Como é escolhido um juri popular

O que se passa dentro de um tribunal é mistério para muita gente – muitos, inclusive, só têm ideia de como funciona porque já assistiram a um julgamento sendo retratado em filmes ou seriados. Desta forma, além das cenas clássicas de tribunais, casos de grande repercussão nacional também acabam despertando o interesse do público em acompanhar os julgamentos. Em muitos deles, a sociedade civil não só acompanha o processo como também participa dele. É o chamado Tribunal do Júri – ou júri popular, como também é conhecido.

O júri popular nada mais é do que um grupo de pessoas que são convocadas para ajudar a decidir se o réu merece ir para a cadeia ou não. Casos que receberam cobertura intensa da imprensa, como o de Isabella Nardoni e Elize Matsunaga, por exemplo, embora sejam muito diferentes um do outro, se assemelham em pelo menos dois aspectos: ambos são exemplos de crimes contra a vida e ambos tiveram a participação de um júri popular em seus respectivos julgamentos.

Mais abaixo, você vai entender melhor de que forma o júri popular atua e como se dá o julgamento com a presença de membros da sociedade civil no Tribunal do Júri.

6 perguntas e respostas sobre júri popular

Para quais tipos de crime o júri popular é convocado?

Os membros da sociedade civil podem ser convocados para julgar casos de crimes contra a vida, a exemplo de homicídios dolosos, tentativas de homicídio, infanticídios, incentivo e participação em suicídios e até mesmo aborto.

De acordo com Jacqueline do Prado Valles, sócia do escritório de advocacia Valles & Valles, em São Paulo, “todos os crimes dolosos cometidos contra a vida (quando houve intenção) podem ser levados à júri popular, com exceção dos homicídios dolosos praticados com alguma excludente de punibilidade, a exemplo da legítima defesa”. Nestes casos, o próprio juiz, ao verificar essa circunstância, absolve o acusado. Além disso, para que o Tribunal do Júri seja convocado, é preciso haver provas da materialidade e indícios de autoria do crime doloso.

Crimes conexos ao homicídio, como ocultação de cadáver, também podem ir à júri popular, mas somente em casos em que o dolo do réu – ou seja, a intenção de matar – esteja claro.

Como os jurados são escolhidos?

Todo cidadão brasileiro maior de 18 anos e sem antecedentes criminais pode participar de um júri popular. “Até mesmo advogados criminalistas e formadores de opinião pública estão aptos a compor o grupo de jurados”, diz Jacqueline. “Além disso, pessoas que tenham participado de um júri nos últimos 12 meses não podem ser convocadas novamente até o final deste período”.

Os jurados que compõem o Tribunal do Júri são todos membros da sociedade civil. Eles podem tanto se voluntariar para eventualmente serem chamados a participar de um júri como também podem ser convocados por meio de sorteio. Neste caso, o cidadão selecionado não pode se recusar a participar. Se não comparecer ao Fórum na data e horário marcados ou se por ventura se ausentar em algum dos dias de julgamento e não apresentar uma boa justificativa, ele pode responder ao crime de desobediência, podendo pagar multa de um a dez salários mínimos.

São impedidos de participar do Conselho de Sentença (corpo de Jurados) pessoas que também manifestaram predisposição para condenar ou absolver o acusado. Isso pode ocorrer quando as pessoas, por exemplo, vão até a porta do Fórum manifestar a sua opinião quanto ao resultado do julgamento – o que é bem comum em casos de grande repercussão midiática.

Quantos jurados formam o Tribunal do Júri?

Ao todo, 21 pessoas são convocadas para comparecer ao Fórum no dia do julgamento. Para que a seção seja aberta, pelo menos 15 delas precisam estar presentes. Caso contrário, é realizado um novo sorteio para definir os substitutos e o julgamento é adiado.

Tendo quórum suficiente para iniciar os trabalhos, dos presentes, somente sete são selecionados para formar o Conselho de Sentença, que é grupo que vai acompanhar todo o julgamento.

Caso alguma das partes – acusação ou defesa – tenha dúvidas sobre a idoneidade do júri selecionado, pode-se pedir o chamado desaforamento para outra comarca da mesma região, ou seja, a transferência do caso para outro local, com nova seleção de jurados.

“Tanto a promotoria quanto a defesa do acusado têm direito de recusar três jurados sorteados para a Tribuna do Júri, e não precisam dar nenhuma razão para isso”, explica Jacqueline.

Todos os jurados selecionados têm a sua identidade protegida e o anonimato garantido por lei.

Como se garante que um jurado não tem predisposição a inocentar ou condenar o réu?

“Não é possível garantir com 100% de certeza que os jurados não tenham predisposição para inocentar ou condenar o réu”, afirma Jacqueline. Para que a decisão do júri seja a mais justa possível, porém, ela lembra que os jurados ficam proibidos de conversar entre si sobre o caso, acessar a internet, ler jornais ou até mesmo entrar em contato com a família.

Quando o julgamento demora mais de um dia para ser concluído, os jurados ficam hospedados nas dependências do Fórum ou em um hotel nas proximidades, e não podem ter os dias de ausência no trabalho descontados da folha de pagamento.

De que forma o júri estabelece a sentença?

A função do Tribunal do Júri não é estabelecer a sentença que será dada ao réu, mas sim decidir se ele irá ou não para a cadeia. A sentença é determinada pelo juiz com base na decisão tomada pela maioria do júri – ou seja, dos sete que formam o Conselho de Sentença, é preciso haver quatro votos a favor da condenação ou absolvição para que se chegue a um veredicto.

Para tomar a decisão sobre o futuro do réu, os jurados devem responder a uma série de perguntas. “Eles são questionados, por exemplo, se a exposição das provas os convenceu de que a vítima foi morta pelas causas apresentadas, se o réu realmente cometeu o crime ou não, qual o contexto do crime cometido, entre outras”, explica Jacqueline.

A sentença do júri pode ser anulada? Em quais circunstâncias?

A decisão do Tribunal do Júri é soberana e protegida pela Constituição. O veredicto não pode ser alterado, ou seja, um juiz não pode inocentar um réu condenado pelo júri ou condenar um que tenha sido inocentado.

Há casos, porém, em que a decisão do júri pode ser anulada a pedido do Tribunal de Justiça. Um exemplo disso é quando os desembargadores decidem que os jurados deliberaram de maneira contrária às provas apresentadas no processo. Se isso acontecer, um novo júri deverá ser convocado para julgar o caso novamente.

O Júri é a expressão democrática da vontade do povo e decide em nome do povo, por meio de uma votação secreta e seu veredicto é soberano

Jurado é toda pessoa não magistrada, investida na função de julgar no órgão coletivo que é o Tribunal do Júri. Nenhuma qualificação profissional é exigida e a função de jurado é obrigatória por imposição constitucional. O jurado representa a sociedade da qual faz parte e decide em nome dela. Portanto, o Júri é a expressão democrática da vontade do povo, competindo aos que o integram agir de forma independente e magnânima, por meio de uma votação é secreta e seu veredicto é soberano, por isso é chamado de júri popular. 

Previsto na Constituição Federal do Brasil, no inciso XXXVIII, do art. 5º, a instituição do Tribunal do Júri é um dos órgãos do Poder Judiciário e julga somente os crimes contra a vida, quando há intenção de matar, ou seja, os crimes dolosos. Quer na sua forma tentado ou consumados.

Vantagens de fazer parte do júri popular

Mesmo não remunerada, a função de jurado garante os benefícios previstos no Código de Processo Penal. Veja quais são os dez principais:

  • Não ter desconto no salário por falta ao trabalho para comparecer às sessões do júri
  • Preferência, em igualdade de condições, em licitações e concursos públicos
  • Há concursos que usam o maior tempo na função de jurado como critério de desempate
  • Para servidores, a função conta para desempate em promoções e pedidos de remoção
  • Exercer a função de jurado constitui serviço público relevante
  • Assumir a função estabelece, também, presunção de idoneidade moral
  • Ser detido em prisão especial em caso de crime comum, até o julgamento definitivo
  • Benefícios acadêmicos, a critério da instituição de ensino
  • Há universidades que usam o critério para desempatar vestibulares
  • Repor aulas e provas perdidas durante o exercício da função

Quem pode fazer parte do corpo de jurados

De acordo com os artigos 436 a 446, do Código Processual Penal (CPP), o serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de dezoito anos de notória idoneidade.

Os jurados nunca são escolhidos pela posição social que ocupam ou grau de instrução que possuem. Assim, nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução.

Segundo o artigo. 437, do CPP, estão isentos do serviço do júri: o presidente da República, os Ministros de Estado, governadores e seus respectivos secretários, membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipal, os prefeitos Municipais, os magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública, militares em serviço ativo, cidadãos maiores de 70 anos que requeiram sua dispensa e aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.

Como é constituído o Júri Popular

De modo geral, a Vara do Tribunal do Júri envia ofícios as empresas e instituições privadas e públicas (municipal, estadual ou federal), nos quais solicita que sejam indicados funcionários de idoneidade comprovada.

Entretanto, quem tiver interesse em ser jurado voluntário também poderá se inscrever no Tribunal do Júri. Para isso, precisa apresentar cópias da carteira de identidade e CPF, bem como Certidão Negativa Criminal e Atestado de Bons Antecedentes.

Desta lista, a cada três meses são sorteados 25 nomes que devem comparecer aos julgamentos do período. Essas pessoas são intimadas a estar no Fórum no dia da sessão. Desses 25, apenas 7 serão sorteados para compor o Conselho de Sentença, o grupo que ouve a acusação e a defesa para definir a culpa ou não do réu. O sorteio é feito sempre pouco antes do início do julgamento.

Enquanto não for encerrada a sessão de julgamento, os sete jurados ficam proibidos de conversar sobre o caso em questão ou sobre qualquer outro processo. Contudo, eles podem falar entre si sobre quaisquer outros assuntos. De igual modo, podem conversar com o juiz, escrivão ou oficial de justiça, caso tenham alguma solicitação a fazer.

Situações que um jurado pode ser impedido

O jurado é impedido de integrar um Júri específico quando for comprovado algum grau de parentesco entre elas e o juiz, o advogado, o promotor, o réu ou a vítima. Da mesma forma, não podem compor o mesmo júri marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.

A cada jurado sorteado, o juiz pergunta ao promotor e ao advogado de defesa se o aceitam ou recusam. Durante a seleção dos jurados, o promotor e advogado de defesa têm direito a três recusas cada um e não precisam justificá-las.

Não se trata de regra, mas existem determinados entendimentos que se tornaram comuns e que integram a rotina dos júris. Por exemplo, se convencionou considerar nos meios jurídicos que os engenheiros são muitos rígidos em seus julgamentos, por isso a defesa costuma recusá-los. Além disso, religiosos seriam, teoricamente, mais propensos a absolver os réus, logo os promotores não costumam aceitá-los. Quando se trata de acusação de crime de estupro seguido de morte, raramente o advogado de defesa admite no Júri uma mulher, uma vez que – pelo menos na teoria -, tenderia a chocar-se mais com o crime do que um homem.

O que acontece se o jurado intimado se recusar?

A lei não garante ao jurado a prerrogativa de declinar da função, mas as pessoas podem tentar fazê-lo explicando ao juiz o que as impede de exercer a função. Caso a pessoa seja intimada para a função de jurado e não comparecer ao Tribunal poderá responder por crime de desobediência.

A recusa da prestação de serviço do júri pode implicar na perda de direitos políticos. Caso a negativa ao serviço do júri seja injustificada acarretará multa no valor de um a dez salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado. Na hipótese de não poder exercer a função, é necessário que o jurado escolhido explique e justifique sua situação ao juiz que, em seguida, decidirá pela sua dispensa ou não. Perda de familiares, ser gestante e/ou lactante, possuir alguma deficiência física que prejudique a compreensão ou acompanhamento do julgamento, a exemplo da deficiência auditiva.

 Atribuições do jurado

Durante o julgamento, os sete jurados escolhidos são juízes de fato. Assim, podem, mais do que simplesmente ouvir as respostas de perguntas formuladas pelo juiz, pelo Ministério Público ou pela defesa, indagar as testemunhas, requerer diligências e se utilizar de quaisquer recursos (inclusive tecnológicos) que promovam esclarecimentos e concorram a um juízo preciso a respeito da decisão a ser tomada.

Todas essas solicitações, contudo, precisam ser comunicadas ao juiz. A decisão dos jurados não precisa ser unânime e o voto é secreto. O Júri decide apenas se o réu deve ou não ir para a cadeia. O veredicto é dado através das respostas a um questionário sobre o processo, elaborado pelo magistrado. Nele, se pergunta, por exemplo, se o réu é o autor do crime, se a vítima morreu pelas razões apontadas nos laudos da perícia etc. Entretanto, sempre quem estipula a dosimetria (cálculo) da pena é o Juiz que preside a sessão.