúcar e a introdução da pecuária bovina para interiorização da região, além dos efeitos da ação humana sobre o espaço geográfico, criaram uma paisagem diferenciada do Nordeste porque produziram modificações ambientais. Esses são, portanto, apenas alguns dos múltiplos exemplos que podemos listar das transformações sobre o espaço regional nordestino. Todavia, não nos deteremos na questão da geografia física, apenas aventaremos discussões sobre o cultural e o social. Por isso, cabe lembrar que o Nordeste tem sido conhecido como uma região-problema marcada pela fome, por migrações e pela seca. Entretanto, não podemos reduzi-la apenas a esses aspectos e esquecer suas potencialidades. O Nordeste guarda incontestável riqueza em sua cartografia cultural, pois é um espaço onde são expressas múltiplas manifestações culturais que ressaltam a beleza de sua cultura, bem como a resistência do seu povo. As potencialidades regionais podem ser observadas nas diferentes formas artísticas que lhe traduzem. E foi, portanto, percebendo suas diferenças, que múltiplos e facetados olhares deram vida a esse povo e a essa cultura, mostrando as faces e as interfaces que lhe constituem. Mescla formada pela cultura do nativo, africano e europeu, a constituição do povo nordestino se conformou a partir da junção desses povos que, através do seu saber provido de um fazer, construíram e deram uma tonalidade cultural especial. A riqueza dessa confluência de saberes, a partir do encontro entre culturas, manifestou-se através de diversas expressões. O Nordeste, visto sob esse ângulo, é lócus de história e de vida, que renascem e recriam. O cenário e os personagens retratados nos romances, nos cordéis e nos cancioneiros populares, publicados sobre a região, chamam à atenção para os modos de vida, os costumes, os valores, as crendices e os conflitos. As visões construídas em torno desse espaço revelam, em alguns autores, uma percepção dos conflitos e dos contrastes do ambiente que, muitas vezes, mitifica relações nem sempre harmoniosas. No entanto, esses autores procuram delinear que o encontro entre grupos étnicos diferenciados e classes sociais diversas não foi permeado de tolerância e de compreensão. Cabe lembrar que foi esmiuçando as relações sociais existentes na região, o cotidiano do povo e seu modo de viver que os romancistas, aqui referidos, procuraram garantir, no âmbito da ficção literária, valores, tradições e costumes do Nordeste, criando e popularizando, a partir de suas obras, uma identidade regional. E foi com o intuito de dar cor e vida à cultura nordestina, através do enaltecimento de sua importância no quadro geral do panorama brasileiro, que os romancistas buscaram, através de suas práticas, reelaborar o sentido de Nordeste e o jeito de ser nordestino. Alguns desses romancistas e estudiosos, como Gilberto Freyre e José Lins do Rego, retomam a tradição e os costumes regionais, dando visibilidade ao povo nordestino. Outros, no entanto, pautados em temas como seca e migração, inventam, em suas obras, um Nordeste marcado pela luta combativa de resistência pela vida. Entre esses autores, destacamos a figura de Graciliano Ramos, que escreveu obras de fundo denunciatório, como foi Vidas Secas, revelando as mazelas regionais oriundas das relações de dominação e de poder existentes na região e de fenômenos como a seca, que veio desnudar essas relações, em que injustiçados e miseráveis eram vistos sob outro prisma: o da resistência e da luta face às adversidades que se lhes apresentavam. Diferentemente de Gilberto Freyre e de José L. do Rego, Graciliano Ramos estava comprometido, não com as elites agrárias nordestinas, mas com uma forma de fazer romance de denúncia social. Nesse sentido, eram feitas e/ou criticadas duas imagens de Nordeste: o que, de um lado, apresentava uma riqueza material muito grande através de suas expressões culturais, e o outro, que revelava as espoliações sofridas por muitos, dentre elas, a pobreza e as difíceis condições de vida material. A marginalização das condições de vida de muita gente no sertão e a resistência e a luta diante das intempéries da seca são alguns dos temas que consagram a literatura regional. No olhar desses romancistas, construía-se outro Nordeste, revelado a partir da resistência de seu povo contra as adversidades da vida social cotidiana. Podemos dizer que essas obras consistem em territórios simbólicos, onde se elabora e reelabora o modo de ser nordestino. Ou seja, a identidade cultural é gestada na visão de seus autores, pois estes buscam elaborar, em suas produções, uma identidade estética, social, cultural e histórica, através de personagens que são a representação de homens e de mulheres que sofrem ante as agruras da vida e não desistem de viver, pois são, antes de tudo, “uns fortes” , como pensava Euclides da Cunha. Na seara de grandes escritores de romances regionais que selecionamos para discutir, está José Américo de Almeida, com uma de suas obras máximas: A Bagaceira (ALMEIDA, 1978). Esse romance, escrito nos anos de 1920, serviu para introduzir o romanceiro regional brasileiro. Além de seu caráter histórico, a obra discute um dos temas recorrentes no Nordeste: a seca. Ingressando na vanguarda das discussões em torno das migrações, José Américo de Almeida introduziu uma linguagem literária inovadora no romanceiro regional e tratou, com maestria e vigor, a questão da migração ocasionada pelas secas no sertão. Com a Bagaceira, José Américo de Almeida inaugurou, no plano ficcional, também uma discussão nova sobre a seca e os problemas dela decorrentes. Essa discussão, posteriormente, vai ser retomada a partir da análise do problema da seca na Paraíba, em outra obra: A Paraíba e seus problemas (ALMEIDA, 1973). Ao discutir sobre a seca no sertão e a migração dos retirantes para o brejo, José Américo mostra dois espaços diferenciados: o brejo e o sertão. Em torno desses espaços, aborda a problemática de retirantes e a questão da diversidade inter-regional. Sua obra literária tem forte fundo social e político, que permite externalizar, a partir de um viés social, a principal questão inerente aos dois espaços: os problemas das populações que habitam o sertão em período de seca. Com esse romance, José Américo introduz uma nova linguagem na produção literária brasileira, além de tratar da seca e do dilema que ela causa na vida dos sertanejos. O autor discute também, a partir do olhar do sertão, outros aspectos da cultura nordestina: os modos de viver, costumes, relações de sociabilidade, ressaltadas a partir dos personagens que compõem a trama de A Bagaceira. Ao discutir a seca em sua obra, José Américo de Almeida (1978) mostra como as pessoas no sertão percebiam, diante das condições adversas em que viviam, o lugar e as gentes que nele viviam. Uma abordagem interessante e inovadora, porque discute a seca, uma das questões emergentes no Nordeste, a partir de um lugar social: o sertão. Tendo este como foco, o autor descortina as agruras e adversidades das condições dos nordestinos, principalmente em espaços marcados pela diversidade climática, que gera impactos sobre as condições materiais. É a partir do drama vivido por esses nordestinos migrantes que José Américo encontra respaldo para construir sua percepção de Nordeste. Ao contar a trajetória vivida pelos migrantes, ele esboça, com a profundidade de um leitor arguto de sua região, as relações sociais e os problemas de nordestinos e nordestinas em período de estiagem, mostrando as dificuldades que enfrentam e ressaltando seus dilemas e suas resistências: “Ninguém pergunta ao retirante donde vem nem para onde vai. É um homem que foge do seu destino. Corre do fogo para a lama” (ALMEIDA, 1978, p. 21). Antes da seca, a paisagem e a vida no sertão corriam como o fluxo de um rio, calma e tranqüila. Com a seca, vem a desorganização das atividades e da vida das pessoas, que passam a conviver com o drama da ausência de tudo: água e comida. A fome materializa-se e traz seus impactos à vida cotidiana. Assim, com a mudança da paisagem e da vida das pessoas provocada pela seca, a única saída é migrar, mas a vida de retirante também não é fácil, há mobilização de um lugar para outro. Percebemos, portanto, que o migrante nordestino pode ser caracterizado, nesses momentos, como uma árvore sem raiz. Não tem lugar certo para ficar e, quando o encontra, se este não lhe oferecer as condições de que precisa para sobreviver, continua migrando. O nordestino é um ser que está em constante diáspora. José Américo de Almeida, ao descrever como percebe o drama da gente do sertão, mostra as duas faces da vida lá existente: de um lado, o sertão antes da seca, ou seja, só abundância; de outro, o sertão da miséria e da fome, causadas pela estiagem, o que pode ser evidenciado em algumas passagens de A Bagaceira (ALMEIDA, 1978, p. 22-23): Nesse tempo fazia gosto o sertão. Todo mundo contava vantagem. [...] O sertão, livrando a seca, não tem merma. Sobreveio a seca de 1898. Só vendo. Como que o céu se conflagrara e pegara fogo no sertão funesto. Os raios de sol pareciam labaredas soltas ateando a combustão total. Um painel infernal. [...] O sol que é para dar o beijo de fecundidade dava um beijo da morte longo, cáustico, como um cautério monstruoso. A estética em torno do qual esse romance foi elaborado estilizou várias situações vividas no cotidiano, tanto as relativas ao ambiente rural quanto ao urbano, mostrando que as transformações da vida se colocam como um obstáculo para a condução dos destinos humanos. Por isso, a necessidade de refazer a vida, buscando outros caminhos. É o que passam a fazer os personagens da trama. Dessa forma, José Américo traduz e reflete as difíceis condições a que estavam expostos nordestinos e nordestinas. Segundo a visão desse romancista, o Nordeste é um grande palco por onde passam os dramas de seus seres marginalizados. A obra sociológica e histórica de Freyre o coloca como um dos grandes expoentes do ensaio sobre aspectos do Nordeste. Através de suas lentes, podemos captar as relações sociais no espaço nordestino, sobretudo a partir da leitura de uma das suas principais obras: Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 1975). Considerada um dos clássicos do pensamento social brasileiro, essa obra toma vários contornos, desde uma dimensão política e cultural à social. Reconhecido pelo seu trabalho, Freyre é considerado um dos grandes intelectuais de seu tempo, e sua contribuição é relevante, não apenas devido aos inúmeros estudos relativos à Antropologia, à Sociologia e à História, mas também ao panteão de obras produzidas, cujo lócus é a cultura nordestina, em sua dimensionalidade, vista por muitos estudiosos como sua obra máxima: Casa Grande & Senzala. Estudando a cultura nordestina, Gilberto Freyre traça, de forma dinâmica, a sua visão sobre essa sociedade, construída em bases patriarcais. Tendo a cultura como seu norte e mediante um espírito ousado, assistemático, construiu, em Casa- Grande & Senzala, com grandeza e originalidade, uma obra importante para a sociedade brasileira colonial. Fez, através de um viés antropo-sociológico, uma obra que mostra as faces e as interfaces da sociedade brasileira patriarcal, a partir de uma leitura do Brasil colonial, tendo como pano de fundo o espaço nordestino. Em torno do engenho e da casa grande, dois elementos nordestinos bastante representativos deslocam sua interpretação e compreensão do mundo do senhor da casa-grande, das relações de poder que ele exerce, das intimidades existentes nos segredos da alcova, dos desejos e da libido, dos mandos e desmandos, do encontro cultural entre negro, índio e branco. O mundo estudado por esse sociólogo é o dos senhores de engenho. Em torno desse mundo, estavam presentes as dores da senzala, a espoliação e a violência contra o negro, a vida do índio e a manutenção dos hábitos patriarcais, dos costumes e da tradição. Para compreender esse mundo, em torno do qual giravam os interesses dos senhores do açúcar, Gilberto Freyre parte, inicialmente, da estruturação da colonização para, a partir daí, focalizar a vida naquela sociedade rural. As relações de sociabilidade, de compadrio e de poder são decompostas em toda a obra, que esmiúça, com sutileza de detalhes, a vida e a experiência cotidianas no engenho e na casa grande. Gilberto Freyre permite que o leitor entenda todo esse processo para então compreender como se sucede o encontro cultural entre povos diferentes. Indagando sobre esses povos em sua obra, ele reporta-se à mestiçagem, mostrando o Brasil, a partir do Nordeste, como um país cujo povo é culturalmente diverso. Ao fazer uma leitura dessa sociedade, de seu hibridismo cultural, ele também potencializa relações de saber e de poder, forjadas no cotidiano. Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 1975) é uma obra convidativa ao leitor de diferentes áreas do conhecimento, não apenas pelo seu conteúdo histórico, social e cultural, mas também por tratar, com propriedade, da formação cultural do povo nordestino e brasileiro, de um modo geral, cujas bases, segundo Gilberto Freyre, encontram-se no período colonial, fase importante da historicidade brasileira. Para entender de que Brasil falava e do que seria ser brasileiro, Gilberto Freyre optou por estudar o Nordeste. Ou seja, implicitamente, questionou, por meio de um olhar sobre a sociedade do contexto onde vivia, o que era ser “nordestino”. Sendo assim, não procurou amainar, em Casa Grande & Senzala (FREYRE, 1975), as diferenças sociais existentes na sociedade nordestina desse período. Pelo contrário, seu discurso é orquestrado no sentido de mostrar que as relações sociais e culturais não eram construídas harmonicamente. Dessa forma, destaca as contradições que eram inerentes a essa sociedade, que vivia sob o signo da intolerância e da falta de respeito ao Outro em sua alteridade. Por outro lado, ao discutir o padrão psicológico do comportamento humano, destaca as relações familiares e patronais existentes no seio da casa-grande: se, de um lado, a família se assentava na moral e na valorização dos bons costumes, os comportamentos e as atitudes dos senhores em relação às suas escravas estavam distantes daquela virtude consagrada e divulgada na sociedade. Freyre resgata, portanto, os costumes e as tradições nordestinas, existentes no período colonial, para montar sua visão regional. Para ele, a preservação de tais aspectos culturais estaria contribuindo para a perpetuação de valores e tradições que, durante séculos, vigoraram no Brasil e dos quais ele mesmo era participante. Além da explicação da realidade da época, vista sob o ângulo do engenho, da senzala, e da preocupação com a preservação da cultura nordestina da época colonial, outra faceta de Gilberto Freyre foi estudar o cotidiano na colônia e as relações interculturais que eram tecidas entre brancos e negros. Contudo, como ele mesmo mostra, essa foi uma relação marcada por imposições, dominação e opressão, elementos que não se coadunam com o diálogo intercultural. A formação social e cultural nordestina, sob o prisma elaborado por Freyre, foi profundamente marcada pela exclusão social do negro, do índio, da mulher e do trabalhador livre e pobre. E, embora fosse multifacetada já em seu primórdio, a sociedade colonial não permitiu uma coesão cultural, no sentido de promover o diálogo entre culturas e o respeito às diferenças, pois se caracterizou como sendo uma sociedade disciplinarizadora, de controle dos corpos e dos gestos, corpos dóceis, “pessoas dóceis”. Nessa sociedade, foram criadas estratégias para garantir a dominação e a instituição do poder e procedimentos estratégicos para definir a organização do espaço (CERTEAU, 1996). Freyre buscou construir uma identidade cultural brasileira, a partir da visão do Nordeste açucareiro. Essa identidade regional visava mostrar a diversidade cultural, as diferenças étnicas, lingüísticas, de gênero e de raça presentes nessa sociedade. Nessa perspectiva, podemos dizer que, na formação cultural brasileira, a colonização, da forma como foi gestada, contribuiu para a produção de culturas híbridas (CANCLINI, 1989). Ao chamar à atenção para esse aspecto, Freyre contribuiu para o fomento de discussões em torno da identidade cultural nordestina, que, para ele, foi formada desde a colônia e mantida a partir de então. Ao longo da obra gilbertiana, a cultura adquire uma importância fundamental na elaboração de sua percepção da sociedade nordestina. É uma categoria que adquire vigor em todas as suas discussões. Tomando a cultura como categoria de análise, o autor perfila os elementos constitutivos da formação social e cultural brasileira. Através de uma leitura que faz do negro, do índio e de suas contribuições culturais para a constituição do povo nordestino, em particular, e brasileiro, de modo geral, dá importância basilar à cultura. No universo rural-patriarcal que permeia o pensamento tradicionalista de Freyre, a diversidade cultural existente era mostrada a partir da contribuição que o negro e o índio davam à formação cultural brasileira. Por isso, Gilberto se Freyre confessava um defensor incansável da miscigenação, pois a mestiçagem propiciava a construção de uma democracia racial. Na sua opinião, a miscigenação dava ao Brasil vantagens diante de outras nações do mundo, e o encontro entre raças consistiu num fato positivo e creditava aos portugueses tal intento, uma vez que foi nas bases da colonização portuguesa que se verificou o encontro entre culturas e raças. Esse encontro representava, para Gilberto Freyre, uma democracia racial e é, pois, no interior da casa-grande e, por extensão, na senzala, que se percebe o palco do encontro e da mistura étnicos. |