Quem determina o preço da gasolina no Brasil

Nos últimos meses, os brasileiros têm sido surpreendidos com o aumento do preço dos combustíveis. A combinação de dólar alto e de aumento da cotação internacional do petróleo tem pesado no bolso no consumidor.

O preço dos combustíveis é liberado na bomba – ou na revenda, no caso do gás de cozinha. No entanto, grande parte do que o consumidor desembolsa reflete o preço cobrado pela Petrobras na refinaria. Como num efeito cascata, alterações nos preços da Petrobras, que seguem a cotação internacional e o câmbio, refletem-se nos demais componentes do preço até chegar ao preço final.

Impostos, adição de outros combustíveis à mistura e preços de distribuição e de revenda somam-se ao valor cobrado nas refinarias. Ao sair da Petrobras, o combustível sai com o valor do produto mais os tributos federais: a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), partilhada com estados e municípios; o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Ao chegar às distribuidoras, o preço sobre o combustível passa a sofrer a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), definido por cada um dos estados e o Distrito Federal.

A cada 15 dias, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão formado pelas secretarias estaduais de Fazenda, publica no Diário Oficial da União uma pesquisa dos preços de combustíveis cobrados dos consumidores na bomba. Essa pesquisa serve como base para o cálculo do ICMS sobre combustíveis.

Quando há aumento de ICMS, o preço pode subir novamente porque os postos costumam repassar o reajuste para o consumidor.

Um projeto de lei enviado ao Congresso no último dia 12 pretende mudar o modelo de cobrança do ICMS e introduzir valores fixos por litro, como ocorre com os tributos federais. Dessa forma, o imposto estadual não seria afetado pelos reajustes nas refinarias, reduzindo o impacto sobre o bolso do consumidor.

Composição

No caso da gasolina e do diesel, a adição de outros combustíveis à mistura eleva os preços. À gasolina que sai pura da refinaria é acrescentado álcool anidro, na proporção de 27% para a gasolina comum e aditivada e 25% para a gasolina premium.

Já o diesel sofre a adição de 12% de biodiesel. Esses custos são incorporados ao preço dos combustíveis que vai para as revendedoras, onde o preço final é definido com o custo de manutenção dos postos de gasolina e as margens de lucro das revendedoras.

A Petrobras pesquisa periodicamente os preços ao consumidor nas principais capitais. Segundo o levantamento mais recente, de 14 a 20 de fevereiro, a composição média dos preços dos combustíveis dá-se na seguinte forma:

*Matéria alterada, às 16h20 do dia 3 de março de 2021, para esclarecer informações sobre a pesquisa do Confaz referente aos preços médios dos combustíveis na bomba.

SÃO PAULO – Nunca foi tão caro encher o tanque. O preço médio do litro da gasolina comum no Brasil chegou a R$ 5,955 na última semana, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) feito entre os dias 15 e 21, mas pôde ser encontrado acima de R$ 7 em postos no Acre, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O valor médio de agosto, R$ 5,90, é o maior dos últimos 20 anos em termos nominais. Desde o início de 2021, o combustível aumentou quase 28%.

Um dos principais motivos é a cotação do petróleo no mercado internacional. O barril do tipo Brent – negociado em Londres e usado pela Petrobras para cálculo de preço – aumentou quase 40% desde o início do ano, pressionando os preços dos combustíveis fósseis em geral.

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A Petrobras, que fornece para as distribuidoras, calcula o preço nas refinarias com base na cotação do petróleo e na taxa de câmbio, pois a commodity é cotada em dólar. Nesse sentido, a valorização da moeda norte-americana, acumulada em 1,55% em 2021, também forçou para cima a gasolina. A estatal aumentou o preço do combustível nove vezes somente neste ano.

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Depois de uma forte queda no início da pandemia de Covid-19, resultado do desaquecimento da economia mundial e de uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia – que inundaram o mercado na ocasião, forçando os preços para baixo –, a cotação do petróleo voltou a subir conforme as atividades econômicas foram sendo retomadas. Mas se o consumo de combustíveis cresceu, a produção mundial não avançou no mesmo ritmo.

De acordo com informações da Agência Internacional de Energia (AIE), a produção mundial de combustíveis estava em 92,3 milhões de barris por dia no segundo trimestre de 2020, ao passo que a demanda era de 84,8 milhões de barris. No mesmo período de 2021, a procura aumentou para 96,7 milhões de barris diários, mas a produção ficou em 94,9 milhões de barris. Segundo projeções da AIE, a produção mundial só deve voltar a ultrapassar a demanda no primeiro trimestre de 2022.

Mas há outros fatores que podem influenciar na cotação do petróleo, como um recrudescimento da pandemia, com a variante Delta, e riscos geopolíticos, a exemplo de conflitos regionais. “Não temos controle sobre esta volatilidade”, afirmou o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura de Energia (CBIE), Pedro Rodrigues.

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Na variação do câmbio, porém, o Brasil poderia ter mais tranquilidade. A desvalorização do real ocorre por motivos externos e internos, e entre estes fatores estão as incertezas sobre o futuro da pandemia, o compromisso do governo com a reponsabilidade fiscal e a instabilidade política.

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Outro item que contribui para o aumento da gasolina é o preço do etanol. No Brasil o etanol hidratado é vendido como combustível nos postos e o etanol anidro é misturado à gasolina na razão de 27%. Ambos estão em alta.

O preço do etanol anidro amentou 5,18% no último levantamento semanal feito em São Paulo pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Esalq/Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). No ano, a variação chega a 56,5%.

Uma das razões é o resultado da safra de cana-de-açúcar 2021/2022, que está abaixo da produção do ciclo anterior. O último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê redução de 9,5% na colheita de cana e de 10,8% no volume total de etanol.

“Na crise hídrica, uma das culturas mais afetadas é a da cana. Ocorreram perdas grandes com a seca e com as geadas”, disse o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

O etanol anidro está mais rentável para os usineiros do que o hidratado, então mesmo com a quebra de safra houve aumento da produção do primeiro e redução do último.

“Houve, até a data do levantamento, priorização na produção do álcool anidro – 10,8 bilhões [de litros], com crescimento de 5,9% em relação ao ano anterior, em detrimento do hidratado – 18,3 bilhões, redução de 18,5% em razão da maior rentabilidade do anidro neste exercício”, informa o relatório da Conab.

O preço médio do etanol hidratado, vendido nos postos, avançou 37% ao longo do ano e está em R$ 4,50, de acordo com a ANP. Além da redução da produção, o próprio avanço do valor da gasolina influencia a precificação.

De acordo com Rodrigues, do CBIE, o etanol hidratado tende a aumentar quando a gasolina sobe, num ciclo que se retroalimenta. “Os preços nos postos são livres. Quando um produto concorrente sobe, [o dono do posto] aumenta o outro também”, comentou. A ANP pesquisa preços, mas não os controla.

Para o consumidor economizar ao abastecer, considerando as diferenças de desempenho dos automóveis com os dois combustíveis, o valor do etanol hidratado tem que ser de até 70% o da gasolina. Se a preocupação é ambiental, no entanto, não há o que discutir: o biocombustível é muito menos poluente.

A composição do preço da gasolina

Segundo a ANP, o valor da gasolina nos postos de combustível é composto da seguinte forma: preço do produtor da gasolina (35,6%), que basicamente é a Petrobras; preço do etanol anidro (14,8%); tributos federais como Cide, PIS/Pasep e Cofins (12,6%); tributos estaduais, que é o ICMS (28,1%); e margem da distribuição e revenda (9%). Os percentuais podem variar conforme o período e o estado de comercialização.

Os impostos são o item com maior peso no bolo, principalmente o ICMS, que é estadual. “Os governos sempre olham para a gasolina como fonte de arrecadação, como na eletricidade, e não com olhar de políticas públicas adequadas”, observou Rodrigues. Segundo Braz, neste momento, porém, não há margem para redução de tributos, pois os estados estão endividados e têm pouca capacidade de investimentos.

Na avaliação dos analistas, não existem alternativas de curto prazo para segurar o preço da gasolina. Na visão de Rodrigues, porém, os governo podem promover iniciativas para atender determinados segmentos da população usando recursos do Tesouro, como é o caso do Vale Gás, em São Paulo, que transfere dinheiro para famílias vulneráveis comprarem gás de cozinha. Para Braz, as soluções são de longo prazo, como a construção de novas refinarias.

O governo pode intervir?

No passado, o governo costumava intervir no preço da gasolina por meio da Petrobras. Na avaliação de analistas, porém, a prática não é recomendável. Vale lembrar que a petrolífera, apesar de estatal, é uma companhia de capital aberto, e eventuais intervenções podem causar prejuízos aos demais acionistas.

“Sempre que o governo tentou dissociar a política de preços das leis do mercado, criou ineficiências no setor e na remuneração do capital privado, que espera ganhar rentabilidade. Com o represamento [de preços], isso se transforma em prejuízo”, observou Braz.

Segundo os economistas, intervenções inibem investimentos não só na Petrobras, mas no setor como um todo. “Expulsam os investidores e alguém vai ter que pagar a conta”, declarou Rodrigues. Exemplo disso é o baixo número de refinarias no País (18), em comparação com os Estados Unidos, por “medo do governo”. “São 160 nos EUA”, ressaltou.

Em fevereiro deste ano, em meio à escalada de preços, o presidente Jair Bolsonaro trocou o comando da Petrobras, anunciando pelas suas redes sociais que o general Joaquim Silva e Luna substituiria Roberto Castello Branco, que então ocupava a presidência da estatal. Isso fez as ações da empresa despencarem – foram quatro meses até que os papéis da companhia retornassem ao patamar anterior à mudança.

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Os impactos na inflação

Assim como a gasolina, e por fatores semelhantes, o preço médio do gás liquefeito de petróleo (GLP) – o de botijão – aumentou 21,5% desde janeiro, para R$ 94,40 em agosto. Em estados como Mato Grosso e Pará, chega a R$ 130. São itens que têm participação importante no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de inflação do Brasil, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ou seja, além de doer no bolso na hora de abastecer o carro ou de cozinhar, os aumentos dos preços dos combustíveis se refletem diretamente na inflação, que neste ano, até julho, era de 4,76%. Gás e gasolina estão entre os itens que mais contribuíram para o avanço do índice.

Isso porque, além do impacto direto, há também efeitos indiretos. Assim como a gasolina e o etanol, o preço médio do diesel também está em alta de quase 25% desde janeiro – e a maior parte dos transportes de carga e coletivos do país depende deste combustível. Conclusão: ele força para cima o custo das mercadorias e da mobilidade.

“O aumento do diesel é até mais perigoso. A gasolina afeta orçamento familiar, mas o diesel pesa no escoamento de produtos, no frete e no ônibus urbano”, observou Braz. “Pode fazer até os produtos da feira livre subirem”.

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