Por que o governo não investe em educação

Apesar dos desafios impostos pela pandemia do coronavírus, que levou ao fechamento de escolas e à necessidade de implementação emergencial do ensino remoto em 2020, o Brasil não aumentou o orçamento destinado para o ensino fundamental ao longo do ano passado e tampouco no ano de 2021, de acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A organização divulga nesta quinta-feira (16) a edição 2021 do relatório Education at a Glance (Educação em uma olhada, em tradução livre). O material é acompanhado de uma pesquisa sobre os impactos da pandemia realizada com 37 países, entre eles membros da organização – apelidada de “clube dos países ricos” – e nações parceiras, como é o caso do Brasil.

Segundo a OCDE, o movimento observado no Brasil vai na contramão do que aconteceu em outras nações. “Cerca de dois terços dos países membros e parceiros da OCDE relataram aumentos no orçamento destinado às escolas de ensino fundamental para ajudá-las a lidar com a crise em 2020”, aponta a organização. “Em comparação com o ano anterior, o Brasil não teve mudanças no orçamento de educação para o ensino fundamental, tanto em 2020 como em 2021”.

Na América Latina, por exemplo, a Colômbia reportou aumentos no orçamento destinado ao ensino fundamental tanto em 2020 como em 2021, segundo a OCDE. Na Ásia, a Coreia do Sul não elevou os recursos em nenhum dos anos.

“A maioria dos países aumentou o orçamento nos dois anos consecutivos, mas esse não é o caso de todos. Por exemplo, Áustria, Canadá, República Tcheca e Irlanda não modificaram seus orçamentos para o ensino fundamental em 2020, mas concederam aumentos em 2021”, diz a OCDE.

A CNN procurou o Ministério da Educação para comentar os apontamentos do relatório e vai acrescentar o posicionamento da pasta assim que o receber.

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A verba do Brasil

Considerando toda a educação básica — que engloba educação infantil, ensino fundamental e ensino médio –, os gastos do Ministério da Educação (MEC) em 2020 foram os menores em uma década, de acordo com um relatório divulgado pelo movimento Todos Pela Educação em fevereiro deste ano.

O dado consta do 6º Relatório Bimestral da Execução Orçamentária do MEC, desenvolvido pelo movimento a partir de dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). De acordo com o documento, o ministério destinou R$ 42,8 bilhões para a educação básica em 2020 – valor 10,2% mais baixo em comparação com 2019. Deste montante, foram gastos de fato apenas R$ 32,5 bilhões.

Com matrícula obrigatória para todas as crianças a partir de 6 anos de idade, o ensino fundamental é uma das etapas da educação básica no Brasil. O ciclo se divide em ensino fundamental I (do 1º ao 5º ano) e ensino fundamental II (do 6º ao 9º ano).

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A pandemia desafiou os países a desenvolver o ensino remoto, que depende do acesso à internet / ESTADAO CONTEUDO

Pela Constituição, a administração do ensino fundamental é dos estados e municípios, mas é obrigação da União trabalhar junto aos entes para prestar assistência técnica e financeira. A falta de articulação por parte do Ministério da Educação tem sido uma das principais queixas de gestores do setor ao longo da pandemia.

Em fevereiro deste ano, em resposta à omissão do governo federal, o Senado aprovou um projeto de lei que prevê o repasse de R$ 3,5 bilhões da União para estados e municípios para a melhoria do acesso à internet para alunos e professores da rede pública. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou o texto, mas o veto acabou derrubado pelo Congresso.

Bolsonaro decidiu, então, brigar na Justiça pela derrubada do projeto. Em julho, o governo federal entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a norma e a obrigatoriedade dos repasses.

No pedido, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumenta que a lei criou uma situação “que ameaça gravemente o equilíbrio fiscal da União, mediante o estabelecimento de ação governamental ineficiente, que obstará o andamento de outras políticas públicas”.

Articulação central e fechamento das escolas

No material divulgado nesta quinta-feira, a OCDE também aponta que, entre os países analisados na pesquisa sobre os impactos da pandemia na educação, na maior parte deles os critérios para decisão sobre o fechamento ou reabertura de escolas em meio à pandemia ficou a cargo das administrações nacionais, isto é, dos governos federais.

Segundo a organização, esse foi o caso de cerca de dois terços dos 37 países analisados (aproximadamente 24). Houve também casos de colaboração entre autoridades locais e nacionais, pontua a OCDE.

“Os governos federais continuam a desempenhar um papel importante na tomada de decisões sobre as medidas sanitárias para a reabertura das escolas”, diz trecho do relatório. “Isso reflete a coordenação com as autoridades nacionais de saúde no que diz respeito ao fechamento ou abertura das escolas”.

O Brasil, por outro lado, foi um dos seis países (junto a Alemanha, Finlândia, Lituânia, Noruega e Suécia) em que as próprias escolas, distritos ou o nível local de governança puderam tomar decisões sobre a abertura ou fechamento das unidades de ensino, de acordo com seus próprios critérios.

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Volta às aulas presenciais é cercada de cuidados durante a pandemia; muitos alunos continuam em casa / ESTADÃO CONTEÚDO

Deles, apenas Brasil e Lituânia superaram a quantidade de dias que, em média, as escolas ficaram fechadas em meio à pandemia, em 2020, nos países ricos. Nas nações da OCDE, a média observada foi de 44 dias de fechamento para o ensino infantil e de 58 dias para o ensino fundamental.

A Lituânia teve números pouco acima desse valor: foram 47 dias de escolas de ensino infantil fechadas, enquanto as escolas de ensino fundamental não abriram as portas por 52 dias.

Em meio às dificuldades de controlar a pandemia, o Brasil superou de longe a média dos países ricos e foi a nação em que as escolas de ambos os níveis ficaram fechadas por mais tempo em 2020: foram, segundo a organização, 178 dias.

O estudo não traz dados sobre a situação de abertura ou fechamento das escolas brasileiras em 2021.

Impactos no desemprego de jovens adultos

A OCDE ainda afirma ver com preocupação os impactos da pandemia na economia e no que diz respeito às perspectivas dos jovens adultos, que têm de 25 a 34 anos – em especial, aqueles que tiveram de abandonar os estudos.

Segundo a organização, no Brasil o desemprego entre os jovens dessa faixa etária e que não completaram o ensino médio foi de 17,8% em 2020, o que representa um aumento de três pontos percentuais em relação ao ano anterior.

Essa taxa e esse crescimento foram superiores aos observados nos países ricos, que tiveram uma média de 15,1% de desemprego entre os jovens adultos no ano de 2020. Apesar de as nações da OCDE também terem enfrentado um aumento na taxa, a subida foi de apenas dois pontos percentuais em relação a 2019.

Por que o governo não investe em educação

A educação pública brasileira acumula resultados fracos em suas funções primeiras: a de formar cidadãos cientificamente instruídos e capazes de produzir. Diversos são os indicadores que apontam para triste essa realidade. Em uma pesquisa feita em 2016 pelo IBOPE Inteligência, constatou-se que apenas 8% da população brasileira é plenamente capaz de entender e interpretar textos e números, estando, assim, completamente alfabetizada [1]. De fato, o desempenho dos estudantes brasileiros vem sendo medido em exames internacionais como um dos piores do mundo e, pior do que isso, tem se mostrado estagnado [2]. Não por menos, cerca de metade dos jovens de 15 a 17 anos não está matriculado no ensino médio, seja por evasão escolar, como por retardo no ciclo acadêmico [3].

A despeito de todas as questões estruturais que envolvem a eficácia das políticas empreendidas no setor, invariavelmente os discursos que buscam apontar as causas que possam ser atribuídas a essas e outras estatísticas versam que a educação seja subfinanciada por parte do governo federal, o qual trataria o setor como um “gasto” e não como um “investimento”.

Com a cristalização dessa visão no imaginário público e acadêmico, outras considerações que apontam diagnósticos diferentes perdem em relevância frente a observações concorrentes. Por tal razão, levanta-se uma questão importante: é um fato que o volume de recursos destinados ao sistema público de ensino seja efetivamente o causador de resultados tão ruins, ou essas afirmações são meras opiniões viciadas em sua essência por perspectivas ideológicas?

Nesse sentido movimentos públicos como o Todos Pela Educação vêm há alguns anos empreendendo campanhas e mobilizações para fixar e implementar um piso nos gastos da esfera pública na educação em somas que equivalham a no mínimo 10% do PIB nacional, um valor que se aproxima do gasto atual com a previdência, que é a parcela mais significativa do orçamento primário federal, ficando na casa de 13% do PIB em 2016 [4]. Muito embora seja essa a visão que impere, os dados têm apontado uma realidade oposta. O Brasil é um dos países que, dentro das devidas proporções, mais gasta em educação no mundo, mas gasta com baixíssima eficiência [5].

Para entendermos o padrão de efetividade dos gastos governamentais na qualidade do sistema de ensino vamos olhar primeiro os resultados internacionais. A cada três anos a OCDE realiza o exame de desempenho estudantil do PISA, Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que mede o rendimento de estudantes em três áreas do conhecimento: ciências, leitura e matemática. Comparando-se tais dados com os gastos realizados pelos governos de cada país participante podemos observar o comportamento geral dos resultados obtidos para se presumir se poderiam ser obtidos ganhos marginais com o aumento dos investimentos em educação. No gráfico 1 são apresentados os resultados médios do score nos exames obtidos pelos países para os quais estão disponíveis dados de gastos públicos em educação em porcentagem do seu PIB. No gráfico 2 temos, por outro lado, os gastos públicos em educação em porcentagem dos gastos primários dos países.

Gráfico 1: Resultado no PISA 2015 e sua relação aos gastos públicos em porcentagem do PIB[6][7]

Por que o governo não investe em educação

Tanto do ponto de vista fiscal como do desempenho o ensino brasileiro se mostra aquém dos resultados internacionais. O País pontua entre os cinco piores do mundo em desempenho, mesmo gastando mais recursos do que a grande maioria dos demais. Em proporção do PIB, o governo brasileiro gasta 6% deste em educação, ao passo que a maioria dos países com gastos agregados inferiores obtém resultados muito melhores na qualidade do ensino. Em tempo, apenas o Líbano investe menos que o Brasil e obtém um resultado significativamente pior.

Do apresentado no gráfico 1, tem-se ainda que os resultados são largamente heterogêneos (R2 = 0,0206). São observados países com gastos paupérrimos e resultados excelentes, como Singapura e Japão, com gastos de 3 e 3,7% de seu PIB, respectivamente, e países com orçamentos generosos e resultados sofríveis, como Costa Rica e Moldávia, com gastos de 6,9 e 8,3%. Em uma proporção de gastos próxima da do Brasil observa-se um aglomerado de países como França, Eslovênia, Países Baixos, Reino Unido e Vietnã que gastam até meio ponto percentual a menos no setor, mas obtêm resultados superiores em no mínimo 100 pontos. Por outro lado, países como Cazaquistão e Romênia gastam a metade dos recursos proporcionalmente destinados pelo Brasil e tem resultados significativamente superiores. Ainda, Indonésia e Peru tem resultados de desempenho iguais aos brasileiros consumindo proporcionalmente apenas a metade dos recursos.

De toda a amostra fica evidente a baixíssima correlação entre as variáveis, indicando o quão fraca tende a ser a afirmação de que um aumento de gastos diretos na educação pública é necessariamente capaz de garantir bons resultados no ensino, de modo que o desempenho médio dos alunos seria uma questão muito mais ligada a outros parâmetros que o capital investido no setor pela esfera pública.

Quando se avalia a proporção de gastos frente ao orçamento governamental as mesmas observações se sustentam, como mostra o gráfico 2:

Gráfico 2: Resultado no PISA 2015 e sua relação aos gastos públicos em porcentagem do orçamento primário[6][8]

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Conforme os dados, o Brasil destina cerca de 16% do seu orçamento primário para a educação, valor bastante significativo frente ao padrão internacional, indicando, a princípio, que o país não estaria a subfinanciar a educação pública. Ainda, tem-se que tal percentual é expressivo tanto frente a países de condições socioeconômicas próximas às nacionais, como os latino-americanos Argentina, Colômbia e Uruguai, os quais gastam aproximadamente 15% do seu orçamento primário no setor, quanto àqueles que figuram entre os melhores resultados aferidos.

Por outro lado, em ambas as avaliações pautadas nos gastos públicos em educação em porcentagem do PIB, como nos gastos públicos em educação em porcentagem do orçamento primário, alguns são os exemplos de países cujos gastos são superiores sim aos brasileiros e cujos resultados são excepcionais, corroborando para a tese de que a educação brasileira teria um baixo rendimento associado a escassez de recursos. Embora tal afirmação encontre sustentação em um primeiro momento, é imperioso observar que estes países como Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega, Islândia e Dinamarca figuram também entre as nações mais desenvolvidas do mundo, com estruturas econômicas mais avançadas, lhes permitindo dispêndios tão significativos.

Não seria coerente esperar-se que o Brasil em suas maiores limitações fiscais e demográficas possuísse a mesma capacidade de investimento. Ainda, mais importante que isso, tais países apresentam uma eficiência nos gastos públicos internacionalmente reconhecida. Segundo pesquisa de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, tais países se posicionam, respectivamente, em 5º, 9º, 10º, 13º, 35º e 36º, de mais de 140 avaliados, entre os menores índices de desperdício nos gastos governamentais [9].

Os resultados observados nos investimentos agregados realizados internacionalmente são um indicativo de que a destinação direta de mais recursos para a educação pública brasileira não seria per se capaz de solucionar as deficiências atuais. Adicionalmente, quando encarado o agravamento do já preocupante problema fiscal que enfrenta o governo brasileiro, tal alternativa se mostra pouco viável e de um alto custo gerencial.

Constatada essa frágil correlação entre o acréscimo de gastos governamentais e a melhora na qualidade do ensino observa-se que o suposto subfinanciamento da educação pública brasileira não é diretamente verificado pelos dados; dessa forma, o setor já dispõe hoje de uma parcela significativa do orçamento primário nacional que, observando os paralelos internacionais, coloca o Brasil entre os países que mais investem em educação em valores proporcionais. Desse modo, a realização de maiores investimentos no setor teria uma reduzida capacidade de melhorar os problemáticos resultados atuais do ensino nacional.

Tem-se, assim, que o aumento de gastos públicos na educação implicaria em um custo de oportunidade bastante significativo ao orçamento federal. Visto que as necessidades públicas são ilimitadas, mas os recursos são finitos, e que tal alternativa apresenta um baixo potencial de ganhos, as ações mais eficazes para uma melhora dos resultados estariam necessariamente na melhor gestão dos recursos públicos já destinados ao setor.

Dito isso, é necessário ressaltar que não podemos trocar uma conclusão ideológica pobre e precipitada por uma avaliação puramente sintética. A fraca correlação entre os dados não prova fatalmente a ausência de causalidade entre os fatores, mas serve de indicador que, apesar destes se mostrarem completamente distantes, predominam as vozes que afirmam o contrário, as quais, motivadas por interesses corporativistas negligenciam aquilo que os fatos vêm a mostrar. Quando encarado que os demais países consomem menos recursos e alcançam resultados muito superiores, e que o setor público brasileiro apresenta um problema crônico de baixa produtividade[10] é inegável que tal conclusão se sedimenta e expõe uma observação urgente, porém de difícil aceitação: a educação pública brasileira não necessita de mais recursos, pois seu problema não é orçamentário, mas é inerente a uma máquina pública inchada, morosa e equivocada em suas prioridades.

REFERÊNCIAS:

[1] INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL – INAF. Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho. 2016. Acesso em 17 jun 2017.

[2] ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO – OCDE. Brasil: Resultados principais. Acesso em 17 jun 2017.

[3] O maior problema da educação do Brasil.  Acesso em 17 jun 2017.

[4] Gasto brasileiro com Previdência é o mais alto entre países de população jovem. Acesso em 17 jun 2017.

[5] Brasil patina porque gasta muito e mal, indica estudo. Acesso em 17 jun 2017.

[6] PISA 2015 Results (Volume I). Excellence and Equity in Education.  Acesso em 13 jun 2017.

[7] Government expenditure on education, total (% of GDP). Acesso em 13 jun 2017.

[8] Expenditure on education as % of total government expenditure (%). Acesso em 13 jun 2017.

[8] The Global Competitiveness Report 2014–2015. Acesso em 13 jun 2017.

[10] O funcionário público tem baixa produtividade. Disponível em <> Acesso em 17 jun 2017.