Na america espanhola existiam várias modalidades de trabalho explique o que elas tinham em comum

Trabalho na América espanhola: salário, servidão e escravidão

Autor(a): Eduardo Neumann

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Apresentação

Na América Espanhola coexistiram diferentes modalidades de relações de trabalho, variando conforme as características da região e sua densidade demográfica. Na fase inicial da conquista, nas ilhas do Caribe, quando a população indígena ainda não havia declinado drasticamente e a presença efetiva do poder metropolitano era ainda débil para exercer um controle sob os interesses privados, predominou como forma de trabalho a escravidão indígena, pura e simples.
No início do século XVI, além do ouro pilhado, o bem mais precioso que os espanhóis poderiam dispor era o trabalho das comunidades indígenas. Durante a fase de organização da ocupação, em terras firmes, preponderou a encomienda. Esta foi a primeira forma institucionalizada de trabalho e reunia aspectos da tradição senhorial ibérica com os costumes tributários pré-hispânicos. As encomiendas eram concedidas como um usufruto aos primeiros colonizadores, uma recompensa por serviços prestados ao rei. O tratamento dispensado pelos encomendeiros e o ritmo de trabalho imposto aos índios, conjugado a falta de defesas imunológicas às doenças introduzidas pelos europeus, resultaram em um declínio populacional acentuado. Diante da queda demográfica, a Coroa se viu obrigada a proteger, reforçar ou mesmo criar mecanismos de preservação das comunidades que se constituíam na única garantia de recrutamento de trabalhadores. 
Em algumas regiões, devido ao despovoamento ocasionado pela conquista, foi utilizado de forma sistemática o trabalho do escravo africano, como nas plantations caribenhas; em outras áreas coloniais especializadas no garimpo do ouro de aluvião, como no caso de Nova Granada (Colômbia) predominou o trabalho escravo. Contudo, as relações de trabalho na hispano América estavam vinculadas às possibilidades de arregimentar mão-de-obra junto às comunidades ameríndias. As tarefas relativas a construção de prédios, estradas e pontes, além do transporte de mercadorias e extração de minérios, foram atividades executadas majoritariamente pelo trabalho compulsório dos índios. 
Como resposta às denúncias da Igreja, tanto de atrocidades na conquista como de maus tratos dispensados aos indígenas, a Coroa procurou interferir nas formas de acesso dos colonizadores à força de trabalho nativa. Assim, foi implantado um novo sistema: o repartimiento. Através das Leyes Nuevas (1542), o rei proibiu a escravidão indígena e determinou o fim dos serviços pessoais (encomiendas). No seu lugar foi introduzido um sistema bastante original, que combinava práticas de recrutamento anteriores a conquista com as necessidades atuais. 
Em 1549, com o término das encomiendas, no México, foram instituídos os “repartimientos de trabajo”. Tal modalidade de prestação de serviço era compulsória, sendo impossível classificá-la como servidão, escravidão ou trabalho livre. E, com a descoberta das principais minas de prata, tanto nos Andes (Potosi/1545) como no México (Zacatecas/1546), o repartimiento foi alçado a condição de principal relação de trabalho vigente na América hispânica, até meados do século XVII. No Peru era conhecido como mita, (termo quechua para turno) e no México, como coatequitl (termo nahuatl, para trabalho compulsório). Concomitante a tais mudanças é iniciado o estabelecimento de “pueblos de índios” e de “reduções”, cujo objetivo é a criação da “República de índios”. Tais medidas, previstas nas Leyes de Indias, visavam organizar as comunidades indígenas em núcleos populacionais para constrange-las, via tributo devido, a prestação de trabalho. Nesse aspecto, as reduções administradas por religiosos, foram centros provedores de mão-de-obra compulsória, que atuavam em obras públicas e facções de guerra, modalidades de serviços prestados ao poder colonial, conhecidas como mandamientos. 
De fato, somente nas regiões de maior densidade demográfica, onde já existia a prática da tributação ou tarefas coletivas, anteriores à chegada dos conquistadores, foi possível enquadrar os ameríndios em um sistema rotativo de trabalho forçado. Na prática, o repartimiento consistia no sorteio de uma parcela da população masculina de uma comunidade, que deveria trabalhar por um período pré-determinado. Nesse sistema era disponibilizado periodicamente um grupo de trabalhadores para atividades laborais e cada turno de “repartidos” era sorteado pelas chefias das aldeias, que estavam isentos da tributação. Pelo trabalho executado, que poderia variar de semanas até meses, eles deveriam receber um salário. Teoricamente, uma parte deveria ser em moeda. Ao término do prazo, poderiam retornar as suas aldeias, posto que seriam substituídos por outro grupo de “repartidos”. O trabalho nas minas era uma atividade insana e extenuante e foi a expressão da opressão espanhola sobre os índios. 
As atividades agro-pecuárias dependiam igualmente do trabalho indígena e dos mestiços. Diante da hispanização dos campos, gerada pelas necessidades agrárias da colonização, preponderou a hacienda. Uma propriedade rural de caráter auto-suficiente mas voltada a abastecer os centros mineradores e as cidades, cuja obtenção de mão-de-obra poderia proceder de diferentes sistemas de recrutamento. A hacienda atraía, principalmente, os indígenas afastados de suas comunidades ou desprovidos de terras, os quais ficaram conhecidos como peão residente ou acasillado. Em caráter complementar as tarefas realizadas nas propriedades rurais funcionavam os obrajes, estabelecimentos destinados a fabricação de tecidos. Os obrajes demandavam mão-de-obra permanente, mas os proprietários não tinham condições de remunerar os trabalhadores adequadamente, fato que resultava na tentativa de reter a mão-de-obra pelo maior tempo possível. Além do salário baixo era pago em mercadorias e as condições de trabalhos péssimas. Muitos obrajes tinham o aspecto de prisões, pois as oficinas eram fechadas e vigiadas.
Por vezes, ao concluírem as tarefas obrigatórias, alguns indígenas não retornavam às suas comunidades e acabavam por se empregar nas haciendas, como peões, ou nas minas em troca de uma recompensa por conta do mineral extraído (partido). Somente uma parte da remuneração era paga em dinheiro, realidade esta que limitava a existência de uma típica mão-de-obra assalariada. Para efetuar o pagamento dos trabalhadores, os empregadores recorriam ao sistema de tiendas de raya, espécie de armazéns mantidos nas haciendas ou próximos das minas, nos quais se praticava um peculiar sistema de crédito e endividamento. As compras realizadas nas tiendas ocorriam mediante adiantamentos, concedidos na forma de créditos, mecanismo que tornava os índios devedores obrigando-os a trabalharem por mais tempo. Contudo, apesar da prática da peonage por dívida, está não é a única explicação possível para a permanência dos trabalhadores nas haciendas. 
No decorrer do século XVIII, a tendência geral foi de arranjos individuais, mais flexíveis e de curto prazo em comparação com outras formas de recrutamento de trabalhadores. Tudo indica que o desequilibro na oferta de mão-de-obra em grande escala, está relacionado a presença de novos colonizadores e da diversificação das atividades fato que levou os proprietários a estabelecerem arranjos menos institucionalizados e mais informais para atrair trabalhadores. Contudo este não foi um movimento linear. No caso dos Andes, por exemplo, o repartimiento manteve força até o século XIX. Enquanto no México perdeu importância nas primeiras décadas do século XVII, substituído por outras modalidades de atração de mão-de-obra. Somente nessa região foi verificada a sequência clássica de mudança nas modalidades de trabalho, no caso da encomienda para o repartimiento e por fim a peonage. Contudo, mesmo essa última modalidade não chegou a converter o trabalhador em um assalariado típico pois apresentava mecanismos de dependência pautadas na relação pessoal do trabalhador com o seu patrão.

Após garantir o domínio sobre as terras e populações americanas, os espanhóis executaram uma série de práticas que redesenharam a feição das relações sociais do espaço americano colonizado. Mais do que simplesmente viabilizar uma forma de atingir seus interesses, a presença do homem europeu trilhou a constituição de uma nova sociedade.

Para compreendermos como a sociedade colonial espanhola funcionava, devemos levar em consideração os critérios que definiam cada uma dessas classes. Neste ponto, indicamos que o nascimento era um meio de distinção fundamental. O fato de ser nascido e criado na Europa ou no Novo Mundo abria caminho para uma série de privilégios, bem como estabelecia outro campo de restrições que ordenava a posição dos homens naquele lugar.

Paralelamente, também devemos considerar a questão da propriedade de terras e a exploração da força de trabalho. O direito a uma propriedade, geralmente concedido pelo rígido controle metropolitano, garantia uma condição econômica confortável e a exploração da mão de obra daqueles que eram desprovidos de semelhante autonomia. A esse respeito, observa-se que o trabalho compulsório e a escravidão também norteiam os traços dessa mesma sociedade.

Os chapetones eram os que ocupavam as mais privilegiadas posições na sociedade colonial hispânica. Em geral, representavam o interesse político-administrativo da Coroa Espanhola em terras americanas. Os principais cargos políticos; o controle sobre o fluxo de pessoas e embarcações; e o controle das taxas e políticas fiscais eram realizadas por tais indivíduos. O prestígio e as responsabilidades dirigidas aos chapetones só eram possíveis para aqueles que tivessem nascido na Espanha.

Seguido pelos chapetones, temos o papel social exercido pelos filhos dessa elite político-administrativa. Os criollos viviam uma condição econômica abastada, podendo praticar o comércio, deter a propriedade de terras e a exploração da força de trabalho nativa e escrava. Contudo, sua atuação política ficava restringida por não terem nascido na Espanha. Os criollos não participavam das grandes instituições administrativas, tendo sua ação somente vista nas câmaras locais, usualmente conhecidas como cabildos.

Os mestiços compunham o grau intermediário desta hierarquia. Fruto do envolvimento entre o europeu e o indígena, os mestiços viviam à margem da política colonial, sobrevivendo de expedientes variados nos espaços urbanos e rurais hispânicos. Poderiam trabalhar em serviços braçais, no artesanato, em funções militares ou auxiliarem na vigia dos trabalhadores nativos. Sua condição de vida mudava de acordo com as brechas e papéis galgados nesta sociedade cingida por grandes diferenças.

Na base da sociedade colonial espanhola também devemos pontuar a presença de algumas populações de escravos negros. Usualmente, esse tipo de mão de obra só era adotado nas regiões coloniais em que o processo de dizimação dos nativos gerava uma grave escassez de braços para o trabalho. Em regiões da América Central é onde mais comumente reconhecemos esse tipo de situação.

A maioria absoluta da população colonial era formada pelos indígenas, que tinham sua mão de obra sistematicamente explorada pelos espanhóis. Em geral, eram submetidos a uma condição de vida miserável, responsável por garantir a dominação dos colonizadores sobre os mesmos. Paralelamente, foram alvo da ação catequizadora dos jesuítas que lhes apresentaram valores diversos da cultura ocidental cristã. Por Rainer Sousa

Graduado em História