A questão da cultura popular ferreira gular

A questão da cultura popular ferreira gular

Loading Preview

Sorry, preview is currently unavailable. You can download the paper by clicking the button above.

Before you download

By downloading or printing this document, you expressly agree that your intended use is private, non-commercial, and educational in nature; that you have reviewed the United States Copyright Office circular on fair use of copyright, located at the website: http://www.copyright.gov/fls/fl102.html; and that you shall indemnify, defend, and hold MFAH and ICAA and their representatives harmless from all claims, allegations, costs, expenses, fees, judgments, liabilities, losses, and damages arising from or relating to your intended use of the downloaded or printed document.

Or cancel the download.

Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.127-62 - 2004

RESUMO

Na década de 1980, sobretudo, a litera-

tura que procurou revisar a produção ar-

tístico-cultural do CPC caracterizou-a,

em linhas gerais, como dogmática e sim-

plista.Com isso, as vozes dissonantes que

compunham as esquerdas no período de

1961 a 1964 e que discutiram exaustiva-

mente o engajamento artístico, a cultu-

ra popular e a função social da arte fo-

ram associadas às formulações genéricas

do manifesto do CPC” (redigido por

Carlos Estevam Martins) ou reduzidas à

relação intrínseca entre nacionalismo e

populismo (enfatizada por Francisco

Corrêa Weffort e Octávio Ianni, entre

outros). Não obstante, o debate travado

no período anterior ao golpe militar evi-

dencia uma diversidade e uma varieda-

de de posturas e posições acerca da arte

engajada que só tem a acrescentar à his-

tória já contada.

Palavras-chave: CPC; arte; engajamento

e políticas culturais.

ABSTRACT

In 1980’s, the literature that tried to revi-

se the artistic-cultural production of the

CPC characterized it, in general lines, as

dogmatic and simplistic. With this, the

dissonant voices that composed the lefts

in the period 1961-1964 and that had ar-

gued the artistic enrollment exhaustingly,

the popular culture and social function

of art were associated to the generic for-

mularizations of the “manifesto do CPC”

(written by Carlos Estevam Martins) or

reduced to intrinsic relation between na-

tionalism and populism (emphasized by

Francisco Corrêa Weffort and Octávio

Ianni, among others). However, the de-

bate in the previous period to the mili-

tary blow evidences a diversity and a

variety of positions concerning engaged

art which contributes to wat we already

know.

Keywords: CPC; Art; Engagement and

cultural politics.

A questão da cultura popular: as políticas

culturais do Centro Popular de Cultura (

CPC)

da União Nacional dos Estudantes (

UNE)

1

Miliandre Garcia

Doutoranda em História — UFRJ

DISPUTAS ESTÉTICAS DO ARENA AO CPC

Em geral, tanto o debate quanto a produção artístico-cultural vinculada

às diretrizes estéticas e ideológicas do CPC da UNE foram indistintamente

caracterizados como dogmáticos e panfletários, ora reflexo do “manifesto do

CPC”, ora produto da articulação entre populismo e nacionalismo. No entan-

to, alguns pesquisadores

2

têm apresentado novas abordagens sobre o tema,

na medida em que não priorizam aquele “manifesto do CPC” como tradução

direta da arte engajada. O que se coloca com base nessas pesquisas é que para

avançar a discussão acerca da produção artística do CPC é preciso romper

com a perspectiva analítica que generalizou unilateralmente as relações entre

o documento escrito e a produção artística da época, como se o diálogo entre

um e outra fosse conseqüência imediata e reflexiva.

A leitura monolítica da produção do CPC decorre muitas vezes das aná-

lises circunstanciadas da década de 1980 no interior das ciências sociais em

geral. Tomadas como uma ramificação da relação entre o populismo e o na-

cionalismo, as acepções de Octávio Ianni e Francisco Corrêa Weffort conquis-

taram o apreço intelectual de um número expressivo de pesquisadores e crí-

ticos.

3

As motivações desses dois autores foram concernentes às motivações das

análises que predominaram nos anos 80, pois ambos inserem-se no quadro

de revisionismo das atividades e estratégias do Partido Comunista Brasilei-

ro — PCB, seja em decorrência do golpe militar, seja por ocasião do processo

de redemocratização da sociedade brasileira e, conseqüentemente, pela emer-

gência do pluripartidarismo político no Brasil. Portanto, qualquer atitude in-

terpretada por esses autores como resquício de uma suposta inércia do PCB

em particular e da esquerda em geral, diante das mudanças estruturais da so-

ciedade, foi questionada. E as revisões, sobretudo as dos anos 80, pautaram-

se por essa necessidade de revisar o passado político da história recente do

Brasil. Foi quando o CPC, vinculado ideologicamente ao PCB e ao Instituto

de Estudos Superiores — ISEB, passou a ser alvo — no campo da cultura e

da política — de inúmeras críticas relacionadas à opção adotada por seus ati-

vistas. E é nesse processo de transformação pelo qual passou a sociedade bra-

sileira que os debates, as divergências e as contradições internas do CPC fo-

ram desconsiderados.

Contudo, o confronto das formulações dos intelectuais e artistas sobre o

modo como deveria ser representado o “nacional-popular” na cultura brasi-

leira aponta para um cenário rico em contradições, diferente do caráter mo-

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

128

nolítico e homogêneo atribuído ao CPC, via de regra associado integralmen-

te às teses de Carlos Estevam Martins.

Ocorre que, na virada dos anos 50 para os 60, configurou-se no Brasil

um debate intenso em torno da ideologia do nacionalismo, debate esse que

influenciou inúmeras instituições, partidos políticos e movimentos sociais.

Para o PCB, um dos mais expressivos partidos políticos de esquerda de então,

a construção dessa ideologia nacionalista se traduziu, em linhas gerais, na ar-

ticulação de uma frente única, isto é, na organização de uma unidade polí-

tica a partir de segmentos sociais distintos com o intuito de realizar no país

uma revolução baseada nos princípios do antifeudalismo e do antiimperialis-

mo, com ênfase no caráter nacional e democrático.

4

Essa articulação se concretizou, na área da produção artístico-cultural,

na constituição de uma pedagogia estética voltada, sobretudo, para a classe

média intelectualizada e na adaptação do nacional-popular”. Segundo Fer-

reira Gullar, então integrante do CPC, não se tinha essas teorias complicadas

do nacional-popular, ninguém pensava isso. Agora, nós achávamos que de-

víamos valorizar a cultura brasileira, que devíamos fazer um teatro que tives-

se raízes na cultura brasileira, no povo, na criatividade brasileira.

5

No mes-

mo sentido afirma Celso Frederico:

não se falava, ainda, no nacional-popular de Gramsci, autor praticamente des-

conhecido entre nós. Trilhando um caminho paralelo, os comunistas acenavam

para uma conceituação próxima à gramsciana. É difícil precisar a origem dessa

formulação.

6

Nesse contexto de interpretação do “nacional-popular” e consolidação

da ideologia nacionalista, atores, dramaturgos, diretores, produtores e com-

panhias teatrais com vínculos ideológicos com o “movimento nacionalista

brasileiro procuraram, diferentemente, politizar e popularizar o teatro bra-

sileiro.

E o que caracterizou o teatro brasileiro das décadas de 1950 e 1960 — is-

to é, o aperfeiçoamento técnico, a formação de platéia e a especialização de

atores, cenógrafos, figurinistas e diretores — não compensava a ausência de

uma dramaturgia e repertório nacionais. Foi assim que começaram a surgir

inúmeras críticas ao repertório e ao público tradicionais das companhias tea-

trais da época. Do ponto de vista da qualidade estética dos espetáculos e dos

lucros de bilheteria, o Teatro Brasileiro de Comédia — TBC, que era um dos

mais bem-sucedidos teatros do período, foi também o mais visado e critica-

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

129

Julho de 2004

do por essa vertente engajada do teatro brasileiro. Na dianteira dessa oposi-

ção estava o Teatro de Arena de São Paulo que, em 1956, após se unir ao Tea-

tro Paulista do Estudante — TPE e contratar Augusto Boal, procurava, além

de resistir às pressões econômico-financeiras e à concorrência das grandes

empresas teatrais, criar uma identidade própria para o primeiro teatro em

formato de arena da América do Sul, ou seja, uma identidade fundada na dra-

maturgia e na arte cênica brasileiras.

7

Essa mudança temática e estética do teatro brasileiro, influenciada, so-

bretudo, pelo quadro aqui traçado, já estava sendo aguardada pelos seus con-

temporâneos. O crítico Haroldo Santiago, por exemplo, considerou que a

afluência de diretores europeus se por um lado impulsionou-nos esteticamente,

e não podemos negá-lo, por outro lado impediu, ou melhor, adiou por algum

tempo a construção de um teatro realmente brasileiro, já que estes encenadores

trouxeram da Europa toda uma concepção de teatro que nos era socialmente es-

tranha e que necessitaria de algum tempo para ser digerida e transformada em

organismo vivo.

8

A partir daí, Oduvaldo Vianna Filho, ex-integrante do TPE, que nesse

meio-tempo estava trabalhando no Rio de Janeiro, voltou para o Teatro de

Arena em São Paulo. Dois fatores contribuíram consideravelmente para esse

retorno: 1) o sucesso (de público e bilheteria) da peça Eles não usam black-

tie,de Gianfrancesco Guarnieri; e 2) a organização do Seminário de Drama-

turgia, por Augusto Boal. No que diz respeito a Guanieri, com a intenção de

fundamentar as preocupações estéticas e ideológicas implícitas na peça Eles

não usam black-tie, publicou, em 1959, o artigo “O teatro como expressão da

realidade nacional”, delimitando os pressupostos teóricos da arte e do teatro

“nacional-popular”. Segundo ele,

a obra dos novos autores brasileiros demonstra claramente a necessidade geral

de tratar de temas sociais, problemas de nosso povo em nosso tempo, o que nos

dá a medida de quanto nossa juventude se aflige com os problemas atuais e quan-

to os artistas jovens procuram participar dessas lutas.

9

Quanto à programação do Seminário de Dramaturgia organizado por

Boal, atendia à seguinte divisão: 1) Parte prática: a) Técnica de dramaturgia;

e b) Análise e debate de peças; 2) Parte teórica: a) Problemas estéticos do tea-

tro; b) Características e tendências do teatro moderno brasileiro; c) Estudo

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

130

da realidade artística e social brasileira; d) Entrevistas, debates e conferências

com personalidades do teatro brasileiro.

10

Apesar de toda afinidade política

expressa em suas iniciativas junto ao Arena, as divergências não tardaram a

aparecer. Insatisfeito com o público que acreditava pautar-se pelo sucesso de

bilheteria e não pela qualidade artística do espetáculo,

11

Vianninha resolveu

viajar, em 1959, acompanhando a turnê do Teatro de Arena para o Rio de Ja-

neiro, onde apresentaram Eles não usam black-tie,de Gianfrancesco Guarnie-

ri, Chapetuba Futebol Clube,de Oduvaldo Vianna Filho, e Revolução na Amé-

rica do Sul,de Augusto Boal. No Rio de Janeiro, além da apresentação das

peças teatrais, o grupo organizou também, sob a direção de Oduvaldo Vian-

na Filho, seminários de dramaturgia e ciclos de estudos teatrais sobre as obras

de Bertolt Brecht e Erwin Piscator.

Nesses anos, as divergências entre Oduvaldo Vianna Filho e José Renato

acerca do modelo administrativo adotado pelo então diretor do Teatro de Are-

na se acentuavam cada vez mais. Com a intenção de resolver essas diferenças

e não optar pelo desligamento do Teatro de Arena, Oduvaldo sugeriu, em

1960, que a companhia teatral deveria ligar-se a entidades estudantis, parti-

dos políticos, instituições científicas e sindicatos.

12

A partir dessa perspectiva de aproximação com outras linguagens e am-

bientes, Oduvaldo Vianna Filho iniciou a redação de uma peça que aproxi-

mava o teatro brasileiro do vocabulário marxista. O aparato teórico sobre o

problema da “mais-valia na sociedade capitalista foi proporcionado por uma

das principais instituições da época: o ISEB. Por intermédio de Francisco de

Assis, que já freqüentava a instituição, Oduvaldo Vianna Filho conheceu Car-

los Estevam Martins, então assistente de Álvaro Vieira Pinto, que contribuiu

para a elaboração de roteiros, cartazes e slides que visavam apresentar didati-

camente a lógica da mais-valia para os atores, diretores e dramaturgos que

se instalaram na Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro.

O afastamento de Oduvaldo Vianna Filho do Teatro de Arena então se

concretizou. O público do Teatro de Arena não condizia com as expectativas

de Vianninha acerca da politização e nacionalização do teatro brasileiro. As-

sim, endossar o modelo empresarial adotado por José Renato — para um au-

tor que defendeu posições e se engajou em torno de palavras de ordem e de

estratégias de luta

13

— era o mesmo que trair sua própria consciência, forja-

da no âmbito da aliança de classes.

Compreendida a partir do contexto histórico da época, a peça A mais-

valia vai acabar, Seu Edgar transformou-se em peça-modelo ou peça-síntese

das novas propostas teatrais do Teatro de Arena e posteriormente do CPC. A

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

131

Julho de 2004

utilização de linguagem direta, cartazes, slides e números musicais

14

facilitava

a absorção dos conceitos marxistas pelo público, isto é, a compreensão de co-

mo esses conceitos interferiam na vida cotidiana das pessoas.

Antes que terminassem a temporada da peça e o grupo se dispersasse,

Oduvaldo Vianna Filho, Carlos Estevam Martins e Leon Hirszman propuse-

ram à recém-eleita direção da União Nacional dos Estudantes — UNE a rea-

lização de um curso de filosofia ministrado pelo professor José Américo Mo-

ta Pessanha. Assim, A mais-valia vai acabar, Seu Edgar, dirigida por Francisco

de Assis e apresentada no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura do

Rio de Janeiro, contribuiu para a organização de artistas, estudantes e inte-

lectuais e conseqüentemente para a criação do CPC.

No artigo “Do Arena ao CPC”,

15

Oduvaldo Vianna Filho expôs os princi-

pais motivos que o influenciaram a sair do Teatro de Arena e fundar o CPC.

Novamente, a preocupação com o público do teatro se apresentou com in-

tensidade. O acordo de união entre o Teatro de Arena e o TPE estabelecia

um amplo movimento teatral de apoio e incentivo ao autor e obras nacionais,

visando à formação de um numeroso elenco que permitia a montagem simultâ-

nea de duas ou mais peças, levando o teatro a fábricas, escolas, faculdades, clu-

bes da capital e do interior do estado, sem prejuízo do funcionamento normal

do teatro, contribuindo assim para a difusão da arte cênica em meio às mais di-

versas camadas do nosso povo.

16

Assim, o modelo empresarial adotado por José Renato, além de romper

com esse acordo, não correspondia às inquietações iniciais dos jovens drama-

turgos, isto é, um teatro mais democrático que atingisse também as massas.

17

Essa contradição expressou-se nas palavras de Oduvaldo Vianna Filho: o Are-

na era porta-voz das massas populares num teatro de cento e cinqüenta lugares.

18

O argumento empregado pelo dramaturgo acerca da incompatibilidade

entre atividade teatral e atividade empresarial já havia sido utilizado anterior-

mente por outros autores. A opção pelo público “burguês não é entendida

como uma opção da direção do Teatro de Arena, mas como uma limitação

estrutural. Pouco antes, Haroldo Santiago já dizia que a principal diferença

entre o Teatro de Arena e as demais companhias teatrais situava-se no campo

das intenções ideológicas: o T. A. visa comunicar-se com um público mais

popular enquanto que os outros grupos querem continuar no mesmo padrão

de clientela, isto é, os espectadores que se sujeitam a uma etiqueta mais ou

menos rígida e podem pagar uma exorbitância pelo ingresso.

19

E nas linhas

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

132

seguintes considerava que foi no preço dos ingressos que o Teatro de Arena

falhou.

20

A conscientização dos quadros e classes populares através da linguagem

teatral era um dos objetivos buscados por dramaturgos como Oduvaldo Vian-

na Filho e Gianfrancesco Guarnieri desde os tempos do TPE. Mas quem po-

deria garantir que esse era o objetivo do Teatro de Arena enquanto empresa

do ramo teatral? Se o fosse, as pretensões de atuação como cooperativa não

seriam abandonadas em função do caráter empresarial adotado posterior-

mente; afinal, dificilmente a realização de um teatro popular sem subsídios

governamentais ou empresariais sobreviveria no cenário brasileiro somente

com a apresentação em fábricas, sindicatos, universidades ou centros comu-

nitários. Assim,

a opção do Arena era fatal e a atitude de seus membros ilustrou a escolha a que

foram forçados. Os que mantiveram o nome do grupo basicamente se restringi-

ram a platéias da alta classe-média, que podem pagar ingressos. Serve de exem-

plo a última temporada no Rio, com a Mandrágora de Maquiavel, cujos preços e

propósitos muito se afastavam dos sonhos iniciais de ver Eles não usam black-tie

no Sindicato dos Metalúrgicos. Outros componentes do Arena se fixaram no Rio

e partiram para uma experiência diferente. Desistindo do profissionalismo em

bases comerciais, lançaram no Teatro da Faculdade de Arquitetura o movimen-

to que viria a dar origem ao Teatro Jovem e aos Centros Populares de Cultura

da UNE.

21

Para Oduvaldo Vianna Filho, o Arena contentou-se com a produção de

cultura popular, não colocou diante de si a responsabilidade de divulgação e

massificação,

22

ponto nevrálgico da atuação do CPC, entendido pelo teatró-

logo como uma tentativa de suprir as principais deficiências e limitações do

“inconformado Teatro de Arena (já assimiladas as categorias de artista con-

formado, “inconformado” e “revolucionário”).

23

Estratégia semelhante foi apresentada no artigo “Cultura popular: con-

ceito e articulação”, publicado na revista Movimento,dois números antes do

artigo “Do Arena ao CPC”. Ou seja, duas fases distintas estão presentes no

momento de organização dos CPCs: quem leva cultura, quem recebe cultu-

ra.

24

Esse tipo de ação cultural foi apresentado também no Relatório do Cen-

tro Popular de Cultura, cujo movimento de cultura popular se daria através

da atuação de dois grupos inicialmente distintos: a atuação para os grupos

sociais e a atuação com os grupos sociais.

25

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

133

Julho de 2004

O arranjo de sistemas teóricos e políticos de pensadores e estadistas (He-

gel, Husserl, Mannheim, Marx, Engels, Lênin, Stálin, Mao Tse Tung, Che Gue-

vara, Lukács ou Sartre) na produção teórico-prática do CPC foi realizada, em

grande parte, não sobre a leitura direta da obra de cada um dos referidos au-

tores, mas sobre uma interpretação favorecida pelos intelectuais do ISEB.

26

Posteriormente, com o contato direto de estudantes e artistas com tais obras,

esse quadro foi sendo alterado. Depois disso é que os conceitos elaborados

por autores como Lukács, Gramsci, Sánchez Vázquez e Benjamin foram ab-

sorvidos e adaptados diretamente pelos ativistas do CPC.

Sob essa perspectiva pode-se analisar o conceito de alienação associado

à ideologia do nacionalismo como sustentáculo para as múltiplas reflexões

acerca da cultura popular” nos anos 60. Ao definirem como sinônimos po-

pular e nacional,

27

os intelectuais e artistas do CPC incorporaram a versão de

Roland Corbisier, membro do ISEB, sobre a relação alienação–colonialis-

mo/dependência/subdesenvolvimento versus desalienação–metrópole/inde-

pendência/desenvolvimento.

Nesse sentido, o livro Formação e problema da cultura brasileira

28

teve suas

principais teses reproduzidas e assimiladas por Carlos Estevam Martins, Nel-

son Lins de Barros e Ferreira Gullar, entre outros. Francisco de Assis chegou

a dizer: “por isso eu ficava lá no ISEB horas a fio, ouvindo aquelas fitas. Uma

coisa que me impressionou muito, na época, foi uma tese do Roland Corbi-

sier sobre cultura e desenvolvimento. Ele colocava, de maneira bastante clara,

um negócio que eu, depois, desenvolvi bastante.

29

Inspirado no artigo “Le colonialisme est un système, de Jean-Paul Sartre,

tudo seria subdesenvolvido no subdesenvolvimento para Roland Corbisier.

Aceitando a priori a correspondência direta entre o plano econômico (infra-

estrutura) e o plano cultural (superestrutura), Roland Corbisier considerava

necessária a elaboração prévia de um projeto nacional, capaz de superar e rom-

per com as estruturas coloniais amparadas, sobretudo, na atividade agrícola, e

promover a emancipação econômica e cultural através da industrialização bra-

sileira. Isso o levou a argumentar que no plano econômico, a colônia exporta

matéria-prima e importa produto acabado, assim também, no plano cultural,

a colônia é material etnográfico que vive da importação do produto cultural

fabricado no exterior”.

30

E no parágrafo seguinte conclui: exportamos o não

ser e importamos o ser. Somos o invólucro vazio de um conteúdo que não é

nosso porque é alheio. Enquanto colônia não temos forma própria porque não

temos destino.

31

O consumo do “ser” do outro, portanto, representava a pró-

pria alienação da sociedade brasileira, pois

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

134

importar o produto acabado é importar o ser, a forma, que encarna e reflete a

cosmovisão daqueles que a produziram. Ao importar, por exemplo, o cadillac, o

chiclete, a coca-cola não importamos apenas objetos ou mercadorias, mas tam-

bém todo um complexo de valores e de condutas que se acham implicados nes-

ses produtos.

32

Assim, somente a formulação (prévia) de um projeto voltado para o de-

senvolvimento econômico e cultural brasileiro seria capaz de criar mecanis-

mos e instrumentos para a transformação de uma cultura “inautêntica

fruto da dominação econômica e ideológica da metrópole — para uma cul-

tura autêntica — cuja autonomia permite pensar a própria realidade do

país. No plano econômico, a industrialização se transformou no principal ca-

minho para conquistar essa autonomia. No plano cultural, era preciso encon-

trar mecanismos equivalentes à industrialização para promover o desenvolvi-

mento,

33

já que

a transformação das estruturas de base, que implica a substituição das importa-

ções, a criação da indústria nacional e do mercado interno ... se realiza ... por

meio de comportamentos livres, racionalmente planejados e executados. Essa

transformação das estruturas de base ... acarreta e provoca, por sua vez, trans-

formações paralelas e simétricas no plano da educação e da cultura.

34

A reinterpretação das principais teses dos isebianos, entre as quais as de

Roland Corbisier, foi amplamente assimilada por estudantes, artistas e inte-

lectuais do CPC. O que se pode dizer, portanto, é que o CPC, sob o apoio da

UNE, inspirou-se esteticamente no Teatro de Arena e ideologicamente no

PCB e no ISEB.

Sobre os vínculos da UNE com o CPC, pode-se classificar este como uma

organização administrativa e financeiramente autônoma, característica acen-

tuada pelo regimento interno do CPC, aprovado em Assembléia Geral em 8

de março de 1962. No início, essa independência não se caracterizava como

problema ou empecilho para a UNE. Mas nos anos que antecederam ao gol-

pe militar, a disputa pela hegemonia do movimento estudantil favoreceu o

surgimento de organizações político-partidárias divergentes que contribuí-

ram para o aparecimento de dissidências na UNE. Esse quadro afetou o CPC

quando a direção da UNE quis submetê-lo às suas decisões políticas. Na se-

gunda UNE-Volante o conflito tornou-se explícito: o CPC se recusou a for-

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

135

Julho de 2004

necer seus quadros para o evento e a UNE teve de contratar artistas que não

pertenciam àquela entidade, ao menos formalmente.

35

Entre a fundação em 1961

36

e a extinção em março de 1964, três nomes

integraram a direção do CPC. O primeiro, Carlos Estevam Martins; o segun-

do, Carlos Diegues, e o terceiro e último, Ferreira Gullar. O CPC que preten-

dia inicialmente manter e fortalecer o grupo formado com as apresentações

da peça A mais-valia vai acabar, Seu Edgar já apresentava, como o movimen-

to estudantil, suas dissidências. Nos dois últimos anos, havia pelo menos duas

correntes distintas no interior do CPC: uma corrente liderada por Oduvaldo

Vianna Filho e outra por Carlos Estevam Martins, esta ainda vinculada às

idéias e teses do “manifesto do CPC”. A experiência do CPC gerou, anos de-

pois, uma literatura revisionista. Porém, no que se refere aos principais obje-

tivos do “manifesto do CPC”, Carlos Estevam Martins não mudou integral-

mente de opinião. No depoimento concedido a Jalusa Barcellos, comentou:

lembro-me de uma festa no Largo do Machado. Do outro lado da praça, tinha

um pessoal com um berimbau que conseguiu muito mais público que a gente. E

olha que nós estávamos lá com aquela carreta cheia de luz, som, o diabo... Quan-

do voltamos de lá, tivemos uma sessão de autocrítica que foi pesada. Eu acabei

com a vida dos caras. Falei: “Não é possível uma coisa dessa, fazer um troço po-

pular que está numa linguagem que não atrai o povo. Tem algum troço errado

aqui”. Estava sofisticado demais, tinham que baixar o nível de sofisticação. Essa

foi a grande luta que eu sempre travei lá. Porque eu, como não era artista, via

aquilo por outro ângulo. O pessoal de vocação artística queria fazer coisas de va-

lor estético...

37

Após breve interinidade de Carlos Diegues (permaneceu apenas três me-

ses como presidente do CPC), a ascensão de Ferreira Gullar para a presidên-

cia significou um acordo político para amenizar os impasses entre Oduvaldo

Vianna Filho e Carlos Estevam Martins. Nessa fase, ao defender espetáculos

elaborados artisticamente e voltados para um público diversificado, Oduval-

do estava mais próximo da dissidência do Cinema Novo do que dos ideais de

“arte popular revolucionária de Estevam.

38

Por exemplo, no artigo O teatro

popular não desce ao povo, sobe ao povo, Oduvaldo posicionou-se contra o

manifesto do CPC” ao declarar que não há que, em nome da participação,

baixar o nível artístico das obras de arte, diminuir sua capacidade de apreen-

são sensível do real, estreitar a riqueza de emoções e significações que ela po-

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

136

de nos emprestar”,

39

pois acreditamos que seremos mais eficazes quanto mais

artisticamente comunicarmos a realidade.

40

Além dessas divergências, nesse contexto ficou também conhecido o em-

bate estético-ideológico travado entre Oduvaldo Vianna Filho e Leandro Kon-

der sobre a função social da arte e o modo como conduzir as políticas cultu-

rais

41

do CPC. Konder defendia os princípios estéticos de Lukács (contrários

ao caráter panfletário considerado ineficiente tanto no plano político como

no plano estético). Já Oduvaldo, preocupado também com os resultados prá-

ticos da ação cultural, desconsiderava o caráter estritamente teórico e, segun-

do ele, pouco eficaz quando destinado à transformação efetiva da sociedade

brasileira. Considerava as idéias de Leandro Konder em descompasso com as

políticas culturais executadas pelos ativistas do CPC e não se cansava de re-

petir: “Pô, lá vem você com Lukács. Você é um chato!”.

42

A divergência entre Oduvaldo Vianna Filho e Leandro Konder, tendo co-

mo pivô Lukács, pode ser considerada uma exceção entre os debates da épo-

ca, pois o acesso às obras de autores como Benjamin, Gramsci e Lukács foi

inexpressivo nos anos que precederam ao golpe militar. Assim, a divergência

levada a público serviu para inaugurar um debate múltiplo acerca da arte en-

gajada. Mas, de qualquer forma, somente nos anos que se seguiram ao golpe

de 1964 é que tais autores foram lidos com mais atenção e intensidade e, nes-

se contexto, é representativo o trabalho e a iniciativa de editoras, revistas e in-

telectuais que contribuíram para que essas idéias chegassem a um número

cada vez maior de pessoas.

Como se pode perceber, a trajetória de Oduvaldo Vianna Filho caracteri-

za-se pela revisão constante dos próprios escritos e também dos escritos de ou-

tros teóricos. Isso pode explicar parcialmente por que na década de 1960 surgi-

ram inúmeras concepções de cultura popular. Num determinado momento,

Oduvaldo reproduziu os esquemas sintéticos sobre a função social da arte (re-

presentada pelas categorias arte popular”, “arte do povo e arte popular revo-

lucionária ou pela polaridade arte pura versus “arte participante”) e, em ou-

tra ocasião, abandonou-os em função da impossibilidade de aceitar o dilema

que lhe era colocado: para que haja mensagem, não é possível fazer arte.

43

No

decorrer dos anos, percebe-se que o teatrólogo revisou suas idéias sobre a cul-

tura popular e sobre as condições de difusão da produção artística.

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

137

Julho de 2004

MANIFESTO DO CPC: UMA CARTA DE INTENÇÕES

Ao elaborar uma concepção rígida e excludente sobre a “arte popular re-

volucionária e um modelo limitado e proibitivo para a produção artístico-

cultural, Estevam fez emergir (e esse talvez tenha sido o principal mérito do

manifesto do CPC”) uma série de controvérsias e dissidências.Segundo Lean-

dro Konder,

o CPC nasceu muito sectário. O documento programático, de autoria do Carlos

Estevam Martins, era um negócio meio aterrador, aquela divisão de arte popu-

lar, arte para o povo, arte popular revolucionária, sendo que só a arte popular

revolucionária era boa, as outras duas eram alienadas. Eu achei aquilo um hor-

ror. Posteriormente, o CPC na prática foi retificando a linha, mas eu fiquei sem-

pre preso àquela primeira imagem. Então, eu discutia com o Vianinha e ele me

dizia: “Você está com essa mania de Lukács”.

44

Apesar da intenção de formular uma concepção de “arte popular revolu-

cionária com base no nacional-popular”, é possível perceber no “manifesto

do CPC” claros vestígios de uma política cultural próxima ao realismo socia-

lista, na medida em que Carlos Estevam Martins considerou que a distinção

que separava

os artistas e intelectuais do CPC dos demais grupos e movimentos existentes no

país é a clara compreensão de que toda e qualquer manifestação cultural só po-

de ser adequadamente compreendida quando colocada sob a luz de suas rela-

ções com a base material sobre a qual se erigem os processos culturais de supe-

restrutura.

45

Assim, três alternativas se impunham aos artistas e intelectuais: o con-

formismo, o “inconformismo” e a “atitude revolucionária.

46

Para Estevam, a

simples negação da ideologia opressora caracterizada pelo inconformismo

não era suficiente para a atitude revolucionária. Como observou Oduvaldo

Vianna Filho, “o Arena, sem contato com as camadas revolucionárias de nos-

sa sociedade, não chegou a armar um teatro de ação, armou um teatro incon-

formado.

47

E para o manifesto do CPC”, os membros do CPC optaram por

ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu exército no

front cultural”.

48

Assim, “ou ficamos com o que caminha para a destruição, ou

ficamos com o que surge, com o ‘novo’”,

49

e o novo, segundo esse ponto de

vista, é o povo.

50

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

138

Carlos Estevam Martins, então, definiu arte do povo”,arte popular” e

“arte popular revolucionária”:

a arte do povo é predominantemente um produto das comunidades economica-

mente atrasadas e floresce de preferência no meio rural ou em áreas urbanas que

ainda não atingiram as formas de vida que acompanham a industrialização. O

traço que melhor a define é que nela o artista não se distingue da massa consu-

midora. Artista e público vivem integrados no mesmo anonimato e o nível de

elaboração artística é tão primário que o ato de criar não vai além de um sim-

ples ordenar os dados mais patentes da consciência popular atrasada. A arte po-

pular,por sua vez, se distingue desta não só pelo seu público que é constituído

pela população dos centros urbanos desenvolvidos, como também devido ao

aparecimento de uma divisão de trabalho que faz da massa a receptora impro-

dutiva de obras que foram criadas por um grupo profissionalizado de especia-

listas. Os artistas se constituem assim num estrato social diferenciado de seu pú-

blico, o qual se apresenta no mercado como mero consumidor de bens cuja

elaboração e divulgação escapam ao seu controle.

51

Para Estevam, “a arte do povo e a arte popular quando consideradas de

um ponto de vista cultural rigoroso dificilmente poderiam merecer a deno-

minação de arte; por outro lado, quando consideradas do ponto de vista do

CPC de modo algum podem merecer a denominação de popular ou do po-

vo”,

52

assim só se pode falar de uma arte do povo e de uma arte popular por-

que se tem em vista uma outra arte ao lado delas, ou seja, a arte destinada aos

círculos culturais não populares.

53

Diferentemente do espaço destinado à definição de arte do povo e ar-

te popular”, à “arte popular revolucionária foram destinados inúmeros pará-

grafos ao longo do manifesto do CPC”. Em linhas gerais, a “arte popular re-

volucionária e

a declaração dos princípios artísticos do CPC poderia[m] ser resumida[s] na

enunciação de um único princípio: a qualidade essencial do artista brasileiro,

em nosso tempo, é a de tomar consciência da necessidade e da urgência da revo-

lução brasileira, e tanto da necessidade quanto da urgência.

54

Então, para conscientizar o “povo brasileiro, as preocupações estéticas e

formalistas deveriam ser subjugadas a fórmulas de fácil compreensão.

Para Marilena Chauí, a “cultura de massa foi reduzida pelo “manifesto

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

139

Julho de 2004

do CPC” à distração e ao escapismo, com brevíssima alusão às demandas e

determinações de mercado.

55

Sob outro prisma, Renato Ortiz avaliou que a

ausência de discussões sobre a cultura de massa nesse período pode demons-

trar o caráter incipiente da indústria cultural nas décadas de 1940, 50 e início

de 60. Para o autor, “há um relativo silêncio sobre a existência de uma cultu-

ra de massa, assim como sobre o relacionamento entre produção cultural e

mercado ... É somente em 1966 que vamos encontrar um primeiro artigo de

Ferreira Gullar sobre a estética na sociedade de massa.

56

No entanto, preocupado com o processo de produção da obra de arte,

José Guilherme Merquior, em artigo publicado no início de 1963, tentou

preencher as lacunas deixadas pelo “manifesto do CPC” no que diz respeito à

criação, divulgação e recepção do produto artístico.

57

Foi através do artigo

“Notas para uma teoria da arte empenhada que o autor manifestou antes de

1966 a preocupação com o processo de produção da obra de arte na socieda-

de de massa (preocupação esta que será apresentada mais adiante).

As coordenadas do “manifesto do CPC” sobre a arte de modo geral (“do

povo, “popular” e popular revolucionária”), constituíram uma forma de ne-

gação explícita da interpretação promovida anteriormente pelos folcloristas.

Ainda que algumas perspectivas desses pesquisadores fossem recuperadas

posteriormente, é possível perceber em autores como Carlos Estevam Mar-

tins, Ferreira Gullar e Nelson Lins de Barros uma espécie de negação absolu-

ta da concepção de folclore e cultura popular romanticamente idealizada pe-

los folcloristas, em que o significado do termo popular está diretamente

associado às manifestações culturais das classes populares que preservariam

uma cultura antropológica, conservada em museus e necessária para alimen-

tar o saber nostálgico dos intelectuais tradicionais.

58

Assim, Estevam foi enfá-

tico ao dizer, em nome dos artistas e intelectuais do CPC, que

repudiamos a concepção romântica própria a tantos grupos de artistas brasilei-

ros que se dedicam com singela abnegação a aproximar o povo da arte e para os

quais a arte popular deve ser entendida como formalização das manifestações

espontâneas do povo. Para tais grupos o povo se assemelha a algo assim como

um pássaro ou uma flor, se reduz a um objeto estético cujo potencial de beleza,

de força primitiva e de virtudes bíblicas ainda não foi devidamente explorado

pela arte erudita.

59

A contradição entre forma e conteúdo, qualidade e popularidade ou co-

municação e expressão — justificada pela (não) liberdade de criação do ar-

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

140

tista e pela (in)capacidade de assimilação do público — vê-se simplificada

quando abordada a relação entre o artista, a obra e o público. Não é à toa que

uma das principais polêmicas suscitadas pelo “manifesto do CPC” diz respei-

to à liberdade de expressão do artista no processo de criação da obra. Segundo

Estevam, os membros do CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante

do povo.

60

A partir dessa opção obrigatória, cabe ao “artista revolucionário

privar-se conscientemente de alguns recursos técnicos e formais próprios a

sua classe de origem, com a finalidade de ser entendido pelo público que es-

colheu defender. Público este que, segundo Estevam, privado das condições

materiais, não teve acesso às formas mais requintadas de criação artística.

Por isso, as críticas são remetidas ao teor dos trabalhos realizados pelos

integrantes do CPC, já que a orientação era priorizar o conteúdo em detri-

mento da forma. Para Carlos Estevam Martins, do ponto de vista formal, os

artistas do CPC seriam capazes de reconhecer o valor da denominada arte

ilustrada. Entretanto, o mesmo não ocorria em relação ao conteúdo, pois se-

gundo o autor

a chave que elucida todos os problemas relativos às possibilidades formais da ar-

te ilustrada e da arte revolucionária é descoberta quando se compreende que o

ato de criar está determinado em sua raiz pela opção original a que nenhum ar-

tista pode se esquivar e que consiste no grande dilema entre a expressão e a co-

municação.

61

Ao investigar o engajamento da literatura e da prosa especificamente,

Jean-Paul Sartre considerou que o escritor, ao escolher o seu leitor, escolhe

também um aspecto do mundo que deseja desvendar.

62

Só assim é que o ar-

tista revolucionário rompe com a idéia de inferioridade estética em função

do estabelecimento da comunicação com a classe “oprimida da qual escolhe

fazer parte, por natureza ou, ao menos, pelo espírito.

No Brasil, nos anos 60, Sartre constituiu-se em referência obrigatória,

63

principalmente no que se refere ao posicionamento tomado pelo filósofo en-

tre 1945 e 1968. Nesse período, Sartre — o “filósofo da liberdade, da cons-

ciência e do humanismo (como ficou conhecido) — constatou que tanto o

“moralismo quanto o realismo estavam presos às malhas do mundo social

objetivo. A despeito de sua relação conturbada com o Partido Comunista

Francês — PCF, o que descobriu nesses anos foi a necessidade de assimilar o

vocabulário marxista, afinal era preciso incorporar uma forma de pensamen-

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

141

Julho de 2004

to que não estivesse sintonizada com os escritores anteriores, obviamente sem

renunciar à autonomia de pensamento.

Assim, o problema colocado de acordo com a forma e o conteúdo na obra

de arte se resolveria, para Estevam, no momento em que o artista decidisse

priorizar a comunicação em detrimento da expressão com um fim único e

exclusivo: comunicar-se com as massas. A partir disso, o único desafio a ser

enfrentado pelos artistas do CPC relacionava-se com a contradição entre qua-

lidade e popularidade:

surge para o artista revolucionário na razão direta do seu pertencimento a um

estrato cultural distinto e superior ao do seu público.

64

desejando acima de tudo que sua arte seja eficaz, o artista popular não pode ja-

mais ir além do limite que lhe é imposto pela capacidade que tenha o especta-

dor para traduzir, em termos de sua própria experiência, aquilo que lhe preten-

da transmitir o falar simbólico do artista.

65

cabe-lhe ainda realizar o laborioso esforço de adestrar seus poderes formais a

ponto de exprimir correntemente na sintaxe das massas os conteúdos originais

de sua intuição, sem que percam todo o seu sentido ao serem convencionaliza-

dos e transplantados para o mundo das relações inter-humanas em que a massa

vive sua existência cotidiana.

66

A partir desses pressupostos do “manifesto do CPC”, o que definiu a su-

perioridade da arte popular revolucionária em relação a outras formas de

manifestações artístico-culturais foi a possibilidade de criação a partir da rea-

lidade social existente. Ou melhor, “só a arte revolucionária, que não teme o

real porque tudo que dele vem caminha em seu benefício, está em condições

de tomar fenômenos e essências sem mistificar o seu verdadeiro significado,

sem isolá-los abstrata e mecanicamente”.

67

No espaço das políticas culturais promovidas sob a sigla do CPC, essas

idéias de Estevam foram reproduzidas, assimiladas e, sobretudo, contestadas

por inúmeros artistas. Oduvaldo Vianna, por exemplo, questionou a suposta

superioridade da arte popular revolucionária quando considerou que

não é possível reunir as grandes obras ou fazer uma identidade única que as se-

para das obras populares, das obras efêmeras. As grandes obras, as realizações

artísticas mais acabadas e densas se dividem quanto à sua perspectiva do pro-

blema do homem — são reacionárias ou progressistas. O mesmo acontece com

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

142

as obras correntes, com o abastecimento cultural constante e cotidiano das gran-

des massas.

68

Apesar da pertinência das críticas endereçadas ao manifesto do CPC”, é

problemático concordar com a visão de superfície das análises que tomaram

o documento como síntese da produção artística engajada de uma geração,

de um artista ou mesmo de uma obra específica. A afirmação de Marcos Na-

politano, nesse sentido, é importante na medida em que apresenta o “mani-

festo do CPC” como “carta de intenções ideológicas, e não propriamente co-

mo um documento de regras técnico-estéticas para a produção artística da

canção engajada.

69

Portanto, vários são os problemas que emergem das abordagens que to-

maram o manifesto do CPC” como um fim em si mesmo, isto é, que não pro-

curaram analisar a correspondência entre um suposto projeto estético e polí-

tico elaborado por Carlos Estevam Martins e a produção artística veiculada

pelo CPC. Um exemplo representativo dessa perspectiva de análise é a cole-

ção O nacional e o popular na cultura brasileira, cujo primeiro volume, Semi-

nários, escrito por Marilena Chauí, é o mais significativo entre os seis exem-

plares publicados sob a coordenação do Núcleo de Estudos e Pesquisas da

Fundação Nacional das Artes — Funarte. Marilena Chauí é perspicaz ao iden-

tificar nos estudantes, artistas e intelectuais o público alvo do CPC. Entretan-

to, uma educação política e estética voltada principalmente para a formação

da própria intelectualidade não é entendida como um dos principais objeti-

vos do CPC, mas como um desvio dos objetivos promulgados pela entida-

de. Segundo a autora,“visto que ‘ser povo’ é uma opção, o ‘Manifesto, dei-

xando de lado o povo, entabula um diálogo inter pares com outros intelectuais

e artistas”.

70

O debate destacado até aqui procura situar a demarcação dos limites do

manifesto, já que as diferentes linguagens artísticas envolvidas nesse proces-

so não podem ser resumidas a uma forma única de representação. Por isso, a

especificidade formal do teatro, do cinema e da música é extremamente sig-

nificativa e singular, a ponto de se ver reduzida à concepção linear do “mani-

festo do CPC”.

Uma das formas possíveis para analisar a integração entre os artistas, os

intelectuais e as massas, nos anos 60, seria compreender a produção artístico-

cultural financiada ou vinculada ao CPC como uma espécie de educação polí-

tica e estética voltada primeiramente para a constituição de uma intelectualida-

de engajada, capaz de “iluminar ou sensibilizar e, possivelmente, conscientizar

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

143

Julho de 2004

setores das classes médias sobre a pobreza e a miséria reinante no Brasil”.

71

As-

sim, o artigo Cultura popular: conceito e articulação quem leva cultura,

quem recebe cultura,

72

o Relatório do Centro Popular de Cultura — atuação

para e com grupos sociais,

73

e o livro Cultura posta em questão,de Ferreira Gul-

lar — para e com as massas,

74

apresentaram diversas etapas de organização e

atuação do CPC.

Embora o artigo “Cultura popular: conceito e articulação” reproduza as

principais coordenadas do “manifesto do CPC”, a ação de cultura popular

proposta pelo documento considerava necessário ter uma opção definitiva (e

inédita para a época) diante do povo: “o povo sendo um mero consumidor

de cultura criada pelas minorias e pelas elites; ou o povo sendo o criador das

condições materiais que permitem a elaboração da cultura não podendo o

povo ser dela alienado”.

75

No artigo, a politização do povo brasileiro deveria passar pelas seguin-

tes fases: 1) criação de um movimento de cultura popular e mobilização da

intelectualidade da Guanabara; e 2) ampliação do conhecimento da realidade

brasileira e aprofundamento da comunicação com o povo. Para concretizar

os principais objetivos do CPC, a primeira etapa, situada na atuação para gru-

pos sociais, estava voltada para a organização e formação de uma intelectua-

lidade comprometida com a realidade brasileira.

76

A segunda etapa, baseada

na atuação com os grupos sociais, estava voltada para a união e formação do

povo não somente como recebedor, mas também como criador de cultura.

77

Na maioria das formulações sobre “cultura popular” promovidas pelos

integrantes do CPC através, sobretudo, da revista Movimento, da UNE, e do

jornal O Metropolitano, da União Metropolitana de Estudantes — UME, é

possível identificar nas idéias de conscientização do povo o objetivo central

das propostas cepecistas. Mas também é preciso considerar as fases de mobi-

lização dos quadros (atuação para e com os grupos sociais).

Os documentos de época mostram também que a criação do CPC não

se deu através de um projeto prévio e definido, além, é claro, da vontade de-

sordenada de promover a cultura popular, a partir da qual a intelectualidade

conduziria a sua produção teórico-prática. Mas uma estrutura em constante

transformação na medida em que novas propostas e objetivos eram formula-

dos e incorporados segundo as necessidades dos próprios quadros. Sendo as-

sim, no final de 1963 foi criado um Grupo de Trabalho — GT de reestrutu-

ração do CPC — a atual organização do CPC tem caráter transitório, como

se depreende do GT de Reestruturação

78

— com a tarefa de propor uma no-

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

144

va estrutura orgânica para a entidade, capaz de atender à necessidade de cres-

cimento do CPC”.

79

O poeta e engenheiro Marcos Konder Reis, por exemplo, orientado pelas

informações fornecidas por Carlos Estevam Martins (então diretor geral do

CPC) afirmou que a entidade era dividida em: Assembléia Geral; Conselho

Consultivo; Diretor Geral, encarregado de coordenar a Direção de Adminis-

tração e Produção, a Direção Cultural e Editorial, a Direção Artística, a Dire-

ção de Indústria e Arte Cinematográfica, a Direção de Realização, a Direção

de Vendas e Publicidade e a Direção de Coordenação do Movimento de Cons-

cientização das Massas; Departamento Financeiro; FILMEX e PRODAC.

80

Outro documento, redigido provavelmente pela equipe de redação do

CPC por volta de setembro de 1963, informa a organização interna do CPC,

estruturada em seis grupos de trabalho (GT de Repertório, GT de Constru-

ção do Teatro; GT de Cinema; GT de Espetáculos Populares; GT da Produto-

ra de Arte e Cultura e GT de Reestruturação), um conselho diretor composto

de dois representantes de cada GT e um coordenador.

81

Manoel Tosta Berlinck, um dos primeiros pesquisadores (senão o pri-

meiro) a adotar o CPC como objeto de pesquisa, constatou que a organiza-

ção da instituição estruturava-se em Assembléia Geral; Conselho Diretor (Di-

retor Executivo e Coordenadores dos Departamentos); departamentos

artísticos e administrativos. Primeiramente foram criados os departamentos

de Teatro (subdividido em Teatro Convencional e Teatro de Rua) e Cinema,

em seguida foram criados os departamentos de Música, Arquitetura, Artes

Plásticas e Administração e, por último, foram criados os departamentos de

Alfabetização para Adultos e Literatura. Também criou-se o departamento

de Relações durante a I UNE-Volante e a editora PRODAC, encarregada de

distribuir livros e discos produzidos pelo CPC.

82

A constante revisão das atividades junto à intelectualidade e às classes

populares conduziu os integrantes na procura de caminhos capazes de resol-

ver as inúmeras contradições pelas quais passava o CPC frente à crítica de en-

tão, cujo teor poderia ser sintetizado no fato de que se falava constantemente

do povo e não para o povo. Aliás, a formação do CPC pretendia atuar inicial-

mente a partir da prática e não da teoria, pois acreditava-se que

a fase inicial é a da mobilização dos levadores de cultura. Para isso é preciso ir à

prática sem exigir muito da qualidade dos resultados, é preciso trazer o proble-

ma da cultura popular à consciência social. Atuar, mesmo sem uma programa-

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

145

Julho de 2004

ção definida, aproveitar todas as possibilidades de representar, de escrever, de fa-

zer cartazes, de fazer música.

83

A atuação, portanto, não era pautada por um projeto pré-concebido. Lo-

go, não se pode analisar o “manifesto do CPC” como uma política ou projeto

cultural previamente elaborado, já que a prática das ações político-culturais

os levaria à constituição de uma teoria e não o inverso.

Comparado ao movimento do Cinema Novo, que surge a partir de um

projeto,

84

os estudantes, artistas e intelectuais cepecistas não falavam em esta-

belecer projetos culturais ou artísticos. O fato explica, em parte, o embate de

Oduvaldo Vianna Filho com Leandro Konder citado anteriormente. Revisan-

do anos depois as suas divergências estético-ideológicas, Konder — questio-

nado por Oduvaldo Vianna Filho quanto à (in)eficiência das teorias de Lu-

kács aplicadas à ação cultural dos ativistas do CPC — considerou que no geral

Oduvaldo tinha razão.

85

Com ou sem razão, no que diz respeito ao alcance da produção cepecis-

ta, a intelectualidade era consciente da atuação limitada da entidade, voltada

para e com os universitários. Assim, uma redefinição da sua participação fa-

zia-se necessária. Afinal, como chegar às massas atuando tão-somente para e

com estudantes, artistas e intelectuais? O relatório do CPC registrou a preo-

cupação com a reduzida atuação entre universitários e buscou aprofundar e

estender a atuação entre outros grupos sociais, sobretudo, entre as classes po-

pulares rural e urbana: “acreditamos que a maioria dos ativistas da cultura

popular, inicialmente, devem estar entre os universitários — talvez seja uni-

versitário o primeiro grupo social a ser atingido. Mas jamais deve haver gru-

pos permanentemente voltados com exclusividade para os universitários,

86

criando então uma “verdadeira liga estudantil operário-camponesa.

87

Assim, acredita-se que a atuação do CPC voltou-se para a educação esté-

tica e política dos próprios quadros, já que a integração e a conscientização

das classes populares concretizou-se timidamente quando comparada à mo-

bilização e formação de intelectuais e artistas de classe média. Em decorrên-

cia do golpe militar, a extinção dos CPCs e o incêndio da sede da UNE con-

tribuíram para inibir qualquer tentativa de contato com as classes populares,

sobretudo no que se refere às entidades de representação (sindicatos, associa-

ções, fábricas etc.).

Nesse mesmo relatório é possível situar a entidade no que concerne à

educação estética e política da própria classe média, representada na figura

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

146

dos universitários: “universitários foram mobilizados e escreveram, represen-

taram, debateram, fizeram exposições, formaram-se e formaram,conheceram

as limitações objetivas para os movimentos de culturalização, adaptaram seus

meios aos seus fins”.

88

Ainda que timidamente exercida pelo departamento de teatro e cinema,

a relação híbrida entre intelectualidade e classes populares se consolidou de

forma peculiar através da atuação do departamento de música do CPC. Sob

esse prisma, a I Noite de Música Popular, realizada em 16 de dezembro de

1962 no Teatro Municipal, e os três Festivais de Cultura Popular promovidos

respectivamente em 17 de setembro de 1962, fevereiro e 9 de setembro de

1963, destacaram-se entre as atividades exercidas pelo CPC.

Considerando, então, a produção artístico-cultural do CPC sob a pers-

pectiva de educação estética e política da classe média, procurou-se revisar a

literatura que, nos anos de 1970 e, sobretudo, 1980, criou um viés interpreta-

tivo comum a muitas análises que, de modo geral, partiram do princípio de

que o CPC não atingiu seu principal objetivo, isto é, chegar às massas.

Renato Ortiz, ainda que tenha analisado as atividades da entidade atra-

vés do conceito de “hegemonia de Antonio Gramsci, ou seja, distanciando-

se em teoria e método de outros autores, não rompeu com a interpretação

corrente.

89

Para o autor, a definição gramsciana de “ideologia (isto é, cultura

popular e nacionalismo não são apresentados sob a égide do conceito de alie-

nação”), anulou a discussão sobre a “autenticidade” e “inautenticidade das

concepções de mundo, colocando-as em termos de relações de força. Apre-

sentou a “alienação popular ou nacional sob o conceito da hegemonia, seja

de uma classe sobre outra, seja de uma nação sobre outra.

Sem se diferenciar das análises sobre o CPC realizadas nas décadas de

1950, 60, 70 e, sobretudo, 80,

90

Renato Ortiz afirmou que pode-se considerar

aqui a mesma crítica que Gramsci estabelece com relação às obras de Manzo-

ni; o povo é o personagem principal da trama artística, mas na realidade se

encontra ausente.

91

De modo geral, assumiu a interpretação até então pro-

posta, isto é, reforçar a contradição entre as idéias e as ações dos intelectuais

e artistas do CPC.

Com a preocupação de não reproduzir os mesmos argumentos, procu-

rou-se investigar as obras e os agentes sociais vinculados, direta ou indireta-

mente, ao CPC do ponto de vista da formação de uma nova classe média no

âmbito da sociedade brasileira.

Não se descarta, no entanto, que o distanciamento entre público-autor,

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

147

Julho de 2004

acentuado por Ortiz, transformou-se num aspecto importantíssimo a ser ob-

servado na produção artístico-cultural da época. Mas essa mesma produção

deve ser observada dentro dessas etapas de atuação dos ativistas. Em apenas

dois anos de existência, consolidou-se a primeira etapa (atuação para os gru-

pos sociais). E, embora iniciada, a segunda etapa (atuação com os grupos so-

ciais), foi interrompida com o incêndio da sede da UNE em 1º de abril de

1964. Mas ainda assim é possível perceber a integração — entre artistas do

CPC e artistas populares ou entre artistas e “público alvo — em eventos co-

mo a I Noite de Música Popular, por exemplo. Do golpe militar em diante, a

integração entre os artistas do CPC e os artistas populares foi representada

no show “Opinião, enquanto a utopia do artista engajado de chegar às mas-

sas passava a ser comercializada pelos meios de comunicação de massa, em

especial a televisão.

As análises de pesquisadores citados anteriormente — Luiz Antônio Afon-

so Giani, Enor Paiano, Arnaldo Daraya Contier, Marcos Napolitano e Marce-

lo Ridenti — sobre o caráter heterogêneo e desagregador do manifesto do

CPC” e sobre a participação e contribuição da produção cepecista, são fun-

damentais para problematizar essa questão. Enor Paiano, por exemplo, consi-

dera de extrema importância “pensar de que maneira conceitos colocados em

jogo a partir da atividade do CPC moldaram posturas, debates, criações, ini-

ciativas e desequilibraram o jogo de forças no campo intelectual”.

92

Como já se evidenciou neste artigo, as lacunas e principalmente as limi-

tações teóricas em torno da concepção de cultura de massa presente, ou me-

lhor, ausente no manifesto do CPC”, foram questionadas e complementadas

por José Guilherme Merquior em artigo intitulado “Notas para uma teoria

da arte empenhada, uma das primeiras tentativas de fundamentar uma teo-

ria da arte empenhada partindo da situação concreta do processo artístico

moderno, considerando a edição, a distribuição e a recepção da obra de arte.

Afinal, “a criação de novos hábitos estéticos por meio de novas técnicas, a

constituição de novas relações entre obra e público, afetam o desenvolvimen-

to,e decidem a sobrevivência, de toda a arte geral dos tempos”.

93

A introdução da problemática no Brasil foi possibilitada pela introdução

de autores da Escola de Frankfurt nas reflexões acerca da cultura de massa,

sendo o ensaísta Walter Benjamin

94

uma referência permanente, quer para Jo-

sé Guilherme Merquior, quer para Ferreira Gullar. Mas isso, como já foi dito,

foram manifestações isoladas, uma vez que tais referências tornaram-se cons-

tantes apenas no período posterior ao golpe de 1964.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

148

Considerada como distração e escapismo por Marilena Chauí

95

ou como

resultado do caráter ainda incipiente da indústria cultural no país por Rena-

to Ortiz,

96

a ausência ou limitação de uma concepção de cultura de massa no

manifesto do CPC” foi ampliada e questionada segundo o conceito de arte

empenhada por José Guilherme Merquior. Em contraposição à arte de van-

guarda, considerada decadente, a “arte empenhada” denominada “nova arte

popular” deveria estar fundamentada na teoria do realismo. Para Merquior,

da atitude e do vigor de enfrentar criticamente o mundo, e, para transformá-lo,

descobrir na realidade a esfera do possível objetivo, da possibilidade concreta,

no sentido em que todo grande realismo tem sido sempre uma compreensão e

um apego ao que existe, em nome de uma perspectiva transformadora.

97

No sentido de estimular “o empenho de uma arte voluntária e conscien-

temente didática, devotada à formação de um novo homem brasileiro,

98

era

preciso questionar e contestar, segundo Merquior, uma possível conceituação

baseada em fatores reducionistas e excludentes. Numa espécie de resposta ou

repulsa ao manifesto do CPC”, o autor enumerou os possíveis enganos e ilu-

sões provocados pela desordenada conceituação de cultura e arte popular”:

há o perigo de se atribuir à divulgação popular um valor exclusivo, o perigo de

se impor unicamente uma arte plebéia, mudando popular” em “populista”; o

perigo de instituir, como conceito de arte empenhada, um desprezo geral pela

nossa comum cultura burguesa, erro dos mais fáceis, dos mais sedutores para a

ignorância e para o improviso, e que repousa na cândida idéia de que o mundo

começa com o socialismo; o perigo sectário, que pode substituir ao alargamento

político e estreitamento partidário; o perigo de estabelecer um dirigismo” cul-

tural às custas da livre crítica e da criação desempedida [sic].

99

Essa acusação de dirigismo estético-ideológico foi uma das principais

causas do desentendimento entre os cineastas do CPC e Carlos Estevam Mar-

tins, levando aqueles à aproximação com o movimento então conhecido co-

mo Cinema Novo.

As principais atividades do CPC sempre estiveram vinculadas à produ-

ção de cultura popular”. Entretanto, distinta da interpretação adotada pelos

intelectuais folcloristas, um novo significado é atribuído ao termo como ex-

plicou Carlos Estevam Martins a Marcos Konder Reis:

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

149

Julho de 2004

a cultura que o CPC propõe-se a levar ao povo é aquela que seus membros cha-

mam de cultura para a libertação. Trata-se da utilização da vanguarda cultural

para a conscientização do povo, o que lhe facultará, posteriormente, a tomada

do poder. A cultura para a libertação é, portanto, como podemos inferir, uma

cultura essencialmente política.

100

Porque “fora da arte política não há arte popular”.

101

Assim, determinar a

diferença entre os termos cultura popular” e “folclore, apresentados como

sinônimos pela geração anterior, se transformou num dos principais objeti-

vos de teóricos como Carlos Estevam Martins e Ferreira Gullar. Não é à toa

que logo na primeira linha, do primeiro parágrafo, da primeira página do li-

vro Cultura posta em questão,Ferreira Gullar, para evitar qualquer analogia,

tomou a precaução de grafar o termo cultura popular entre aspas, definindo-

o como um fenômeno novo no contexto histórico brasileiro.

102

Elias Chaves

Neto, redator da Revista Brasiliense, ao evidenciar a receptividade da primei-

ra apresentação da peça Eles não usam black-tie,montada pelo CPC em São

Paulo no dia 18 de junho de 1962, já atentava para a peculiaridade desse fe-

nômeno. Igualmente para o redator,

tudo isto é novo. Tudo isto faz pressentir o aparecimento de um novo tipo de

cultura, cultura popular, cultura viva, ligada à solução dos problemas do nosso

País e aos ideais de paz e felicidade pelos quais aspira toda a humanidade ... O

Centro Popular de Cultura está sendo no momento o porta-estandarte deste no-

vo tipo de cultura que está se formando em nosso País.

103

Compreender a agitação em torno da cultura popular” implica, portan-

to,considerar tanto o sentimento de esperança, quanto a profunda convicção

na singularidade do processo histórico brasileiro em voga.

104

A cultura popular”, entendida como uma das possibilidades de trans-

formação da realidade brasileira, através da arregimentação da intelectuali-

dade e da conscientização das classes populares, foi fundamentada, sobretu-

do, na idéia de “frente única. Ou seja, esses artistas e intelectuais de esquerda

acreditavam que a cultura popular” — apoiada em organizações estudantis,

operárias e camponesas — seria capaz de promover profundas transforma-

ções na estrutura sócio-econômica e nas relações de poder no Brasil.

105

Logo,

entendida como revolucionária (e não como reformista) pelos próprios pro-

tagonistas.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

150

Daí, a importância da UNE e dos CPCs como promotores da cultura

popular” através, sobretudo, das UNEs-Volantes, da organização de seminá-

rios e da participação em campanhas públicas em prol do movimento nacio-

nalista brasileiro. Nesse sentido, a cultura popular” promovida pela intelec-

tualidade vinculada ideologicamente ao CPC foi sinônimo de consciência

revolucionária.

106

Por isso, segundo Ferreira Gullar,o que é importante é que

se recupera a visão correta da cultura e se parte da constatação para a ação.

107

A configuração da “cultura popular” a partir da reinterpretação do ter-

mo convoca a participação dos intelectuais como agentes ativos do processo

revolucionário em curso no país. A primeira grande batalha da intelectuali-

dade pela cultura popular” (de cárater nacional e nacionalista) foi travada

contra o imperialismo, o que não significa ignorar ou extirpar as influências

externas já enraizadas no processo de formação cultural, social, política e eco-

nômica da sociedade brasileira. Com relação às influências externas era ne-

cessário, segundo Ferreira Gullar, assimilar criticamente os valores e os prin-

cípios exteriores, não implicando anulação ou entrave da consciência do

intelectual acerca da própria realidade nacional.

108

Assim, levando-se em con-

ta o fato de que

tal influência é sempre positiva quando se exerce sobre culturas com a consis-

tência necessária para absorver dela o que é útil, fecundo, e rejeitar o resto. Mas,

nos países em formação, as influências externas tendem, muitas vezes, a agir co-

mo fator de perturbação do processo formativo, introduzindo desvios e discre-

pâncias que só se dão devido à fragilidade do movimento cultural implantado.

109

Ferreira Gullar, ao comentar o caráter maléfico da influência externa

como instrumento de dominação imperialista, transportou para a intelectua-

lidade a função de conscientização das classes populares, pois só assim passa-

riam de meros consumidores (quando consumidores) para produtores de

cultura popular”. Portanto, concretizadas as etapas de arregimentação da in-

telectualidade e conscientização do povo brasileiro”,

é necessário desenvolver uma ação mais próxima da massa, não apenas produ-

zindo obras “para ela como procurando trabalhar com ela, visando tanto de-

senvolver, nela, os meios de comunicação e produção cultural, como obter, nes-

se trabalho, um conhecimento mais objetivo de determinada comunidade que

permite maior eficácia na elaboração da obra que seja dirigida à massa.

110

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

151

Julho de 2004

A publicação do livro Cultura posta em questão foi tão acidentada como

qualquer outra forma de expressão ou veículo de comunicação reprimido nos

anos 60, em decorrência do golpe militar e da promulgação gradativa dos atos

institucionais. Redigido em janeiro de 1963, o livro foi editado em 1964 pela

editora Civilização Brasileira. Entretanto, foi tirado de circulação pela polícia

política, encarregada de censurar e reprimir manifestações artísticas e inte-

lectuais consideradas “subversivas” e, para evitar maiores problemas com o

aparelho repressor, o livro foi reeditado como primeira edição em 1965,

111

quando essa já era a segunda edição.

A cultura popular” definida superficialmente por Carlos Estevam Mar-

tins e aprofundada por Ferreira Gullar nessa obra em particular, foi questio-

nada e rebatida por pesquisadores e críticos que se dedicaram a analisar a pro-

dução artístico-cultural dos anos 60, sobretudo pelo fato de serem acusados

de utilizar a arte como instrumento de ação política. Ferreira Gullar tampou-

co ficou isento de indagações e contestações, principalmente ao adotar a po-

laridade entre arte pura e arte comprometida como justificativa para a

atuação do CPC. Por isso foi acusado de transportar, para o âmbito dos de-

bates estético-ideológicos, traços das políticas culturais ortodoxas, principal-

mente ao empregar as designações “descomprometidos”e “comprometidos”.

112

Te ndo em vista o caráter desnorteado e desordenado do debate em tor-

no da cultura popular” promovida pelos ativistas do CPC, Gullar conside-

rou válido, assim como Estevam, a manipulação de recursos formais em fun-

ção do alcance do público. Não obstante, não analisa essa “manipulaçãocomo

redução estética, mas como visões-de-mundo e princípios estético-ideológi-

cos diferentes. A incompreensão do ponto de vista adotado pela intelectuali-

dade do CPC levou pesquisadores e críticos a acusar, segundo Ferreira Gul-

lar, de esteticamente inferiores as obras de arte produzidas sob o rótulo

genérico de participante”.

113

Essa perspectiva parece ter sido incorporada pe-

la literatura de modo geral.

Levando em conta todos os possíveis equívocos da definição de “cultura

popular”, não se questiona a importância da produção artística e intelectual

da época, sobretudo como documento histórico. Mas, é preciso considerar

que o produto artístico gerado nos anos 60 — entendido como resultado

da interação entre produção (artista, tema e tecnologia), divulgação (meca-

nismos mercadológicos) e recepção (público) — não pode ser analisado tão-

somente como reflexo das formulações teóricas acerca das definições de cul-

tura” e arte popular” empreendidas pelos artistas e intelectuais do CPC.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

152

A conceituação de cultura popular empreendida por Ferreira Gullar co-

mo um fenômeno novo na vida brasileira, cuja importância está na razão di-

reta dos complexos fatores sociais que o determinam

114

não foi entendida

pelo crítico Clarival Valladares, o que desencadeou um debate entre este e o

poeta sobre o livro Cultura posta em questão,através da resenha “Uma ques-

tão de cultura, de Valladares,

115

e da resposta “Sim, uma questão de cultura,

de Gullar.

116

A crítica presente na resenha “Uma questão de cultura relacionou-se à

confusão conceitual que faz Ferreira Gullar ao definir indistintamente os ter-

mos “civilização, “cultura” e “povo. Segundo o crítico, Ferreira Gullar “não

tem o direito de inverter o sentido dos termos, de perverter os conceitos e os

fundamentos do conhecimento humanístico.

117

Ora, ao tomar conhecimento

das teses de Roland Corbisier sobre a cultura brasileira, percebe-se quais fo-

ram as bases teóricas, entre outras, de Ferreira Gullar para conceituar a cul-

tura popular”. Por isso, o livro Formação e problema da cultura brasileira cons-

titui-se num dos principais referenciais teóricos (mas não o único) para os

artistas e intelectuais da época. Conforme Roland Corbisier,

ao empregar a expressão cultura brasileira, de cuja formação vamos nos ocu-

par, não nos queremos referir apenas aos aspectos intelectual e artístico, religio-

so, literário ou científico de nossa cultura, mas à totalidade das manifestações

vitais, que, em seu conjunto, caracterizam e definem o povo brasileiro. A palavra

é empregada no mesmo sentido em que os franceses costumam usar a palavra

civilização, com o qual designam o objeto próprio da história, seja a de toda a

humanidade, seja a de cada povo em particular. Poderíamos, assim, desde que

nos entendêssemos previamente sobre o sentido dos termos, dar a uma história

de nosso País o título de História da Civilização ou da Cultura Brasileira.

118

Então, o não entendimento da “cultura popular” como um fenômeno es-

pecífico, segundo Gullar, distinto das manifestações culturais do povo, levou

Clarival Valladares à incompreensão da problemática do livro: “a necessidade

de compreender-se a cultura como uma questão social concretamente deter-

minada e que, numa sociedade de classes, não pode isentar das contradições

peculiares a essa mesma sociedade.

119

Quando Gullar afirmou que “cultura po-

pular é, portanto, antes de mais nada, consciência revolucionária,

120

estava atri-

buindo responsabilidade social aos intelectuais, já que “uma das maneiras, que

tem o intelectual de ajudar nessa transformação, é desmistificar o conceito de

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

153

Julho de 2004

cultura que a apresenta como um universo fechado em si mesmo, acima das

questões sociais e infenso a elas”.

121

É evidente a intenção de diferenciar “cultura

popular” de “folclore, pois quando analisadas como sinônimos, a definição de

cultura popular recupera a noção de tradição, cuja ênfase no caráter tradicio-

nal implica a perpetuação e a conservação da ordem estabelecida. Enquanto

para a intelectualidade do CPC cultura popular” significava justamente o con-

trário: transformação da ordem estabelecida, mesmo que hoje essa transfor-

mação seja entendida como reformista e não revolucionária.

Portanto, as ações reformistas ou radicais não pressupõem, como sugere

Octávio Ianni,

122

insubordinação à ordem estabelecida. Para Antonio Candi-

do o trabalho de investigação das idéias radicais na história do Brasil propor-

ciona os “instrumentos que permitem a consciência clara do rumo que as

transformações podem e devem tomar”.

123

Apesar dos fatores negativos — co-

mo os elementos de atenuação, e mesmo de oportunismo inconsciente, que

podem desviar o curso das transformações

124

— o autor considera fundamen-

tal a presença das propostas radicais (ou reformistas, como denominaram

Weffort e Ianni) nos países subdesenvolvidos, em que o “nível de consciência

política do povo não corresponde à sua potencialidade revolucionária.

125

Ao

valorizar o papel transformador dos radicalismos” como agente do possí-

vel” mais avançado para as transformações “viáveis da sociedade brasileira

ou como condição de êxito do pensamento revolucionário, inclusive o que

se inspira no marxismo”,

126

o autor apresentou uma nova perspectiva analíti-

ca para a abordagem do problema. Assim, um dos critérios para avaliar a ra-

dicalidade de um político ou intelectual brasileiro é averiguar o que ele con-

sidera povo, num país de tão grande variedade cultural e racial”.

127

O caráter desordenado da cultura popular” definida pelos artistas e in-

telectuais do CPC proporcionou uma espécie de fio condutor para averiguar

os principais impasses e contradições da intelectualidade brasileira preocu-

pada com a politização das artes no Brasil. O manifesto do CPC”, comumen-

te analisado como síntese da produção artístico-cultural da época, é entendi-

do como uma espécie de ponto de referência e não como projeto cultural e

que foi reproduzido, assimilado e, sobretudo, contestado pelos principais ar-

tistas e intelectuais que se dispuseram a pensar, pressupondo sua prática, po-

líticas culturais para o CPC.

Assim, a apresentação das principais discussões e debates acerca da fun-

ção social da arte, da cultura popular e do engajamento artístico demonstram

que a politização (traduzida pelas políticas culturais de nacionalização e po-

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

154

pularização da obra de arte) não seguiu uma fórmula pronta ou projeto mes-

tre, mas foi caracterizada por uma série de idéias e planos que, apesar de par-

tirem do “manifesto do CPC”, jamais reproduziram automaticamente suas

principais teses.

O que evidencia então a inquietação desses artistas e intelectuais é a he-

terogeneidade dessas produções artístico-culturais que se vincularam direta

ou indiretamente ao CPC. A pluralidade dos debates em torno do engajamen-

to da arte e do próprio artista realizado nos anos que antecederam ao golpe

militar é tão intensa e marcante que dificulta determinar unilateralmente

qualquer característica, rótulo, projeto ou política cultural, tanto para os seus

protagonistas, quanto para as suas produções artístico-culturais.

NOTAS

1

O artigo que ora se apresenta é parte de uma pesquisa de mestrado realizada no Progra-

ma de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), orientada

pelo Prof. Dr. Marcos Napolitano e financiada pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES). In: SOUZA, M. G. de. Do Arena ao CPC:o debate em

torno da arte engajada no Brasil (1959-1964). Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em

História) — Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

2

Sobretudo GIANI, L. A. A. A Música de Protesto:do subdesenvolvimento à canção do bi-

cho e proezas de satanás... (1962-1966). Campinas, 1986. Dissertação (Mestrado em So-

ciologia) — IFCH, Universidade Estadual de Campinas; PAIANO, E. O berimbau e o som

universal:lutas culturais e indústria fonográfica nos anos de 1960. São Paulo, 1994. Dis-

sertação (Mestrado em Comunicações) — Escola de Comunicação e Artes, Universidade

de São Paulo; CONTIER, A. D. Edu Lobo e Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção

de protesto (os anos de 1960). Revista Brasileira de História, São Paulo, v.18, n.35, p.13-52,

1998; NAPOLITANO, M. Seguindo a canção:engajamento político e indústria cultural na

trajetória da MPB (1959/1969). São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em História) — FFLCH,

Universidade de São Paulo; RIDENTI, M. Em busca do povo brasileiro:artistas da revolu-

ção, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000.

3

Sobre a relação entre populismo e nacionalismo consultar: WEFFORT, F. C. O populismo

na política brasileira.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, 181p., e IANNI, O. O colapso do po-

pulismo no Brasil.4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, 223p. Ver também: GO-

MES, A. de C. O populismo e as ciências sociais: notas sobre a trajetória de um conceito.

In: FERREIRA, J. (Org.) O populismo e sua história:debate e crítica. Rio de Janeiro: Civili-

zação Brasileira, 2001, 380p., p.17-57.

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

155

Julho de 2004

4

As principais características da “frente única estão mais bem detalhadas na Declaração

sobre a política do Partido Comunista Brasileiro,de março de 1958. In: PCB:vinte anos de

política, 1958-1979: documentos. São Paulo: LECH, 1980, 353p. (A Questão Social no Bra-

sil, 7), p.3-27.

5

Apud RIDENTI, op. cit., p.128.

6

FREDERICO, C. A política cultural dos comunistas. In: MORAES, J. Q. de. (Org.) Histó-

ria do Marxismo no Brasil — v.III: teorias. interpretações. Campinas: Ed. Unicamp, 1998,

382p. (Coleção Repertórios), p.277.

7

Cabe ressaltar que essa preocupação foi se estruturando aos poucos, já que, no período

de 1953 a 1955, o Teatro de Arena era, segundo Sábato Magaldi, “uma espécie de TBC po-

bre, ou econômico, cujo repertório se concentrava nos clássicos europeus, sobretudo. In:

MAGALDI, S. Um palco brasileiro:o Arena de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984, 100p.

(Coleção Tudo é História, 85), p.7.

8

SANTIAGO, H. Teatro nacional popular. Brasiliense, São Paulo, n.26, p.198-201, nov./dez.

1959, p.199. Aqui, e nas demais citações, a grafia está sendo atualizada.

9

GUARNIERI, G. O teatro como expressão da realidade nacional. Brasiliense, São Paulo,

n.25, p.121-6, set./out. 1959, p.122.

10

In:MAGALDI, op. cit., p.33.

11

Apud MORAES, D. de. Vianinha: cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Record, 2000,

418p., p.90.

12

VIANNA FILHO, O. O artista diante da realidade [1960]. In: PEIXOTO, F. (Org.) Viani-

nha:teatro, televisão e política. São Paulo: Brasiliense, 1983. 223p. (Antologias e biogra-

fias), p.65.

13

PATRIOTA, R. Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo. São Paulo: Hucitec,

1999, 229p. (Teatro, 39), p.106.

14

Incorporação dos procedimentos técnicos adotados por Bertolt Brecht sobretudo em O

coro dos contrários.

15

Inicialmente publicado na revista Movimento em 1962, o artigo foi transcrito na coletâ-

nea de textos de Oduvaldo Vianna Filho organizada por Fernando Peixoto. VIANNA FI-

LHO, O. Do Arena ao CPC [1962]. In: PEIXOTO, op. cit., p.90-5.

16

Apud MORAES, op. cit., p.58-9.

17

A mesma indisposição que caracterizou a relação conturbada de José Renato e Oduval-

do Vianna Filho transferiu-se, anos depois, para o embate entre Carlos Estavam Martins e

Oduvaldo Vianna Filho sobre a administração do CPC, embate este analisado nas próxi-

mas páginas.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

156

18

VIANNA FILHO, Do Arena ao CPC,p.93.

19

SANTIAGO, op. cit., p.201.

20

Ibidem.

21

ROCHA FILHO. In: ROCHA FILHO et al. Teatro Popular. Cadernos Brasileiros,v.6, n.3,

p.40-55, maio/jun. 1964, Mesa Redonda, p.43.

22

VIANNA FILHO, Do Arena ao CPC,p.93.

23

MARTINS, C. E. Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em

março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e des-

bunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980, p.121-44.

24

Cultura popular: conceito e articulação. Movimento,Rio de Janeiro, n.4, p.11-2, jul. 1962,

p.12, grifos nossos.

25

RELATÓRIO do Centro Popular de Cultura [1962]. In: BARCELLOS, J. CPC da UNE:

uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. 472p. p.441-

56, p.444, grifos nossos.

26

Sobretudo, Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Nelson Werneck Sodré, Roberto de Oli-

veira Campos, Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes e Alberto Guerreiro Ramos, que des-

de 1956 constituíam seminários do ISEB promovidos em conjunto com o Ministério da

Educação e Cultura — MEC.

27

Nelson Werneck Sodré afirmou que em política, como em cultura, só é nacional o que é

popular”. In: SODRÉ, N. W. Quem é o povo no Brasil? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1962. 61p. (Coleção Cadernos do Povo Brasileiro), p.17; e Ferreira Gullar considerou que a

cultura popular tem caráter eminentemente nacional e mesmo nacionalista. In: GUL-

LAR, F. Cultura posta em questão.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, 126p., p.9.

28

CORBISIER, R. Formação e problema da cultura brasileira.Rio de Janeiro: ISEB, 1958,

88p. (Textos Brasileiros de Filosofia, 3).

29

In:BARCELLOS, op. cit., p.144.

30

CORBISIER, op. cit., p.69.

31

Ibidem, p.70.

32

Ibidem, p.69.

33

Ibidem, p.69-70.

34

Ibidem, p.85.

35

BERLINCK, M. T. O Centro Popular de Cultura da UNE.Campinas: Papirus, 1984. 120p.

(Coleção Krisis), p.23-4.

36

Para o relatório do CPC, a entidade havia sido fundada em março de 1961. In: RELA-

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

157

Julho de 2004

TÓRIO..., p.441; e, para Manoel Tosta Berlinck, o CPC foi criado em dezembro de 1961.

In: BERLINCK, op. cit., p.9.

37

In:BARCELLOS, op. cit., p.89-90, grifos nossos.

38

Consultar o debate promovido pela revista Senhor sobre cultura popular” e o artigo “Ci-

nema Novo: a cultura popular revisitada. In: SOUZA, M. G. de. Cinema Novo: a cultura

popular revisitada. História: questões e debates,Curitiba, v.20, n.38, p.133-59, jan./jun. 2003.

39

VIANNA FILHO, O. O teatro não desce ao povo, sobe ao povo. [19—] In: MICHALSKI,

Y. (Org.) Teatro de Oduvaldo Vianna Filho v.1.Rio de Janeiro: Ilha, 1981, 378p., p.210,

p.13.

40

Ibidem, p.14.

41

Sobre o conceito de políticas culturais ver: BRUNNER, J. J. La mano visible y la mano

invisible. In: América Latina: cultura y modernidade. México: Grijalbo, 1992.

42

Apud MORAES, op. cit., p.132.

43

VIANNA FILHO, O teatro não desce..., p.13.

44

Apud RIDENTI, op. cit., p.76.

45

MARTINS, op. cit., p.123.

46

Ibidem, p.126.

47

VIANNA FILHO, “Do Arena ao CPC”, p.93.

48

MARTINS, op. cit., p.127.

49

GUARNIERI, G. O teatro como expressão da realidade nacional. Brasiliense, São Paulo,

n.25, p.121-6, set./out. 1959, p.124.

50

MARTINS, op. cit., p.127.

51

Ibidem, p.129-30, grifos nossos.

52

Ibidem, p.130.

53

Ibidem.

54

Ibidem, p.143.

55

CHAUÍ, M. Seminários. São Paulo: Brasiliense, 1983, 106p. (O Nacional e o Popular na

Cultura Brasileira), p.91.

56

ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Pau-

lo: Brasiliense, 1988, 223p., p.14-5.

57

MERQUIOR, J. G. Notas para uma teoria da arte empenhada. Movimento,Rio de Janei-

ro, n.9, p.13-7, mar. 1963.

58

ORTIZ, Moderna tradição..., p.160-2.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

158

59

ESTEVAM, op. cit., p.132.

60

Ibidem, p.127.

61

Ibidem, p.135.

62

SARTRE, J.-P. Que é a literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989, 231p.

(Original: Qu’est-ce que la litterature?,p.58.).

63

De passagem pelo Brasil em 1960, Sartre apresentou uma conferência sobre a noção do

belo e da beleza na Universidade Mackenzie de São Paulo. In: SARTRE, J.-P. Conferência

de Jean-Paul Sartre Universidade Mackenzie 1960.Trad. Maria Porto, p.7-32.

64

MARTINS, op. cit., p.138.

65

Ibidem.

66

Ibidem, p.139.

67

Ibidem, p.141.

68

VIANNA FILHO, Do Arena ao CPC, p.94.

69

NAPOLITANO, Seguindo a canção..., p.56.

70

In CHAUÍ, op. cit., p.86.

71

CONTIER, op. cit., p.31.

72

Cultura popular: conceito..., p.12.

73

RELATÓRIO..., p.444.

74

GULLAR, Cultura posta..., p.6.

75

Cultura popular: conceito..., p.11.

76

RELATÓRIO..., p.444.

77

Ibidem.

78

Ibidem, p.442.

79

Ibidem.

80

REIS, M. K. Centro Popular de Cultura. Cadernos Brasileiros,v.5, n.1, p.78-82, jan./fev.

1963, p.79.

81

RELATÓRIO..., p.442.

82

BERLINCK, op. cit., p.27.

83

Cultura popular: conceito..., p.12.

84

Segundo Glauber Rocha,em 1959 [sic, na verdade trata-se de 1957, data que pode ser

precisada pela realização de Rio, Zona Norte] passo em Belo Horizonte onde proponho

àqueles intelectuais [da Revista de Cinema] o lançamento do Cinema Novo mas sou con-

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

159

Julho de 2004

siderado visionário e expulso de Belo Horizonte vou ao Rio e levo o projeto a Nelson Pe-

reira dos Santos que estava filmando Rio, Zona Norte”. A pud RAMOS, F. Os novos rumos

do cinema brasileiro (1955-1970). In: RAMOS, F. (Org.) História do cinema brasileiro. São

Paulo: Art Editora, 1987, 555p., p.309.

85

Apud MORAES, op. cit., p.132.

86

RELATÓRIO..., p.445.

87

LYRA, C. In: BARCELLOS, op. cit., p.96.

88

RELATÓRIO..., p.446-7, grifo nosso.

89

De acordo com Renato Ortiz, apesar das intenções, o distanciamento público-autor é

uma constante; um exemplo patético disto são as produções artísticas realizadas pelo CPC”.

In:ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986,

149p., p.73.

90

Nos anos 50, ver: CRUZ, O. R. Origens da revolução no teatro brasileiro. Brasiliense, São

Paulo, n.8, p.106-22, nov./dez. 1956, p.120; e, quanto à peça Eles não usam black-tie:PIN-

TO, P.F.A.Eles não usam “black-tie”,peça de Gianfrancesco Guarnieri. Brasiliense, São

Paulo, n.16, p.179-82, mar./abr. 1957, p.182. Nos anos 60, sobre o movimento nacionalista

brasileiro: CHADE, C. A autocrítica do movimento nacionalista brasileiro. Brasiliense, São

Paulo, n.32, p.88-91, nov./dez. 1960, p.90; quanto ao Cinema Novo e ao filme Barravento:

BERNARDET, J. C.“Barravento e o recente cinema brasileiro. Brasiliense, São Paulo, n.44,

p.35-7, nov./dez. 1962, p.136-7; quanto ao Cinema Novo por Claudio Mello e Souza, ver:

FARIA, O. de. “Pôrto das Caixas e o Cinema Nôvo. Cadernos Brasileiros,v.5, n.2, p.77-83,

mar./abr. 1963, p.80; e, quanto ao livro Cultura posta em questão,VALLADARES, C. Uma

questão de cultura. Cadernos Brasileiros,v.7, n.4, p.83-8, jul./ago. 1965, p.86. Nos anos 70,

sobre o cinema brasileiro produzido após a Segunda Guerra Mundial, ver: EMÍLIO, P. Ci-

nema: trajetória no subdesenvolvido. Argumento,Rio de Janeiro, n.1, p.55-67, out. 1973,

p.61. Nos anos 80, sobre o ISEB, consultar: TOLEDO, C. N. de. ISEB: Fábrica de ideologias.

2.ed. São Paulo: Ática, 1982, 195p., (Ensaios, 28), p.216; quanto ao CPC, ver: HOLLAN-

DA,op. cit. e CHAUÍ, op. cit.; na coleção Cadernos do povo brasileiro: CHAUI, op. cit., p.84;

e, nos volumes extras de Violão de rua (da coleção Cadernos do povo brasileiro), consultar:

HOLLANDA, op. cit.

91

ORTIZ, Cultura brasileira..., p.73.

92

PAIANO, op. cit., p.76.

93

MERQUIOR, op. cit., p.14.

94

Particularmente, entre os intelectuais brasileiros da época, é possível perceber claros ves-

tígios do texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.In: BENJAMIN, W.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

160

Magia e técnica, arte e política:ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio

Paulo Rouanet. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1993, 255p., p.165-96.

95

CHAUÍ, op. cit., p.91.

96

ORTIZ, Moderna tradição...

97

MERQUIOR, op. cit., p.16.

98

Ibidem, p.17.

99

Ibidem.

100

Apud REIS, op. cit., p.79.

101

MARTINS, op. cit., p.131.

102

GULLAR, Cultura posta..., p.1.

103

CHAVES NETO, E. Centro Popular de Cultura. Brasiliense, São Paulo, n.42, p.141-2,

jul./ago. 1962, p.142.

104

ORTIZ, Moderna tradição..., p.109-10.

105

GULLAR, Cultura posta..., p.4.

106

Ibidem.

107

Ibidem, p.5, grifo nosso.

108

Ibidem, p.9.

109

Ibidem, p.10.

110

Ibidem, p.6-7.

111

PEIXOTO, op. cit., p.95-6.

112

GULLAR, Cultura posta..., p.19.

113

Ibidem, p.24.

114

Ibidem, p.1.

115

VALLADARES, op. cit., p.83-8.

116

GULLAR, F. Sim, uma questão de cultura. Cadernos Brasileiros,v.7, n.5, p.106-8, set./out.

1965.

117

VALLADARES, op. cit., p.88.

118

CORBISIER, op. cit., p.53. No parágrafo seguinte continua Corbisier,ao falar na for-

mação da cultura brasileira, portanto, queremos aludir à formação histórica do povo bra-

sileiro. Ibidem, p.54.

119

GULLAR, Sim, uma questão..., p.106.

A questão da cultura popular: as políticas culturais...

161

Julho de 2004

120

GULLAR, Cultura posta..., p.4.

121

GULLAR, Sim, uma questão..., p.107-8.

122

IANNI, op. cit., p.8.

123

CANDIDO, A. Radicalismos. Estudos Avançados, n.8, p.4-18, jan. 1988. p.7.

124

Ibidem, p.5.

125

Ibidem.

126

Ibidem, p.6.

127

Ibidem, p.9.

Miliandre Garcia

Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47

162

Artigo recebido em 3/2004. Aprovado em 5/2004