O que significa mobilização popular

Mas isso depende muito de onde essa mobilização está ocorrendo e com quais objetivos. Pequenas comunidades rurais, por exemplo, podem protagonizar um processo de mobilização social mesmo sem ter um número massivo de pessoas envolvidas. Então não basta levar em conta somente o número: a mobilização se dá quando movemos pessoas em seus espaços e promovemos mudanças que façam a diferença naquele contexto. A mobilização social acontece quando essas mudanças são para o desenvolvimento do coletivo e da sociedade no sentido da garantia de direitos, do acesso a políticas públicas, da efetivação de direitos universais. As ações são verdadeiramente mobilizadoras quando conseguem construir processos de escuta atenta, debates e reflexões para que mudanças sejam impulsionadas.  

2. Qual o significado de ter a comunicação popular voltada à mobilização social como diretriz de trabalho e como repercute nas ações da agência? 

Repercute na forma como desenvolvemos nossos processos de trabalhos, especialmente com as organizações sociais. Significa praticar uma escuta atenta, olhando para o contexto em que cada ação que será realizada, quem são as pessoas que protagonizam aquela experiência, os sujeitos daquela ação. Tentamos fazer isso da forma mais inclusiva possível, garantindo diversidade de vozes, olhares, jeitos de fazer. A ação de comunicação deve ter como objetivo maior o ecoar vozes, lutas, anseios das diversas populações, mas também de denúncia de violações de direitos. Deve ser, também, uma estratégia de sistematização e multiplicação de conhecimentos acumulados por populações e segmentos sociais. Com esses elementos, a comunicação pode culminar em processos potentes de visibilidade de lutas, partilhas de projetos em curso e de mobilização social.  A gente acredita que, assim, espalhamos a sementinha da comunicação, para que ela germine e, de forma muito autônoma, quem cuida dela possa colher frutos recheados de transformação.  

3. Quando se fala em comunicação popular, diz-se de uma forma de se comunicar com a sociedade ou se trata de direcionar a comunicação a um público específico?  

Significa a forma como a comunicação é feita para se comunicar com a sociedade. Ela é protagonizada pelo povo, pelas comunidades, por quem está nos seus próprios territórios construindo conhecimentos e desenvolvendo tecnologias que atendam suas necessidades. Essa forma de fazer é emancipatória e libertadora por essência, porque não se trata de uma pessoa externa ao grupo ou comunidade falando daquele lugar, daquela cultura, daquele projeto. São as pessoas dali elaborando sobre suas lutas de forma inclusiva e coletiva. É uma comunicação feita pelo povo e para o povo, contrapondo-se ao que se vê hegemonicamente na comunicação de massa. Ela traz elementos de diversidade para o debate e acredito no seu poder de ecoar diversas vozes que, em geral, são cerceadas.   

4. A participação está definida como princípio constitucional, sendo assim, importa que diferentes segmentos participem da vida pública brasileira. A mobilização social e a comunicação são estratégias para ampliar a participação da juventude, de pessoas com deficiência, indígenas, mulheres, e outros segmentos na implementação de políticas públicas e no controle social?  

Com certeza. Se mobilização social tem relação com transformações para o acesso aos direitos, a diversidade e a inclusão são fundamentais. E para garanti-la, necessitamos trazer para a centralidade dos processos de mudança os diversos segmentos da sociedade, e a comunicação é um caminho para isso. Ter acesso à informação, além de produzir conhecimento a partir dos seus lugares sociais, territórios e identidades é essencial para os processos de participação. Importa ser de fato sujeito nos processos sociais e políticos, ou seja, com autonomia para debater, propor e participar da formulação de políticas públicas, incidir sobre elas. Não existe controle social efetivo sem essa participação diversa, dos mais variados segmentos da sociedade. Fazer a comunicação com inclusão significa garantir que esses sujeitos terão acesso a informações para participar de processos de mobilização e de controle social.   

5. O livro mencionado no início desta entrevista, utiliza o termo “coletivização” para se referir ao processo de mobilização social. Você pode nos falar como projetos coletivos podem ser construídos e, nesse sentido, como a comunicação pode impulsionar a participação?   

Fazer comunicação popular é se imbuir de coletividade porque ela é construída nessa ideia de soma de vozes. Comunicação não é somente ouvir, não é só acessar informações. É isso também, mas é, principalmente, poder produzir sua informação, é contar sua história no dia a dia a partir do seu espaço coletivo. Se sou uma comunidade e, por exemplo, neste momento pandêmico eu tenho ferramentas que me possibilitam construir essa comunicação, eu posso informar melhor sobre riscos da Covid-19, da importância da vacinação, da necessidade de se tomar medidas preventivas contra o vírus. Mas também posso contar a histórias das pessoas que têm feito a diferença no dia a dia local para que as medidas de segurança sejam garantidas, para que os acordos sejam cumpridos. Com essas informações posso fazer proposições mais contextualizadas ao meu lugar, sobre a educação para meus filhos neste momento, posso dialogar com a escola e com outras famílias. Posso montar grupos de debate para criar alternativas a quem perdeu o emprego nesse momento, posso produzir um material explicando a necessidade do auxílio emergencial e porque ele é resultado de uma luta coletiva. Posso convidar mais pessoas a participar e conversar com elas sobre a importância de cada uma para a manutenção e o desenvolvimento da comunidade. E posso também identificar que a conexão local à internet é ruim e, por isso, até o acesso às políticas públicas que precisam de cadastro por meio desta via está prejudicado. A coletivização é justamente quando eu me movo com mais pessoas para ir em busca desses direitos. Então, a comunicação não impulsiona apenas processos de participação, ela os promove. Uma comunicação emancipadora, em que as pessoas também são protagonistas, liberta.   

6. Uma agência de Comunicação que é composta majoritariamente por mulheres negras, informa alguma coisa em relação às diretrizes ou foco de trabalho?  

Hoje somos uma agência idealizada e gerida por uma mulher negra e composta só por mulheres e, para nós, isso é um valor imenso, é expressão de diversidade. Somos mulheres negras, mulheres indígenas e, também, mulheres brancas. Somos mães, mulheres lésbicas, que vivemos em capitais e em cidades do interior do Nordeste. A Angola Comunicação é uma agência que tem como foco de trabalho a ação junto a organizações sociais e que tem a comunicação popular e o direito à comunicação como um direcionamento para o seu fazer diário. A diversidade da equipe nos ajuda a ter um olhar plural e respeitoso. Também nos sentimos como aprendizes porque nos permitimos a trilhar um caminho de trocas de conhecimento em todo trabalho que realizamos.  

7. Vários dos projetos desenvolvidos pela agência são voltados para jovens do meio rural. Existem distinções significativas entre projetos desenvolvidos com a população rural e urbana?   

Sim, existe! O urbano e o rural têm suas especificidades. No rural desenvolvemos, em geral, ações com juventudes que têm trabalhado muito a afirmação de suas identidades, a sua militância na agroecologia, a consciência de que o campo é essencial para o desenvolvimento do país: se o campo não planta, a cidade não janta. Mas também que esse campo pode e deve ser mais acolhedor para as juventudes. Que dimensões como educação, em especial educação superior, lazer e cultura são prioridades e direitos.  

8. Você identifica fatores dificultadores ou limitantes para o desenvolvimento de projetos de comunicação no meio rural e, consequentemente, para motivar a participação social?  

O rural brasileiro precisa ser mais valorizado e aqui falo do rural da agricultura familiar e camponesa, dos povos e comunidades tradicionais, que são quem alimenta nosso país. E é nesse rural diverso onde, muitas vezes, os produtos não conseguem ser escoados porque não existem estradas ou não há infraestrutura, É o espaço em que nem a telefonia e, muitas vezes, nem a internet chegam, e em que os meios de radiodifusão transmitem apenas o conteúdo dos centros urbanos ou de outras regiões do país, sem contextualização nenhuma. Isso interfere em processos participativos. Se a população local não consegue saber o que acontece na comunidade vizinha – se lá também está com problema no acesso à saúde ou na qualidade da água –, fica mais difícil de compreender que fazer uma cobrança conjunta para ao acesso às políticas torna a reivindicação mais forte e amplia a possibilidade de acesso às políticas públicas. Então o direito à comunicação é essencial para contribuir com a mobilização social também no rural brasileiro.  

9. Como você avalia a participação social no contexto atual em que a internet (plataformas digitais) se configura como espaço de informação e interação entre pessoas? É possível pensar nesses canais para a garantir a participação social e o controle social de políticas públicas, seja em populações rural ou urbana?  

Hoje essa tem sido uma máxima: a internet é essencial para promoção de processos de mobilização social e acesso às políticas. Para receber um auxílio tenho que me cadastrar pelo aplicativo que só pega com internet. Para a aula remota dos meus filhos, tenho que ter a internet. Para a reunião da associação e para me informar sobre minha aposentadoria no sindicato, preciso da internet. E, infelizmente, no rural brasileiro, mais de 70% das propriedades rurais não tem acesso à internet, segundo o Censo Agropecuário (IBGE) de 2017. E ainda precisamos refletir sobre a qualidade dessa internet e o valor cobrado por ela para que de fato seja acessível. O cenário que temos é que a internet é um serviço essencial, mas ainda cerceado para a maioria das pessoas.  

10. O envolvimento de um número expressivo de pessoas e a visibilidade das ações por meio de cobertura midiática ou views em redes sociais determina o sucesso de um processo de mobilização social?  

Neste contexto de pandemia da Covid-19, a internet se tornou extremamente importante para a interação social, já que para não proliferar o vírus precisamos circular o mínimo possível e não aglomerar, enquanto não estamos ainda todas as pessoas do país vacinadas. Então, os processos de mobilização social se dão quase que simplesmente dessa forma. Mas a internet não é reduzida às redes sociais, apesar de gastarmos parte do nosso tempo imersas nelas durante os dias. E contextualizo isso para dizer que não é só número de visualizações que caracteriza a força de um processo mobilizador na internet, apesar de ser um parâmetro importantíssimo. Isso porque chegar em muitas pessoas é importante, mas a mensagem veiculada precisa ser bem compreendida para tornar-se um fator de mobilização e mudança. Por exemplo, um determinado conteúdo (texto ou vídeo) pode não ter sido visto por completo e a pessoa não ter captado aquela mensagem, mesmo assim, a visualização será contabilizada. Noutra situação, um post pode ter poucas visualizações, mas de pessoas que, além de verem o conteúdo integral, interagiram e ainda falaram dele para outras pessoas. Nem sempre sabemos o porquê ter sido criado e disponibilizado na internet, às vezes o objetivo é mobilizar uma comunidade de 50 pessoas, então, se ele tem 200 views, já é quatro vezes a mais que o objetivo. E na internet a gente meio que passou a se basear em números gigantescos, mas já pensou o que seria fazer um vídeo e ter 200 pessoas assistindo presencialmente? Já seria incrível, né? 

11. A CGU desenvolve um programa chamado Diálogos em Controle Social que tem como objetivo “promover a construção de uma rede de troca de conhecimentos e de práticas sobre transparência e controle social”. Você acredita que o diálogo pode ser a “chave para o desencadeamento de um processo de mobilização que resulte na participação e no controle social?  

Com certeza. Comunicação é diálogo, ela se faz inclusive com a escuta. Então poder gerar diálogos sobre o controle social é essencial e importa que as conversas sejam feitas com todos os elementos importantes que já levantamos aqui, como a diversidade e a construção de processos coletivos para a garantia de direitos.   

As respostas aos questionamentos expressam a opinião da entrevistada.