A ação popular em 1962

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Termina, no convento dos jesuítas de Belo Horizonte, o 1º Congresso da Ação Popular, iniciado dia 31 de maio e decisivo para a constituição de um movimento com autonomia em relação à hierarquia da igreja católica.

Esse congresso decidiu-se pela criação da Ação Popular (AP), com profissão de fé no “socialismo como humanismo”, na democracia e no pluralismo democrático. Em fevereiro do ano seguinte, na Bahia, o grupo seria formalmente criado.

No início dos anos 1960, a crescente polarização da política havia levado duas organizações de origem cristã — a Juventude Estudantil Católica (JEC) e, sobretudo, a Juventude Universitária Católica (JUC), braços da Ação Católica no meio estudantil — a assumir uma posição cada vez mais próxima das opções políticas defendidas pelas forças de esquerda.

A AP se originou da ideia de construir uma organização política autônoma, baseada em formas de ação socialistas, democráticas e humanistas e capaz de ultrapassar as diretrizes da igreja para atuar diretamente na vida pública brasileira.  

O empurrão dos movimentos leigos estudantis — braços da Ação Católica — para fora da igreja foi dado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que, no final de 1961, proibira aos líderes da JUC concorrer a cargos eletivos das entidades do movimento estudantil.

No final da década de 1950, os movimentos de juventude ligados à igreja católica não apenas haviam feito uma irreversível inflexão à esquerda, como passaram a atuar de forma intensa no movimento estudantil. No momento em que foi repreendida pela hierarquia, a JUC, aliada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), dirigia a maioria das entidades do movimento estudantil. Como AP, o movimento de origem católica manteria a hegemonia nos órgãos estudantis durante toda a década de 1960.

O padre Henrique Cláudio de Lima Vaz foi o grande teórico da AP e responsável pela elaboração do Documento-Base aprovado no 1º Congresso.

O grupo atrairia militantes muito além da área de influência católica: estudantes, professores, artistas, jornalistas, intelectuais e até cristãos protestantes. Graças ao apoio de setores progressistas do clero, conseguiria se aproximaria do operariado urbano e manteria forte militância na área rural, sobretudo no Nordeste.

Entre 1962 e 1964, militantes da AP participariam ativamente na definição de políticas públicas do governo de João Goulart, especialmente no Ministério da Educação e Cultura, na Superintendência de Política Agrária (Supra) e no Movimento de Educação de Base (MEB).

A década de 1960 também seria marcada pela influência da Revolução Chinesa. Teve início então o processo de inserção dos militantes nas fábricas e nos campos — a ponto de participar da criação de vários sindicatos rurais em todo o país.

Essa nova orientação levaria, em 1969, à formação de uma ala dissidente: o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT).

Em 1972, um novo "racha" daria origem a duas facções que reivindicavam para si o nome de Ação Popular: um deles acabaria se incorporando ao PCdoB, e o outro constituiria a Ação Popular Marxista-Leninista (APML), cuja ação seria interrompida pela ação do aparelho repressivo — até 1974, vários dirigentes seriam presos ou mortos, e alguns simplesmente desapareceriam.

Ação Popular

Identificação:

Denominação: AÇÃO POPULAR


Sigla: (AP)
Natureza do Conjunto: Coleção
Data Limite Inicial: 1965
Data Limite Final: 1977
Quantidade: 4 pastas

Contextualização:

História Administ./Biografia: A Ação Popular é um dos desdobramentos do processso iniciado dentro da JUC nos anos de 1959/60, durante os quais, tomando consciência dos problemas brasileiros, lançou-se às lutas políticas e ideológicas. Apesar de não ser muito forte em número de militantes, a JUC era, assim como o Partido Comunista, a força estudantil melhor organizada. Em 1959, sem abandonar completamente o interesse pelos problemas políticos, desenvolvera uma atividade de caráter mais acentuadamente religioso e interno. A partir daquele ano, voltou-se de preferência para o político e o social. Em 1960, alguns de seus militantes chegaram à presidência e outros cargos de direção da União Nacional dos Estudantes (UNE). A partir de então, formou-se uma aliança com as forças de esquerda, inclusive o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que passou a predominar na política estudantil.

Aquela aliança e a política extremista que, a partir de 1960, a UNE começou a desenvolver provocaram uma violenta reação dentro e fora do meio universitário. A JUC passou então a ser denunciada como uma simples "Organização de fachada" do comunismo universitário brasileiro. À vista disso, o Episcopado viu-se na obrigação de intervir, proibindo aos jucistas ocuparem cargos de responsabilidade dentro das organizações políticas universitárias. Em virtude dessa proibição, os elementos mais politizados e influentes da JUC tomaram a deliberação de fundar um movimento novo, de caráter político-ideológico e, em 1962, nasce a Ação Popular (AP), que incluiu também militantes da JEC, refletindo o fortalecimento da esquerda católica dentro do movimento estudantil. No início, defendia uma ideologia própria, buscando diferenciá-la do marxismo, o que não a impedia de assumir-se como um movimento revolucionário que pretende formar quadros para participar de uma transformação radical da estrutura em sua passagem do capitalismo para o socialismo. A AP manteve a hegemonia no movimento estudantil, elegendo todos os Presidentes da UNE, até pelo menos o golpe militar de 1964. Sofreu também influência da revolução chinesa após a volta de quadros seus da China, com a implantação de uma linha de proletarização; essa linha defendia que a Organização só poderia se fortalecer na prática. Iniciou então o processo de colocação dos militantes nas fábricas e em estreita ligação com os camponeses, ao mesmo tempo em que assumiu os elementos essenciais da estratégia maoísta; priorização do trabalho junto ao campesinato e a necessidade de preparar a guerra popular prolongada, tendo nas regiões rurais o seu cenário fundamental. Essa nova posição adotada pela Organização provocou conflitos internos que culminaram, em princípio de 1969, na formação de um grupo dissidente: o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Mas a linha maoísta que prosseguiu com a denominação de AP estava longe da homogeneidade. Sua luta interna se acirra e atinge todas as regiões do País, bases e direções. Em 1972, ocorreu o "racha", formando-se duas facções que reivindicavam, ao mesmo tempo, o nome de Ação Popular: um grupo mais próximo ao PCdoB, que acabaria se incorporando a ele; e um outro que constituiu a Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Consumada a divisão, a APML iniciou um processo de balanço político da intensa crise vivida, o qual foi interrompido pela ação do aparelho repressivo. Entre 1972 e 1974, vários dirigentes são presos, mortos ou desaparecem. Duramente golpeada, vivendo ainda os efeitos de uma profunda crise político-ideológica, a APML começa lentamente sua marcha em direção a uma profunda revisão política. Hoje, não constitui uma organização formada. Seus antigos militantes estão, em grande parte, no Partido dos Trabalhadores (PT).

Hist. Arquivística/ Procedência: os documentos foram adquiridos através de doações de Frei Romeu Dale, entre 1988 e 1989

Conteúdo e Estrutura:

Âmbito e Conteúdo: a Coleção compõe-se de boletins sobre o proletariado e as eleições, circulares sobre eleições e reuniões, correspondência sobre ideologia da Ação Popular, publicações sobre socialismo brasileiro, declaração de princípios da Ação Popular, periódicos sobre repressão, ditadura, eleições e censura, textos sobre programa da Ação Popular, resoluções políticas, organização de partidos políticos, declaração de princípios e socialismo brasileiro.


Sistema de Arranjo: organizada.

Condições de Acesso Uso:

Condições de Acesso:


Instrumentos de Pesquisa: . Inventário Topográfico da CEDIC. São Paulo, 1992. (datilografado)

Notas:

Notas:

Mestre em História (UERJ, 2016)
Graduada em História (UERJ, 2014)

Ouça este artigo:

A Ação Popular (AP) foi criada por quadros políticos que pertenceram à Juventude Universitária Católica (JUC). Segundo o historiador Jacob Gorender, a AP originou-se em uma Conferência realizada em Belo Horizonte, em junho de 1962. Já para o historiador Daniel Aarão Reis Filho, a AP foi construída no Congresso em Salvador no qual foi publicado o Documento-base da organização, em fevereiro de 1963. Desde o início, a organização já se declarava socialista e propunha um projeto político socialista para o Brasil, indicando a necessidade de mudanças no socialismo real desenvolvido, principalmente, na URSS, na China e em Cuba.

Apesar de a Ação Popular ter sido criada por militantes da juventude católica, a nova organização não tinha caráter confessional. A AP tinha o objetivo de atuar nos movimentos sociais no Brasil, sobretudo, nas causas camponesas e operárias, a fim de conduzir o rumo político do país para o socialismo de cunho humanitário. Após o Golpe Militar de 1964, a AP realizou uma reorientação política, apontando a luta armada como uma via necessária para a instauração do socialismo no Brasil.

Em 1966, militantes da AP articularam o Atentado do Aeroporto dos Guararapes, visando atingir o general Costa e Silva. Esse atentado foi o precursor desse gênero de ação no período da ditadura militar (1964-1965). Na época do atentado, militantes da organização já mantinham contatos na China e em Cuba, no entanto, até então não havia uma centralização política da AP que a orientasse para uma tática específica de luta armada. Somente em 1968, a AP optou pelo maoísmo como leitura de sociedade e como estratégia política com o objetivo de implantar o socialismo no Brasil. Desse modo, a atuação no meio campesino ganhou destaque para a organização, além de possuir notável trabalho nos movimentos estudantil e operário. Em seguida à adoção do maoísmo, houve na AP a ruptura do grupo que fundou o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT).

A opção pelo maoísmo aproximou a Ação Popular do Partido Comunista do Brasil (PC do B). O governo chinês reconhecia o PC do B como um partido comunista de fato, já a AP era considerada apenas como organização anti-imperialista. A partir do estreitamento do vínculo com o PC do B, a AP asseverou a adoção da linha política marxista-leninista, alterando a própria nomenclatura para Ação Popular-Maxista-Lenisnista (AP-ML). Na sequência desse processo, o recém criado Comitê Central da AP-ML convocou a reunião dos marxistas leninistas em um único partido, implicando a incorporação da organização ao PC do B, em 1973. A parcela minoritária de militantes da Ação Popular que não aderiu ao PC do B manteve a atuação sob a sigla da AP-ML, entre eles estiveram os ativistas Jair de Sá e Paulo Wright, expulsos da organização por não aceitarem a linha do Comando Central.

Referências:

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Fundação Perseu Abramo/Expressão Popular, 2014.

REIS FILHO, Daniel Aarão & SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução: Documentos Políticos das Organizações Clandestinas de Esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1985. p. 36-47.