Revolução Farroupilha quem ganhou

A Guerra dos Farrapos (1835-1845) foi um conflito causado por uma das revoltas provinciais que aconteceram no Brasil durante o Período Regencial (1831-1840). Esse movimento foi realizado pelas elites econômicas da província do Rio Grande do Sul, manifestando a sua insatisfação com o governo regencial, sobretudo por conta da centralização do poder e da política fiscal praticada na época.

Ao longo dos 10 anos dessa revolta, aproximadamente três mil pessoas morreram. Os farrapos acabaram assumindo uma postura separatista, o que os levou a proclamar a fundação de duas repúblicas: Rio-Grandense e Juliana. Devido à ação do Barão de Caxias, os farrapos foram derrotados e assinaram sua rendição no Tratado do Poncho Verde.

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Antecedentes

Revolução Farroupilha quem ganhou
A Guerra dos Farrapos foi motivada pela insatisfação dos gaúchos com a centralização do poder no Império e a política fiscal da época. [1]

A Guerra dos Farrapos teve como principal razão a insatisfação das elites da província do Rio Grande do Sul (representadas por estancieiros e charqueadores) com a política fiscal do Império brasileiro sobre o principal produto econômico da região: o charque (carne-seca). Esse produto era voltado para o consumo interno e era usado como base da alimentação dos escravos, sobretudo no Sudeste.

A insatisfação dos estancieiros manifestava-se basicamente porque o charque produzido no Rio Grande do Sul recebia maior taxação fiscal do que o charque estrangeiro, produzido no Uruguai e na Argentina. Isso fazia com que o produto brasileiro ficasse mais caro que o estrangeiro. Além disso, a reivindicação dos estancieiros (maior taxação sobre o charque estrangeiro) era ignorada pelo governo havia tempos.

Outras razões também explicam o descontentamento dos gaúchos: o imposto cobrado sobre o gado que circulava na fronteira Brasil–Uruguai; a criação da Guarda Nacional; e a negativa do governo em arcar com os prejuízos causados no gado por uma praga de carrapatos em 1834.

Havia também a questão com a centralização do poder que existia no Brasil Imperial, pois as elites gaúchas eram uma das que demandavam a centralização com base em um sistema federalista. A soma desses fatores contribuiu para que os farrapos se rebelassem contra o Império, em 20 de setembro de 1835.

Como se deu a Guerra dos Farrapos?

Em um primeiro momento, o levante realizado na província do Rio Grande do Sul era pequeno e focalizado contra os impostos cobrados pelo governo. No entanto, essa revolta cresceu, tomou ares de separatismo, e levou à proclamação da República Rio-Grandense, ou República de Piratini, em setembro de 1836.

A questão separatista da Revolta dos Farrapos ainda é assunto de intenso debate entre os historiadores, sobre o movimento ter, desde o início, realmente um caráter separatista ou de apenas buscar a conquista de maior autonomia para a província do Rio Grande do Sul nos moldes federalistas.

Revolução Farroupilha quem ganhou
Giuseppe Garibaldi foi um dos grandes personagens da Guerra dos Farrapos e um dos envolvidos com a conquista de Laguna, em 1839. [2]

Esse movimento foi realizado sob a liderança de Bento Gonçalves, um estancieiro local, e teve David Canabarro e o italiano Giuseppe Garibaldi como nomes de destaque. Os dois últimos, inclusive, foram responsáveis por expandir a revolta para a província de Santa Catarina, conquistando a cidade de Laguna, em julho de 1839, e proclamando a República Juliana. Essa nova república, no entanto, teve duração curta, e, em novembro do mesmo ano, o governo já havia retomado o controle dessa região.

A Revolta dos Farrapos foi caracterizada, principalmente, por combates de cavalaria, e, a partir de 1842, o governo brasileiro nomeou Luís Alves de Lima e Silva, na época Barão de Caxias, para colocar fim no movimento. O Barão de Caxias foi enviado para o Sul com 12 mil homens, e suas ações conciliaram ótima estratégia militar e diplomacia para forçar os estancieiros a renderem-se.

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Tratado de Poncho Verde

As negociações entre o governo brasileiro e os farrapos estenderam-se por anos e resultaram na assinatura do Tratado do Poncho Verde, que colocou fim no movimento, em 1845. Nesse tratado, os farrapos reconheceram a sua derrota e finalizaram a revolta em troca de determinadas garantias dadas pelo governo imperial.

Entre os compromissos assumidos e cumpridos pelo governo estavam: a anistia (perdão) a todos os envolvidos na Guerra dos Farrapos; a imposição de uma taxa alfandegária de 25% sobre o charque produzido na Argentina e no Uruguai; e a incorporação ao exército imperial e manutenção da patente dos militares que lutaram pelo exército dos farrapos.

Os compromissos assumidos e não cumpridos pelo governo foram: permitir que os provincianos gaúchos escolhessem seu próprio presidente de província (correspondente da época para governador); e concessão de alforria para todos os escravos que haviam aderido à luta dos farrapos. Essa questão dos escravos entre os farrapos ainda gera fortes debates entre os historiadores.

A Guerra dos Farrapos ficou marcada por conflitos de baixa intensidade, e, ao longo de seus 10 anos, morreram por volta de três mil pessoas.

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Os farrapos e o abolicionismo

Apesar de a Guerra dos Farrapos ter sido um movimento com alguns ideais liberais, ela, em si, não tinha caráter abolicionista. O fim do trabalho escravo não era uma unanimidade entre os farrapos, e, por isso, não estava em sua pauta promover a abolição da escravidão. Sabe-se, inclusive, que o grande líder do movimento — Bento Gonçalves —, após morrer, deixou como herança uma grande quantidade de escravos para seus filhos.

O historiador e jornalista gaúcho Juremir Machado da Silva ainda afirma que a Guerra dos Farrapos foi, em parte, financiada pela venda de escravos no Uruguai|1|. Outro episódio que causa grande polêmica foi o massacre dos lanceiros negros durante a Batalha de Porongos, que aconteceu no dia 14 de novembro de 1844, enquanto as negociações de paz estavam em andamento.

Durante esse evento, a tropa dos lanceiros negros, de David Canabarro, foi atacada de surpresa pelas tropas imperiais de Moringue. A grande polêmica estava no fato de Canabarro supostamente saber da presença das tropas imperiais na região e, mesmo assim, ter desarmado sua tropa de lanceiros.

O resultado foi que os lanceiros negros foram massacrados pelas tropas imperiais. Esse acontecimento levou alguns historiadores, baseados em documentação, a concluírem que o ataque aos lanceiros negros havia sido acertado entre os líderes dos farrapos e o governo. Esse pacto foi motivado pelo fato de que o Império não aceitava alforriar os negros fugidos que tinham aderido às tropas farrapas, e, para resolver a questão, uma emboscada contra eles foi armada.

Nota

|1| Entrevista com Juremir Machado da Silva. Juremir: “muitos comemoram a Revolução sem conhecer a história”. Para acessar, clique aqui.

Créditos das imagens

[1] Commons

[2] Neveshkin Nikolay e Shutterstock

Revolução Farroupilha quem ganhou

Cena da minissérie "A Casa das Sete Mulheres", da Rede Globo. A história mostra a Revolução

 Farroupilha. Foto: divulgação

A Revolução Farroupilha passou para a história como uma das revoltas por liberdade no Brasil da época do Império, no século 19. Segundo os livros tradicionais, o movimento começou em protesto aos impostos altos cobrados no charque, no sal e em outros produtos da região Sul, e queria a independência em relação ao governo central. 

O historiador Moacyr Flores, autor de diversos livros sobre a Revolta, frutos de suas pesquisas de mestrado e doutorado, contesta essa versão. Ele considera a Revolução Farroupilha como uma guerra civil, já que colocou os rio-grandenses uns contra os outros. "Foi uma guerra iniciada pelos grandes proprietários rurais, chamados estancieiros. O Império, que já cobrava impostos das propriedades urbanas, decidiu cobrar impostos sobre as propriedades da zona rural", explica.

Segundo o professor, a população de Porto Alegre foi a favor da cobrança na zona rural, pois pequenos proprietários da capital eram taxados. "Por que não os grandes estancieiros?", questiona o pesquisador.

Por esse motivo, os farroupilhas, liderados por Bento Gonçalves, tomaram o poder em Porto Alegre, no dia 20 de setembro de 1835, expulsando de lá o presidente da província e empossando o vice. Para o historiador, aí começa um período inédito nas revoltas brasileiras, já que pela primeira vez os "rebeldes" conseguem implantar uma República. O governo apoiado por Bento Gonçalves teve seis ministérios, serviço de correio, tratados com outros países (o Uruguai foi um deles) e uma polícia própria. "Não houve, no entanto, aplicação de ideias liberais, ou tentativa de qualquer mudança social. Esse governo se caracterizou como uma ditadura, reprimindo duramente qualquer opinião contrária", diz.

Outro engano, segundo ele, é achar que os negros lutaram pelos farroupilhas em favor da conquista de sua liberdade. "Não houve negros do lado dos estancieiros, pois estes não colocaram seus escravos para batalhar, sempre os mantiveram em trabalho nas fazendas. Os negros que participaram estavam do lado do Império e eram da chamada Infantaria Negra", afirma. Mesmo o nome "farroupilha", não seria derivado de "farrapos", referente ao estado desgastado dos revolucionários. "Farroupilha é o nome do partido dos liberais exaltados, fundado em 1832", esclarece.

A Revolta terminou em 1845 por um tratado de paz estabelecido entre os revolucionários e Duque de Caxias. Parte do "fracasso" da república farroupilha deveu-se à sua não aceitação por parte da população do Rio Grande do Sul. "Porto Alegre já era uma cidade comercial, então é claro que ninguém apoiava uma guerra, pois sempre há pilhagens e muito prejuízo para todos", explica o professor.

A visão romântica da história dos farrapos foi estabelecida, segundo o pesquisador, em 1947, com a criação dos Centros de Tradição Gaúcha (CTG). Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se no Rio Grande do Sul um movimento de valorização da terra e origens que culminou com a abertura desses locais. "Houve então uma apropriação do gauchismo como símbolo de identidade, modificando a interpretação de toda essa história, colocando os revoltosos como heróis", conta. É, conforme diz o professor, "a invenção das tradições", citando o título do livro do historiador Eric Hobsbawn.