Como fazer um projeto de lei de iniciativa popular

A promulgação da Constituição Federal no Brasil, em 1988, trouxe significativos avanços para o país, sobretudo quanto à construção da democracia e as novas formas de exercer o direito à cidadania.

Consolidando-se como um Estado Democrático de Direito, o Brasil possibilitou à sociedade a manifestação de suas ideias e a concretização de sua participação efetiva na vida política. E, embora este movimento seja comumente ilustrado pela instituição do direito ao voto, as formas de participação social são muito mais abrangentes e abarcam outros mecanismos estabelecidos pela Constituição, como a participação direta por meio de referendo, plebiscito e a iniciativa popular, regidas também pela Lei nº 9.709/98.

Diferentemente do plebiscito, quando é aberta uma consulta pública sobre determinado assunto antes que o Congresso Nacional elabore um Projeto de Lei sobre o tema, e do referendo, processo de consulta à sociedade após a elaboração de Projeto de Lei, que busca obter a “sanção” da população, a iniciativa popular é originada pela voz do cidadão, ou seja, é concedido ao cidadão comum deflagrar um processo legislativo sem o intermédio direto de um representante.

Dessa forma, a iniciativa popular permite que a sociedade possa influir diretamente sobre importantes questões cotidianas ao submeter um Projeto de Lei para apreciação do Poder Legislativo.

Reservando à sociedade o direito de propor novas leis para o país, a Constituição Federal estabelece diretrizes para este processo ao instaurar requisitos para o desenrolar da iniciativa popular nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Na esfera federal, a iniciativa pode ser exercida por meio de Projeto de Lei enviado à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco unidades da federação e com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada uma delas Em termos práticos, para que o projeto chegue até o Congresso, é necessário obter cerca de 1,5 milhão de assinaturas.

Para a propositura nos municípios, a Constituição estabelece subscrição mínima de cinco por cento do eleitorado da cidade. Já no âmbito estadual e distrital, os requisitos para a apresentação de Projetos de Lei são formalizados pela Constituição de cada Estado e pela Lei Orgânica do DF.

Embora este modelo permita que qualquer membro da sociedade crie um Projeto de Lei, costuma haver uma certa resistência para conseguir emplacá-lo. Isso porque, com a prerrogativa à elaboração de leis por parte dos cidadãos, muitas propostas foram formuladas. Com grande adesão da sociedade, regras mais rígidas foram impostas para que a mobilização social não afetasse drasticamente a prática legislativa no Parlamento.

Por isso, é exigido, ainda, pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que o documento com a assinatura de cada eleitor traga o nome completo, endereço e dados do título eleitoral, além de formulário padrão disponibilizado pela própria Câmara. Após a etapa de verificação dos dados, o processo tem início ao ser protocolado na Secretaria-Geral da Mesa – responsável por validar o número de assinaturas e os demais requisitos constitucionais.

O Regimento Interno também permite que o responsável por submeter a proposta possa usar de 20 minutos no plenário para defender o seu projeto, e determina que um deputado seja designado para exercer os poderes conferidos ao autor do Projeto de Lei – podendo ser indicado previamente pelo próprio cidadão.

É importante ressaltar que projeto apresentado deve tratar de um único assunto. Caso seja abordado mais de um tema central, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania deve desdobrar o projeto em proposições separadas.

Uma vez preenchido os requisitos – com a validação do número de assinaturas, objeto de lei, dados do proponente –, a tramitação do Projeto de Lei ocorre normalmente nas Casas Legislativas; passando pela apresentação, discussão, votação, sanção e veto e, por último, sua publicação. Vale lembrar que durante o período de discussão, o Parlamento poderá alterar ou rejeitar o projeto.

Para sugerir um Projeto de Lei, a Câmara disponibiliza uma página na internet.

Devido à dificuldade de verificar mais de um milhão de assinaturas, desde que a iniciativa popular foi concebida somente quatro Projetos de Lei de autoria de cidadãos viraram leis. No entanto, apesar de terem nascido pelas mãos da sociedade, apenas uma das leis é reconhecida oficialmente como uma proposta de iniciativa popular. Isso porque deputados interessados nas propostas apresentadas precisaram “adotá-las”, já que ao admiti-las como suas, a verificação de assinaturas é dispensada.

Veja os quatro projetos de iniciativa popular aprovados até hoje:

1) Lei 8.930/1994: o caso Daniella Perez

Primeiro Projeto de Lei de iniciativa popular, sancionado em 1994, teve como motivação a morte da atriz Daniella Perez, em 1992, filha da autora Glória Perez. Após ambos os réus serem soltos sob pagamento de fiança, a mãe da vítima coletou assinaturas para incluir homicídio qualificado no rol de crimes hediondos.

Assinaturas: 1,3 milhão

2) Lei 9.840/1999: combate à compra de votos

O projeto surgiu a partir do lançamento da campanha Combatendo a corrupção eleitoral, promovida pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), em 1997, com o objetivo de coibir o crime de compra de votos por meio da cassação de mandato e pagamento de multa.

Assinaturas: 1,06 milhão

Apresentado pelo Movimento Popular por Moradia, em 1992, o projeto visava a criação de um sistema de acesso da população de menor renda à construção, compra ou reforma da casa própria, em resposta ao déficit habitacional do país. Após 13 anos de tramitação, foi criado o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.

Assinaturas: 1,1 milhão

4) Lei Complementar 135/2010: a Lei da Ficha Limpa

Possivelmente a mais conhecida entre as leis de iniciativa popular, a Lei da Ficha Limpa, proposta pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e aprovada em 2010, torna inelegível por oito anos candidatos que tenham sido condenados em processos criminais e políticos cassados.

Assinaturas: 1,6 milhão

É possível afirmar que a iniciativa popular é um instrumento para o fortalecimento da democracia participativa. Tendo em vista sua relevância para o desenvolvimento das sociedades, foram desenvolvidos dois grandes modelos de iniciativa popular: o semivinculante e o não vinculante.

Enquanto o primeiro permite que o Legislativo altere ou rejeito um projeto popular, devendo convocar, obrigatoriamente, um referendo para dar continuidade ao processo, o segundo modelo – em vigor no Brasil –, se exaure na proposição do Projeto de Lei, onde o Legislativo tem liberdade para aprovar, emendar ou rejeitar a proposta sem ser obrigado a fornecer qualquer tipo de retratação à sociedade.

Outros países da América Latina, como Argentina, Colômbia e Chile, têm apostado na realização de referendos e plebiscitos. No Uruguai, que adotou o primeiro modelo de iniciativa popular, acontecem 81% de todos os processos de democracia direta na região. Ainda neste modelo, na Europa, Portugal opera com a Lei da Iniciativa Legislativa dos Cidadãos, que também permite à sua população formular Projetos de Lei. Em junho deste ano, mais de 20 mil pessoas assinaram a uma proposta que pede o fim dos subsídios públicos à tauromaquia. O projeto segue em tramitação.

Nos Estados Unidos, embora plebiscitos não ocorram em nível nacional, na esfera estadual, sua utilização é abundante. Por lá, as consultas acontecem tanto pelo chamado de seus representantes como por iniciativa direta dos cidadãos.

Com instrumentalização da iniciativa popular, as sociedades de diversos países, têm a chance de solidificar seus desejos e transmiti-los de maneira direta aos seus representantes. Além disso, a iniciativa popular possibilita aos cidadãos exercer pressão sobre o poder público em relação ao atendimento das demandas sociais e expõe a necessidade de revisão das práticas parlamentares para que as demandas de grupos de interesse e da sociedade como um todo possam ser acompanhadas e devidamente respondidas.

Muita gente sabe que a Lei da Ficha Limpa foi um projeto de iniciativa popular. O que talvez poucos saibam é que, nos últimos 30 anos, apenas quatro propostas como esta viraram lei – o que não é de se espantar diante da dificuldade de superar uma série de imposições, como a necessidade de coletar e validar mais de um milhão de assinaturas. Esta situação, no entanto, começa a mudar, com a disposição do pessoal de TI das próprias casas legislativas. Este é um dos temas que será abordado no 10º Encontro Nacional do Grupo Interlegis de Tecnologia (EnGITEC), em novembro.

Fernando Torres, que atua na área de TI há 34 anos, atualmente está na Câmara dos Deputados. Mais especificamente, na Coordenação de Soluções de TI para a Área Legislativa da Diretoria de Inovação e Tecnologia da informação – DITEC, depois de passar por vários outros órgãos. E é ele quem vai fazer a apresentação “Projetos de Lei de Iniciativa Popular - Identidade digital, blockchain e outros desafios tecnológicos para participação direta do cidadão no processo legislativo”.

Basicamente, é sobre uma plataforma digital para Projetos de Lei de Iniciativa Popular. Ele lembra que a Constituição estabelece que “a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. Regulamentado pela Lei nº 9.709/98, o apoiamento hoje se dá apenas em papel.

Ou seja, uma enorme dificuldade logística para se coletar as assinaturas em boa parte do país, transportar a papelada para Brasília e assim por diante. E o resultado quase inviabiliza a ideia de aumento da participação popular, daí o surgimento de outras iniciativas.

_ Aqui na Diretoria de Inovação e Tecnologia da Informação da Câmara dos Deputados, desenvolvemos uma séria de ferramentas digitais para o cidadão enviar seus projetos e também receber os apoiamentos (assinaturas) – diz ele.

Diferenças e outras propostas

No entanto, o projeto de lei que regulamenta a modalidade digital para esse tipo de iniciativa popular (PL 7574/2017 - Câmara) ainda não foi aprovado, acrescenta. A expectativa era pela sua aprovação ainda no primeiro semestre deste ano, o que acabou sendo inviabilizado pela agenda de ano eleitoral.  Ou seja, eles estão esperando a aprovação da regulamentação para o lançamento dos produtos.

Atualmente existem serviços para petições on-line, entre outros. A Câmara e o Senado mesmo oferecem serviços para acolhimento de ideias ou sugestões, mas estas não possuem as prerrogativas previstas em projetos de iniciativa popular, esclarece Fernando Torres.

Na apresentação durante o EnGITEC, ele vai mostrar os desafios para a construção dessa plataforma digital, as tecnologias utilizadas e os produtos que foram criados.

Para saber mais sobre os palestrantes, o que já está agendado, os prazos para envio de propostas, os cursos previstos e outras informações, acesse:

https://engitec.interlegis.leg.br/