A república das filipinas v república popular da china arbitragem

Por Julia Cirne Lima Weston
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Mestre em Direito Internacional (LL.M) pela University College London

Em minha última coluna falei sobre o caso de Forest City, uma consequência direta do megaprojeto chinês de investimentos em infraestrutura denominado Belt and Road Initiative. A questão do Mar do Sul da China também diz respeito ao projeto, na dimensão chamada Rota da Seda Marítima, que compreende uma série de investimentos em infraestrutura relevante ao comércio marítimo.

Um dos grandes impasses das negociações desta rota, porém, ocorre no Sudeste Asiático, com a disputa entre China, Vietnã, Filipinas, Brunei, Malásia e Taiwan pelo território do Mar do Sul da China. A China reivindica todo o território do Mar do Sul da China. Taiwan reivindica a mesma área, mas de uma forma diferente da sua gestão prévia, o que será abordado a seguir como um novo desenvolvimento na região. Já Vietnã, Malásia, Brunei e Filipinas reivindicam arquipélagos ou determinadas ilhas na região.

Um acontecimento recente seria a mudança de posição de Taiwan, em relação ao seu governo anterior do Kuomintang de Ma Ying-Jeou, no atual governo do Democratic Progressive Party (DPP) de Tsai Ing-Wen. A maior diferença ocorre no fato de que, enquanto a gestão Ma via a sua reivindicação como uma posição comum entre China e Taiwan, o governo de Tsai Ing-Wen não enfatiza isso em nenhum dos seus discursos.[1] Isto acabou por causar a formulação de uma nova reivindicação taiwanesa, que busca maior compatibilidade com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).[2]

Esta busca por maior adequação à UNCLOS veio após a decisão proferida pelo tribunal arbitral na Corte Permanente de Arbitragem, no caso República das Filipinas versus República Popular da China.[3] Deve-se ressaltar desde já que o caso não contou com participação chinesa em nenhum ponto e foi rejeitado pela China. A reivindicação chinesa compreende uma área chamada “Linha dos nove traços”, que corresponde à totalidade do Mar do Sul da China, justificando-a alegando supostos direitos históricos sobre a região.[4] O tribunal arbitral decidiu que a justificativa chinesa era incompatível com a UNCLOS e que, caso tivesse havido algum direito histórico sobre aquela área, este teria sido extinguido pela entrada em vigor da Convenção, devido a esta incompatibilidade.[5] A decisão da arbitragem sem a participação da China foi recebida pelo país com críticas e sem nenhuma perspectiva de seu cumprimento.

Embora Taiwan tenha oficialmente diferenciado a sua atual reivindicação da chinesa, na prática esta ainda cobre essencialmente os mesmos aspectos, ou seja, tanto as “ilhas” lá localizadas quanto suas “águas relevantes”.[6] As justificativas históricas seguem no site do Ministério de Relações Exteriores de Taiwan como fundamento de sua reivindicação.[7]

Há, porém, uma certa adequação ao Direito do Mar, no momento em que a política optada por Taiwan compreende a liberdade de navegação pelas águas do Mar do Sul da China, e a busca de uma solução pacífica para as disputas de acordo com as provisões da UNCLOS.[8] Neste sentido há, dentro do possível, uma maior aproximação com o Direito do Mar pela nova gestão taiwanesa.

Uma novidade bastante recente em relação à região é um pronunciamento por parte da Austrália. Neste, o país não reconhece a justificação com base em supostos direitos históricos como legítima. De acordo com a Austrália, a reivindicação chinesa carece de base legal no Direito do Mar, o que marca um alinhamento australiano mais forte com a atual posição dos Estados Unidos, que vê as ações militares chinesas na região como ilegais.[9]

Como a posição australiana foi protocolada junto às Nações Unidas, pode-se considerar que constitui um protesto do país em relação à reivindicação chinesa. O protesto australiano foi protocolado junto às Nações Unidas em junho de 2020. Caso for seguido por outros países, isto pode trazer complicações à China. Afinal, em Direito Internacional, para que uma reivindicação seja reconhecida como aceita tacitamente por outros países, não deve haver protestos. Indiretamente, a crítica à base histórica e à falta de fundamento legal na UNCLOS pode também vir a prejudicar a reivindicação taiwanesa, caso esta também não se esforce mais para se adequar à UNCLOS.

Em uma época concorrente ao protesto australiano, outros desdobramentos ocorreram na região. Houve atritos entre a marinha chinesa e a indiana com a passagem de um navio indiano pelo Mar do Sul da China, com a China negando a possibilidade da presença de navios de guerra indianos devido à sua soberania sobre o território.[10] Nesta mesma época também houve exercícios militares de liberdade de sobrevoo pelos Estados Unidos sobre a área.[11] Já o Reino Unido desde agosto estuda a possibilidade de enviar um de seus navios porta-aviões, o HMS Queen Elizabeth à região conturbada.[12]

Há, portanto, bastante atividade de outros países opondo-se à reivindicação chinesa, o que prova que a situação ainda está longe da unanimidade e que as chances de conflitos diretos ainda permanecem. A situação do Mar do Sul da China está em constante atualização, com o passar dos anos trazendo à tona novos e antigos atritos na região. Devido a sua relevância comercial e estratégica, é importante que a comunidade internacional se mantenha alerta aos desenvolvimentos da região, para que se busquem soluções e alternativas de cooperação. 

[1] HSIAO, Anne Hsiu-An. The South China Sea Arbitration and Taiwan’s Claim: legal and political implications. Journal of Chinese Political Science, Holanda, vol. 22, n. 2, p. 211-228, jun. 2017.

[2] LEE, Wei-chin. Taiwan, the South China Sea Dispute, and the 2016 Arbitration Decision. Journal of Chinese Political Science, Holanda, vol. 22, n. 2, p. 229-250, jun. 2017.

[3] CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM. PCA Press Release: The South China Sea Arbitration (The Republic of the Philippines v. The People’s Republic of China). 2016. Disponível em: < https://pca-cpa.org/wp-content/uploads/sites/175/2016/07/PH-CN-20160712-Press-Release-No-11-English.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2020.

[4] REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. 2009. Note Verbale, CML/18/2009. Disponível em: < http://www.un.org/depts/los/clcs_new/submissions_files/vnm37_09/chn_2009re_vnm.pdf> . Acesso em: 01 set. 2020.

[5] CORTE PERMANENTE DE ARBITRAGEM. PCA Press Release: The South China Sea Arbitration (The Republic of the Philippines v. The People’s Republic of China). 2016. Disponível em: < https://pca-cpa.org/wp-content/uploads/sites/175/2016/07/PH-CN-20160712-Press-Release-No-11-English.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2020.

[6] TAIWAN. Sustainable Governance and Enduring Peace in the South China Sea. Disponível em: < https://www.mofa.gov.tw/en/theme.aspx?n=E5A0D5E2432C234D&s=83376F561B7165E6&sms=BCDE19B435833080>. Acesso em: 24 ago. 2020.

[7] TAIWAN. Peace in the South China Sea, National Territory Secure Forever. Disponível em:  <https://www.mofa.gov.tw/en/Upload/WebArchive/1989/Position%20Paper%20on%20ROC%20South%20China%20Sea%20Policy%20(illustrated%20pamphlet%20PDF).pdf>. Acesso em: 24 ago. 2020.

[8] TAIWAN. Sustainable Governance and Enduring Peace in the South China Sea. Disponível em: < https://www.mofa.gov.tw/en/theme.aspx?n=E5A0D5E2432C234D&s=83376F561B7165E6&sms=BCDE19B435833080>. Acesso em: 24 ago. 2020.  

[9]COMMONWEALTH OF AUSTRALIA. CLCS File Nº 20/026. <https://www.un.org/depts/los/clcs_new/submissions_files/mys_12_12_2019/2020_07_23_AUS_NV_UN_001_OLA-2020-00373.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2020.

[10] DECCAN Chronicle. Indian Navy deploys warship in South China Sea after Galwan clash. Disponível em: <https://www.deccanchronicle.com/nation/current-affairs/310820/indian-navy-deploys-warship-in-south-china-sea-after-galwan-clash.html>, acesso em 01 set. 2020.

[11] THE DIPLOMAT. The US ‘New Cold War’ Battle Cry in the South China Sea. Disponível em: <https://thediplomat.com/2020/08/the-us-new-cold-war-battle-cry-in-the-south-china-sea/>, acesso em 01 set. 2020.

[12] THE DIPLOMAT. Will the UK Send Its Aircraft Carrier to the South China Sea?, Disponível em: <https://thediplomat.com/2020/08/will-the-uk-send-its-aircraft-carrier-to-the-south-china-sea/>, acesso em 01 set. 2020.

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Por que a China diz Não à Arbitragem sobre o Mar do Sul da China?

2016/08/10

Em 9 de agosto de 2016, Correio Braziliense publica o artigo composto pelo Embaixador Li Jinzhang: Por que a China diz Não à Arbitragem sobre o Mar do Sul da China?

Sob grande atenção internacional, a farsa da arbitragem sobre o Mar do Sul chegou ao fim. A parte chinesa, desde a primeira hora, manifestou veemente oposição e reiterou sua posição de sempre: a China não aceita nem participa de tal arbitragem e não reconhece, em hipóstese alguma, o seu resultado. Há pessoas que acusem a China de não agir conforme as regras internacionais. Todavia, para chegar à verdade desse assunto, existem duas questões que precisam ser esclarecidas:

Questão 1: que tipo de arbitragem é essa?

O Tribunal de Arbitragem sobre o Mar do Sul da China não tem nada a ver com a Corte Internacional de Justiça (ICJ) das Nações Unidas em Haia. Tanto ONU como ICJ já deixaram isso bem claro nas suas declarações. O julgamento de tal tribunal tem força coerciva? A resposta é negativa, porque o julgamento cometeu pelo menos seis erros: primeiro, o tribunal erra ao considerar que as reivindicações feitas pelas Filipinas se referem a disputas bilaterais atinentes à interpretação ou à aplicação da "Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar" ("a Convenção"); segundo, erra ao exercer jurisdição sobre um assunto que é, na essência, uma questão de soberania territorial e foge do escopo da Convenção; terceiro, erra também ao decidir sobre uma delimitação marítima já excluída pela China dos procedimentos compulsórios, de acordo com a mesma Convenção; quarto, erra ao negar a existência do acordo bilateral para resolver disputas por meio de negociações; quinto, erra ao acreditar que Manila cumpriu a obrigação de "trocar pontos de vista" sobre o tema da arbitragem e sexto, a decisão do Tribunal desvia-se do objetivo e da meta do mecanismo de resolução de controvérsias no âmbito da Convenção, prejudicando, assim, a integridade e a autoridade do documento.

Portanto, é juridicamente bem fundamentada a decisão da China de não aceitar, não participar e não reconhecer a arbitragem. É uma ação condizente com as disposições da legislação internacional marítima, precisamente com o objetivo de defender a seriedade de documentos internacionais como a Convenção. Assim sendo, mais de 70 países já expressaram, de diferentes maneiras, seu apoio e sua compreensão sobre a posição de Beijing nesta questão.

Questão 2:qual seria a solução para o assunto?

O povo chinês está presente na região do Mar do Sul da China há mais de dois mil anos. Até o final dos anos 1960, quando foram descobertos recursos de petróleo e gás na região, a soberania da China sobre essas ilhas era amplamente reconhecida pela comunidade internacional. As práticas diplomáticas dos países, bem como mapas e publicações de prestígio confirmavam que as ilhas pertenciam à China. Desde então, no entanto, as Filipinas e alguns países vêm invadindo e ocupando ilegalmente mais de 40 recifes e ilhas em Nansha. Diante dessa situção, o governo chinês, com grande paciência e auto-controle, fez a proposta de "deixar de lado as disputas e procurar um desenvolvimento conjunto". Firmou acordos bilaterais com os sucessivos governos filipinos para resolver as disputas por meio de negociações. Além disso, publicou, junto com os países da ASEAN, a "Declaração sobre a Conduta das Partes no Mar do Sul da China", promovendo ativamente a definição das regras. São ações concretas para salvaguardar a paz e a estabilidade do Mar do Sul da China.

Com apoio das potências extraregionais, o governo anterior das Filipinas violou os acordos bilaterais, deixou os trilhos das consultas e negociações e apresentou um pedido unilateral de arbitragem compulsória. Isso, por um lado, não vai alterar a soberania territorial e os direitos marítimos da China sobre a região e, por outro, não vai abalar a determinação de Beijing de perseguir o caminho de desenvolvimento pacífico. Como um grande país responsável, a China implementará firmemente sua política de boa vizinhança, tratando os vizinhos como parceiros, em favor dos conceitos de amizade, sinceridade, benefício e inclusão. Fortaleceremos a cooperação de benefício recíproco e a interconectividade com os países vizinhos. Seguiremos o caminho certo para resolver a questão do Mar do Sul da China por meio de negociações, sem recorrer a atalhos malignos como a "arbitragem".