O que e hetero top

O que e hetero top
O que e hetero top
Gustavo, participante da Casa de Vidro do Big Brother Brasil (BBB 22), se intitula como hétero top. Entenda o significado da expressão e como surgiu (foto: Reprodução/Youtube )

Três participantes do Big Brother Brasil (BBB 22) foram alvos da gíria 'hétero top'. Eliézer, que beijou duas sisters, tentou desvincular sua imagem do título. Lucas, por sua vez, apresentou-se como um, mas frisou ser 'do bem'. Já Gustavo, ao se apresentar para a Casa de Vidro, disse se sentir orgulhoso em ser considerado como tal. Mas, afinal, qual a origem da expressão e quais as características de um homem hétero top? Entenda abaixo: 

Hétero top: como surgiu a expressão 

Para entender o uso da gíria atualmente é necessário retornar ao ano de 2010, quando a palavra 'top' começou a ser usada com mais frequência por pessoas heterossexuais, principalmente homens jovens, como forma de definir algo muito bom. Em meio às variadas formas de uso do termo, o jogador de futebol Neymar aproveitou o momento e tuitou um 'Deus é top'. O post, retuitado até hoje, foi o marco de uma nova visão sobre a palavra, que, desde então, passou a ser usada de forma irônica e debochada.

Dez anos após esse episódio, o termo 'top' recebeu um complemento, e seu uso novamente foi ressignificado. Dessa vez, o termo se juntou à palavra hétero - surgindo a palavra 'hétero top' - e passou a ser usada contra homens de atitudes machistas e abusivas. Homens heterossexuais que fazem uso de um vocabulário repleto de gírias, que possuem uma vestimenta padrão e ostentam um corpo malhado também passaram a ser enquadrados no termo. 

Nesta semana, a expressão voltou novamente a ser comentada nas redes sociais. Dessa vez, um homem se auto declarou 'hétero top', dizendo se encaixar e assumindo o estereótipo. 'O hétero top pintado hoje pela 'lacrolândia' é uma pessoa branca, bem-sucedida e eu tenho orgulho de ser hétero top no meu conceito. Eu sou hetéro e me considero top", disse Gustavo, participante da Casa de Vidro do BBB 22, em seu vídeo de apresentação. 

Eliezer, Lucas e Rodrigo, na casa do BBB. | Foto: Reprodução Globoplay

Ser ou não ser “hétero top”, eis a questão – que ganha projeção após o tema ter virado pauta entre participantes do “Big Brother Brasil 22”, da TV Globo. Na casa mais vigiada do país há quem tenha medo de ser associado a essa pecha, quem queira ressignificar o termo e até confinado que assume o rótulo com certo orgulho. 

Eliezer, que beijou as sisters Maria e Natália, revelou ter medo de ser visto como “topzera” pelo público. A preocupação parece estar relacionada à ideia de que esse perfil de homens teria pouca responsabilidade afetiva e agiria como “predador sexual”. Já Lucas, em seu vídeo de apresentação, se declarou um “hétero top do bem”. E o simples fato de ele ter adicionado um adjetivo positivo à expressão já indica como ser rotulado dessa maneira não costuma soar muito simpático. Por fim, o mais novo integrante do reality, Gustavo, que chegou ao jogo pela dinâmica da Casa de Vidro, admitiu se identificar com esse estereótipo. “O ‘hétero top’ pintado hoje pela ‘lacrolândia’ é uma pessoa branca, bem-sucedida, e eu tenho orgulho de ser ‘hétero top’ no meu conceito. Eu sou hétero e me considero top”, disse ele ao se apresentar para o público em um vídeo, que, aliás, foi alvo de críticas nas redes sociais. Pegou tão mal que a equipe que cuida das mídias do brother teria dito, segundo publicação do jornalista de celebridades Leo Dias, que ele havia sido obrigado pela Globo a se apresentar dessa maneira. 

Mas, afinal, o que é ser um “hétero top”? Na avaliação do cientista da comunicação André Peruzzo, que pesquisa as representações das masculinidades na publicidade, a expressão é uma atualização do “cabra macho”. “Estamos falando do homem heterossexual que cumpre uma série de pré-requisitos de uma masculinidade hegemônica, como estar sempre pronto para o sexo, não demonstrar emoções ou vulnerabilidades e ser dominante em relação às mulheres…”, expõe, lembrando que esse arquétipo de homem-modelo foi reproduzido por décadas na mídia.  

O estudioso pondera que o novo termo tem ainda algumas características particulares. “Além de estar associado a esses comportamentos, o ‘topzera’ vai ser jovem, branco e de classe média-alta, sendo frequentador assíduo de academias e baladas sertanejas, além de reproduzir uma série de atitudes machistas”, diz, lembrando que esse perfil tem pontos de intersecção com a ideia de “boy lixo” – aquele que age de maneira afetivamente irresponsável em um relacionamento – e com a do “Villa Mix” – que faz menção ao perfil de frequentadores das festas sertanejas mais caras de São Paulo. 

Além disso, Peruzzo lembra que, ao contrário de “cabra macho”, que era carregada de um tom elogioso, representando um ideal de masculinidade, a expressão “hétero top” costuma ser utilizada de maneira pejorativa. “O que acontece é que a sociedade mudou, e comportamentos que antes eram aceitáveis e até estimulados, hoje, não são mais tolerados. Por isso ‘topzera’ vai ser visto como algo negativo, a ser evitado: é a representação de um tipo de sujeito que não se adequou, que ficou cristalizado, parado no tempo”, analisa, acrescentando que esse grupo se vê ameaçado, uma vez que começa a perder poder simbólico. 

“Se outras formas de ser ‘homem de verdade’ passaram a ser aceitas e aquele modelo antigo já não serve mais, é esperado que quem se identifica com essa identidade tente reagir, pois é como se a própria existência da pessoa estivesse ameaçada. Daí, para se afirmar, esse sujeito precisa atacar o outro, dizer que o problema é da ‘lacrolândia’, e não dele”, pontua. 

Origem. Ainda que o termo “top” fosse comumente usado, André Peruzzo lembra que ele se tornou mais popular depois de um tuíte do jogador de futebol Neymar Júnior. Na publicação de 2010, ainda hoje muito repostada, o atleta escreveu: “Deus é TOP”.

“Como ele tem muitos fãs que são homens heterossexuais, a palavra foi sendo adotada por essas pessoas e foi ficando associada a elas. Com o tempo, foi ganhando variações, como ‘topzera’ e ‘hétero top’”, descreve, lembrando que as expressões são constantemente ressignificadas. 

O desconforto de ser rotulado 

Para o psicólogo clínico Matheus Alves, a pulverização da expressão “hétero top” é uma novidade na medida em que enquadra certo tipo de masculinidade – que por muito tempo foi aceita e tida como desejável – como algo negativo. Ele lembra que a sociedade tem estereótipos bem construídos para as minorias, seja para a população negra, para membros da comunidade LGBTQIA+ ou para mulheres, por exemplo. “Por anos convivemos com a representação da ‘bicha má’, da ‘caminhoneira’, da ‘loira burra’... O que muda agora é que o homem cisgênero e heterossexual também passou a ter que conviver com a própria identidade sendo enquadrada pelos outros. E isso, como estão descobrindo agora, causa incômodo”, avalia. 

Alves lembra que definir grupos dos quais desejo me distanciar é também um expediente para a construção da própria identidade. “Quando nomeio o ‘hétero top’ como um tipo indesejado, estou dizendo que não quero me enquadrar nesse perfil. E essa atitude tem efeito duplo. De um lado, é uma forma de a sociedade dizer que certos comportamentos não são mais bem-vindos, que devem ser evitados. De outro, essa atitude hostil pode fazer que as pessoas classificadas de forma pejorativa passem a se autoafirmar dessa maneira, juntando-se a um grupo de similares e gerando, como efeito, mais polarização do que aprendizado”, diz. 

O também psicólogo Adilson Leite Júnior, que atende majoritariamente homens adultos e heterossexuais, concorda. “Infelizmente, somos uma sociedade que tem por hábito categorizar as pessoas, como se a identidade delas fosse rígida, e não fluida. A partir do recorte que fazemos – que pode ter por base apenas a aparência, e não as atitudes do indivíduo – corremos o risco de reproduzir uma série de preconceitos. E o pior é que esse comportamento acaba servindo apenas para afastar o outro, em uma dinâmica que, em geral, vai provocar pouca reflexão e mudança”, analisa, ponderando que, na opinião dele, o acolhimento é um caminho mais interessante para a promoção da transformação social. 

Virou piada

Em um vídeo publicado pelo canal Porta dos Fundos no YouTube, o arquétipo do “hétero top” virou piada. Com participação do humorista belo-horizontino Rafael Chalub, popularmente conhecido como Esse Menino, a esquete satiriza certos padrões de comportamento do universo “topzera”.

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Foto: 0fjd125gk87/Pixabay

A forma como o 'Hétero Top' é visto pela sociedade mudou nos últimos anos

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O “hétero top”, expressão muito utilizada para designar o “homem hétero padrão” já é bastante utilizada há alguns anos, mas voltou à tona recentemente após participantes do “Big Brother Brasil 22” tratarem de formas bem distintas a definição.

O primeiro deles foi Lucas Bissoli, que se descreveu como um “hétero top do bem” em seu vídeo de apresentação, o que dá a entender que ser “hétero top” apenas não é algo bem visto, mesmo entre quem se entende como um. O segundo foi o participante Eliezer, que beijou e teve relações sexuais com duas mulheres dentro da casa em pouco tempo, mas este se recusando a receber o título estereotipado.

O último, e que reascendeu a polêmica, foi Gustavo Marsengo, que repercutiu ao dizer que se orgulha em assumir o título, no vídeo de apresentação para a “Casa de Vidro”, o advogado afirmou: “O ‘hétero top’ pintado hoje pela ‘lacrolândia’ é uma pessoa branca, bem-sucedida, e eu tenho orgulho de ser ‘hétero top’ no meu conceito. Eu sou hétero e me considero top”.

A fala de Gustavo deixou muitos internautas revoltados nas redes sociais, porém, já dentro da casa, ele acabou conquistando boa parte do público, mesmo quem é avesso ao “estilo top”.

Gustavo, que é bacharel em direito, teria supostamente sido treinado pela produção do programa a dizer a polêmica frase, e seu comportamento na casa leva a crer que isso possa ser verdade. Um dos padrões aos quais o “hétero top” se encaixa é ser um homem que não valoriza relacionamentos afetivos e se orgulha em “pegar muitas mulheres”, já Gustavo se mostrou bastante fragilizado em seu envolvimento com a médica Laís Caldas, principalmente após ela deixar a casa.  

De onde vem o hétero top?

O termo “top” passou a ser muito usado entre os jovens para definir algo “muito bom”, ou “que está por cima”. Um tweet bastante icônico publicado em 2010 pelo jogador de futebol Neymar Jr. é compartilhado até hoje, dizendo apenas “Deus é Top”.

Como um atleta, jogador de futebol, Neymar serve de inspiração para muitos homens hétero, que passaram a usar a expressão no dia a dia. Com o tempo, o que antes era usado de forma elogiosa, acabou assumindo um tom de deboche, ao ser associada a um tipo específico de homem, o hétero padrão, ou “hétero top” – o que, em outros tempos, era conhecido como “cabra homem” ou “cabra macho”, sendo que essas expressões costumavam ser vistas como elogiosas.

O que é um hétero top?

Segundo o dicionário, hétero - ou heterossexual - é uma pessoa que sente atração afetiva ou sexual por pessoas do sexo oposto: homem por mulher e mulher por homem. O “hétero top” está associado exclusivamente ao homem, que sente a necessidade de se afirmar como homem, consequentemente tendo atitudes machistas e preconceituosas, diminuindo o valor das mulheres e de minorias, como a LGBTQIAP+ .

A expressão, no entanto, está longe de ser um elogio e é usada como ironia e, geralmente, em tom jocoso quando se referem a um homem de masculinidade tóxica. Entre os sinônimos de hétero top também estão as expressões “boy lixo” e “macho escroto”.

Parte do estereótipo definido pela internet para o hétero top diz que este é comumente encontrado usando roupas como bermuda, sapatênis, camisa polo ou regata. O hétero top também é adepto de academia e gosta de ostentar um corpo malhado, a fim de elevar a própria autoestima. Geralmente se mostrando indignado ao ser recusado por mulheres e se gabando por ter ficado com mais de uma mulher em uma festa ou balada de sertanejo universitário.

O hétero top e o Big Brother Brasil

Não é de hoje que o termo fica em evidência graças ao reality show da TV Globo: uma foto dos participantes do “BBB 20” se tornou um símbolo do hétero top nas redes sociais. Foi em 2020, inclusive, que a expressão ganhou força no Google, passando a ser muito buscada.

Foto: Reprodução/TV Globo

Hadson, Guilherme, Lucas, Felipe Prior e Petrix em foto tirada enquanto estavam confinados na casa do Big Brother Brasil 20

A necessidade de se autoafirmar

Para o homem classificado assim, ser hétero apenas não basta e ele parece sentir a necessidade de mostrar o quanto ele é viril para todos à sua volta, quase como se, de alguma forma, se sentisse ameaçado.

Ao iG Queer, a médica psiquiatra Natasha Senço explica que o que faz cada indivíduo se sentir ameaçado é bastante singular, “em linhas gerais, podemos pensar que todo excesso esconde uma falta”, diz. “O ser humano é um ser de fragilidades, com necessidade de sentido e pertencimento. Quanto mais frágil o ego, maior a necessidade de identificações com símbolos de poder. O que é o hétero top? Aquele que sustenta a fantasia de estar no topo, acima dos outros”.

De acordo com ela, a nossa estrutura sociopolítica – o famoso patriarcado – confere uma espécie de privilégio no exercício de poder ao homem heterossexual, mas que acaba sendo prejudicial também para o próprio.

“Essa masculinidade é tóxica para os homens também, que precisam performar, têm dificuldades para viver seus afetos, sua subjetividade, estão sob ameaça constante de não estar à altura, não ser ‘homem suficiente’”, diz a psiquiatra.

A ameaça à masculinidade frágil

Foto: Aberro Creative/Pixabay

Se aficionado por academia faz parte das características comuns do 'Hétero Top'

Com as mulheres e minorias ganhando cada vez mais espaço na mídia e na política, o homem hétero padrão que antes era quase unanimidade no poder tende a se sentir ameaçado, como se alguém estivesse tomando um espaço que é dele, e isso causa um certo incômodo.

Conforme exemplifica Natasha, para quem topa com esse modelo de hétero padrão, que não está acostumado a lidar com a própria fragilidade, tudo o que é diferente assusta.

“Quem não lida com as próprias questões, dificilmente terá empatia com o outro. Quem aceita se reprimir para se encaixar em padrões, muitas vezes o faz como um pacto implícito para manter uma certa ordem social, um jogo de poder que naturaliza certos privilégios”, exemplifica.

Natasha diz que a sociedade está em processo de desconstrução de diversas formas de opressão e que as relações de poder são exercidas sobre os corpos e os modos de vida. “Isso atravessa questões raciais, de gênero, de classe social, mas, sobretudo, a sexualidade, que representa o aspecto indomável da subjetividade humana”, afirma.

Os rótulos pré-definidos

Cada vez mais vemos as pessoas com uma necessidade bem particular de estar em um grupo, ou de se assumir em um rótulo, mas também o de encaixar o próximo em um, como se cada indivíduo não pudesse pensar por si só.

Como dito na frase de Gustavo, a “lacrolândia” aparece como a grande inimiga do hétero top, onde qualquer um que se oponha e defenda certos direitos está simplesmente “lacrando”, assim como, por muitas vezes, há um certo exagero e qualquer comentário pode se tornar motivo para o tão falado “cancelamento”, em vez do diálogo. E isso acaba afastando cada vez mais as pessoas.

“O homem é um animal gregário, de alguma forma, está sempre em busca de uma comunidade, uma turma… Às vezes não se dá conta de que estamos todos juntos nessa”, diz a médica.

Natasha afirma também que para a construção social é preciso alteridade, tolerância e convivência com a diferença.

“A diversidade é muito importante no âmbito coletivo. Tem uma série de mudanças na pós-modernidade que transformaram a nossa forma de se relacionar e que trouxeram muita polarização, mas especificamente, uma questão que preocupa é o efeito que o modelo atual das redes sociais tem na comunicação e no pensamento humano”, diz.

Para a psiquiatra, o algoritmo funciona como uma neurose que vai reforçando para o sujeito apenas o que ele já sabe, à medida que esconde tudo o que ele não está interessado em saber.

“Rapidamente, vão surgindo panelinhas que não fomentam trocas, pensamento crítico e esvaziam as possibilidades de diálogo. Como vou construir um diálogo a partir de um cancelamento? Isso é muito perigoso para os jovens, que ainda são imaturos e não dimensionam o alcance e a perenidade da exposição na internet”, alerta.

Para Natasha, houve uma dissolução entre a vida pública e a vida privada, mas não são a mesma coisa. A psiquiatra ainda mostra preocupação em relação às redes sociais, como o Twitter. “Vemos mais mobilização com falas casuais de participantes do BBB do que com declarações escandalosas de representantes públicos. É algo para pensarmos…”, conclui.

O estereótipo do estereótipo

Um vídeo publicado pelo canal Porta dos Fundos, no YouTube, reproduz de forma humorada o arquétipo de “hétero top”. A esquete, protagonizada pelo humorista Rafael Chalub, mais conhecido como Esse Menino, mostra de forma satírica os padrões de comportamento do hétero top em seu habitat.

Parte da piada diz que “o homem hétero é a única espécie no reino animal que faz questão de provar que é hétero”. 

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