Qual constatação Francis Bacon faz com relação aos resultados de experiências previsíveis

Vanessa Lima Bacilieri de Oliveira

INTRODUÇÃO

O presente artigo adota como tema “Busca do conhecimento. Verdade? Método de conhecimento proposto por Francis Bacon”.

Salta aos olhos a contemporaneidade e, ao mesmo tempo, a elemento histórico que alberga o tema, pois a busca pelo conhecimento e pela verdade real dos fatos sempre repercutirá novas discussões, seja devido ao avanço da sociedade e suas técnicas de conhecimento, seja pela dificuldade de se alcançar uma unanimidade ou até mesmo aceitação serena dos métodos até então conhecidos e estudados.

A correlação do tema proposto e o Direito é indiscutível, posto que no ramo jurídico nada é tão simples e tão evidente, pois mais repetitivo e até mesmo comum. Os atos processuais, a busca por uma decisão justa, que seja condizente com a verdade, nos remete à real importância de um estudo mais aprofundado acerca dos métodos de conhecimento.

Tendo em vista o modelo de trabalho elaborado, artigo, seja por sua limitação de linhas, seja pelo próprio conteúdo, não há de se propor, como nem poderia ser, um estudo sobre todos os métodos, nem tampouco tratar-se-á através neste de todo o método proposto por Francis Bacon.

A proposta deste trabalho é desenvolver, primeiramente, a discussão preliminar do que vem a ser conhecimento e verdade, depois, passa-se à definição do método, traçando de maneira sucinta as suas modalidades, para, posteriormente, alcançar-se o método aqui proposto como viável ao alcance do conhecimento.

Então, o capítulo primeiro vai se ater ao conceito de conhecimento, a sua importância, evolução e modalidades.

O segundo capítulo vai se ocupar da verdade, de forma breve, com a pretensão de propiciar ao leitor uma reflexão sobre a possibilidade / dificuldade do seu alcance.
O terceiro capítulo se limitará à abordagem rápida acerca do método científico, as suas características, bem como o seu processo para o conhecimento.

No quarto e último capítulo, após tecer breves comentários sobre o filósofo Francis Bacon, sua origem, a época em que vivera e suas principais críticas e concepções, será analisado o método por ele proposto, de acordo com as suas peculiaridades e propostas.

Vale esclarecer, por fim, que a escolha do tema decorre da necessidade de alcance da verdade, sendo necessário, para tanto, utilizar-se de um método ou, até mesmo, de métodos de conhecimento.

O intuito almejado não o de induzir os leitores à adoção e filiação ao método aqui proposto, mas tão somente traçar, após breves considerações acerca do que vem a ser conhecimento, verdade e método, a real necessidade de um estudo mais aprofundado acerca dos métodos existentes, para que possamos um dia, quem sabe, nos desvincularmos dos dogmas já existentes.

Necessário se faz ter um pensamento, uma reflexão acerca do que já encontramos pronto, daí porque o intuito não é o de utilizar-se do método aqui abordado de forma irracional, mas sim de analisá-lo, pois a partir daí, a meu ver, poderíamos nos desvincular de alguns “pré-conceitos”, o que já poderíamos considerar um grande avanço à sociedade.

A busca da verdade não é algo tão claro e evidente quanto pensamos ser. Aliás, a facilidade em sua expressão é tamanha que dificilmente chegamos a discutir acerca da sua realização. Será que existe verdade ou será que a verdade é criada? Poderemos, a partir da análise do método analisando neste, chegarmos uma conclusão de, ao menos, indagarmos à realidade / verdade posta.

O presente trabalho é de muita serventia aos operadores do Direito, os quais possuem como instrumento de trabalho “a verdade”, seja a dos fatos, seja a colocada na folha de papel. Desta forma, pretende-se aqui propiciar uma discussão acerca da possibilidade do alcance do conhecimento e, também, da verdade, através do método baconiano, não se limitando, entretanto, à sua delimitação, até mesmo porque é inquestionável que no decorrer do tempo, devido ao advento de novos fatos que são incorporados à realidade social até então vigente, poderão surgir contestações ao que foi definido anteriormente. Aliás, o que se almeja é justamente criar-se uma visão de mutabilidade das coisas, ou seja, pretende-se liberar o indivíduo dos chamados “ídolos”.

1. CONHECIMENTO
1.1 A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO. CONCEITO E EVOLUÇÃO

O conhecimento pode ser definido como tudo aquilo que se agrega ao homem, ou seja, através da observação, da vivência, passa-se à aprendizagem, a qual corresponde à apreensão de dados novos, até então desconhecidos, ou conhecidos de forma diversa.

A abordagem preliminar acerca do conhecimento tornou-se necessária no estudo aqui desenvolvido, pois através da compreensão de suas definições e evolução, chegar-se-á à necessária indagação do que vem a ser verdade, objeto de enfoque no presente.

Citando algumas contribuições acerca do conhecimento, importante trazer à baila os conhecimentos empíricos dos egípcios, os quais foram organizados por Euclides, criador da geometria; Aristóteles, por sua vez, descobriu o movimento circular dos corpos celestes, preparando, portanto, um estudo sobre as ciências naturais, desenvolvendo em Biologia a classificação dos organismos.

A metodologia, por sua vez, foi trazida por Francis Bacon, em seu livro de lógica denominado “Organum”, por volta de 1620, se referindo ao método científico, o qual se iniciara com a observação e experimentação.

Posteriormente, foi publicada por Descartes a obra “Discurso do método”, diante da qual defende a obtenção da verdade por meio de procedimentos racionais, daí o seu dado: “Penso, logo existo”.

Outra contribuição para o avanço do conhecimento foi trazida por Galileu Galilei, o qual se ocupou da matemática nas ciências positivas.

O conhecimento foi se desenvolvendo, prosseguindo com o advento de novos pensadores, que foram pouco a pouco contribuindo para a obtenção de novos dados / novos métodos e conceitos.

Como bem observa Pedro Demo em sua obra:
“Para teoria e a prática da aprendizagem reconstrutiva é fundamental a concepção de conhecimento como projeto aberto, entre outras coisas, porque aproxima o conhecimento da sabedoria à medida que se trata de tomar os limites como desafios e os desafios como horizontes limitados.”

E prossegue:
“Não vamos aqui discutir o que seria sabedoria. Aceitamos como a arte de lidar com limites e desafios de maneira inteligente, de modo flexível, maleável, aproximativo, como todo processo aberto de aprendizagem. Não deixa de ser surpreendente que o produto mais fundamental da história humana – o conhecimento científico -, pelo menos em termos de gestação da capacidade de conduzir a própria história, seja instrumento para fabricar incertezas. Inova tanto porque inova a si mesmo. Nada faz que não venha a desconstruir. O conhecimento é a prova do contundente da capacidade criativa humana, bem como a indicação mais decisiva da sua limitação. O conhecimento mais profundo é aquele que “sabe o quanto ainda não sabe”. O conhecimento é máquina de aprender.”.

Ora, o conhecimento não se esgota em si mesmo, em verdade, ele existe como meio de aprendermos e apreendermos novos conceitos.

Ainda sob o enfoque trazido por Paulo Demo em sua obra, imagina-se que o conhecimento não resolverá, ainda que possamos crer, os nosso problemas, e assim aduz:

“O conhecimento resolverá os nossos problemas? Uma “explosão” de conhecimento reduzirá a dureza da vida e nos fará justos, virtuosos e livres? A história sugere que o Ocidente aceitou essa aposta otimista, embora não sem dúvidas ou mau pressentimentos. Cremos que o cultivo e a circulação livre de idéias, opiniões e bens por toda a sociedade (educação, escolarização, pesquisa científica, comércio, artes e mídia) a longo prazo irão promover nosso bem-estar. Cremos também que podemos deter os males sociais e políticos nos quais esses mesmos empreendimentos culturais se lançaram. Ao final do segundo milênio, creio termos chegado à crise em nossa longa pretensão de reconciliar liberação com limites” (p.6). Hoje, não reconhecemos mais nenhuma restrição para a liberdade ou o direito de conhecer… Seria curiosidade o impulso humano que jamais deveria sofrer limitações? Estranha sensação: o processo de liberação, para ocorrer adequadamente, precisa de abertura incondicional; porém, essa abertura incondicional pode acenar-nos, mais à frente, com abismo ou forças que escapariam de nossas mãos. Como o próprio conhecimento… “•”.

Desmascarando a visão de conhecimento como algo que remeterá a sociedade à salvação, ou seja, à solução de todos os problemas, o autor faz ressalva ao perigo que pode ser alcançado através do conhecimento, de modo que em outro trecho da sua obra, fazendo menção ao texto bíblico, cita a árvore do conhecimento, a qual, uma vez conhecida, determinou a capacidade de consciência crítica sem retorno e o pecado.

Não se propõe, por óbvio, o aniquilamento do conhecimento. Há de reconhecer a importância do conhecimento, que leva, sem sobra de dúvidas, a uma melhoria do bem estar social, a depender de quem detenha e como se utilize tal saber.

Em outro trecho da mesma obra supra transcrita, ao citar Sócrates, afirma-se:

“(…) só a ignorância consciente de si mesma é conhecimento verdadeiro; contudo, é contraditória, porque, reconhecendo isto, as pessoas querem saber mais.”
E acrescenta:

“O conhecimento, todavia, foi criando seu próprio templo, a universidade. Shattuck recorda, então, Jefferson, ao criar a Universidade de Virginia (1820), dizendo: “Esta instituição será baseada na liberdade ilimitada da mente humana. Aqui não temeremos em seguir a verdade onde ela estiver, nem tolerar qualquer erro até onde a razão puder combatê-lo” (p.35). Sapere aude (Ouse saber)! Jefferson ignorava, contudo, as cautelas de Kant – não é possível conhecer tudo, porque um ser condicionado não pode produzir algo incondicionado. Talvez a conotação mais aceitável fosse a de agnóstico: “ A mente humana sozinha não pode conhecer a “verdadeira” realidade por trás das aparências” (p.40). Isto, porém, acrescenta apenas um ceticismo gentil – não aceitar nada sem demonstração e ir atrás do conhecimento melhor fundado possível. Assim, ao lado do sapere aude, aparece o ignorabimus (ignoraremos) – a certeza de que ignoraremos muitas coisas. (…).”

Será que poderíamos nos filiar à tese de que não haveria verdade final?

No que tange às citadas aparências, este é o elo do presente trabalho, já que busca-se desenvolver uma discussão, através da análise do método baconiano, sobre o alcance do conhecimento, através da retirada de todos os preconceitos, aí incluindo as aparências, pois nem tudo que se vê corresponde ao seu olhar.

Finalizando as breves considerações acerca do conhecimento, é de suma importância a citação abaixo, veja:

“É imperioso reconhecer que vivemos na neblina da incerteza: “Um dos dados mais básicos da humanidade é a sua profunda ignorância sobre nós mesmos e daqueles mais próximos de nós.” (p.166). Envolve-nos o “véu da ignorância”, mas existe, certamente, o outro lado, muito positivo: “O conhecimento aberto, como realização moderna, parece ter deixado para trás a tradição do conhecimento esotérico reservado a iniciados. Hoje, o princípio do conhecimento aberto e da circulação livre de todos os bens e idéias estabaleceu-se tão firmemente no Ocidente que quaisquer reservas sobre tal assunto são usualmente vistas como política e intelectualmente reacionárias. Todavia, as histórias examinadas nos capítulos precedentes demonstraram de diversos modos que o princípio do conhecimento aberto não acabou em todo lugar como princípio do conhecimento proibido.” (p. 167). Reaparece sempre no contexto da explosão do conhecimento, da ciência e da tecnologia como nossas armas mais potentes de interferência na realidade e na história humanas. Representaria a pesquisa científica, garantida pelo suporte imenso tecnológico e político, o pecado último da civilização Ocidental? Basta relembrar o sentimento de culpa após o lançamento da bomba atômica. Mesmo assim, “não se reconheceria nenhum caso em que a ignorância devesse ser preferida ao conhecimento – especialmente se o conhecimento for terrível” (p. 177). Ainda que existisse o cientista realmente interessado na verdade, nunca seria o caso propor limites e muito menos censura. Entretanto, “os argumentos em favor da liberdade irrestrita fazem parte da pesquisa científica básica, não das aplicações tecnológicas da ciência” (p. 180). Assim, predomina o lado comercial e interesseiro, como é o caso notório das patentes. Já não se distingue entre ciência pura e aplicada. A sociedade deveria determinar o passo da inovação científica básica, mas não o seu direcionamento. A censura ideológica não poderia ser aceita, mas a sociedade tem o direito de exigir que se pesquise sobretudo o que a ela interessa, não apenas ao mercado. “A ignorância fundamental no meio de nosso conhecimento florescente provê a base moral para andar devagar na escuridão e para resistir tanto ao impulso do reducionismo quanto ao do encanto da teoria grande” (p. 209).

Não se pode esquecer do traço ambivalente do conhecimento. Inventado para acabar com as dúvidas, na verdade é delas que se alimenta.”

1.2 MODALIDADES DE CONHECIMENTO

A classificação do conhecimento se distingue por autores, de modo que escolheu-se a seguinte subdivisão neste artigo: a) conhecimento filosófico; b) conhecimento teológico; c) conhecimento empírico e; d) conhecimento científico.

1.2.1 Conhecimento Filosófico

Destaca-se nesta modalidade de conhecimento Sócrates e Platão. Busca-se, através da filosofia, desenvolver no ser humano a possibilidade de reflexão, bem como a capacidade de raciocínio.

Distingue-se do método científico pelo objeto de investigação e método, tendo a constituição da realidade mediata como seu objeto, ou seja, aquilo que não é perceptível pelos sentidos e que, por serem de ordem supra-sensíveis, ultrapassam a experiência.

1.2.2 Conhecimento Teológico

Tal modalidade de conhecimento se apóia em proposições sagradas (valorativas), por terem sido reveladas pelo sobrenatural (inspiracional) e, por tal razão, tais verdades são tidas como infalíveis e indiscutíveis (exatas).

Constitui-se pelo conjunto de verdades que os homens alcançaram através da aceitação de dados da revelação divida e não da sua inteligência. A base de aceitação reside na lei suprema da inteligência, qual seja: aceitar a verdade, venha de onde vier, desde que legitimamente adquirida.

1.2.3 Conhecimento Empírico

O conhecimento empírico caracteriza-se por ser adquirido independentemente de estudos, de pesquisas, de reflexões ou de aplicações de métodos.

Usualmente, é concebido através do cotidiano, por meio de experiências vivenciadas ou transmitidas de pessoa para pessoa, bem como pode derivar de experiências casuais, pelos erros e acertos.

É vulgarmente conhecido como o conhecimento do povo, ou seja, obtido ao acaso, após inúmeras tentativas.

Em obra de Amado Luiz Cervo, encontra-se a descrição de tal tipo de conhecimento:

“Pelo conhecimento empírico, o homem conhece o fato e sua ordem aparente, tem explicações concernentes à razão de ser das coisas e dos homens e tudo isso obtido das experiências feitas ao acaso, sem método, e de investigações pessoais feitas ao sabor das circunstâncias da vida ou então sorvido do saber dos outros e das tradições da coletividade ou, ainda, tirado da doutrina de uma religião positiva.”

1.2.4 Conhecimento Científico

Indo além do conhecimento empírico, o conhecimento científico busca conhecer não só o fenômeno, como também as suas causas e leis.

Possui como caractere a presença do acolhimento metódico e sistemático dos fatos da realidade sensível, ou seja, através da classificação, comparação, aplicação dos métodos, análise e síntese, o pesquisador extrairá do contexto social, ou do universo, princípios e leis que estruturam um conhecimento rigorosamente válido e universal.

Constitui um conhecimento contingente, haja vista que suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou falsidade conhecida através da experiência e não através da razão, tal como ocorre no conhecimento filosófico.

Ademais, trata-se de um conhecimento sistemático, já que corresponde a um saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias, bem como trata-se de um conhecimento com caráter de verificabilidade, vez que acaso as afirmações não possam ser com,provadas, as mesmas não são consideradas ciência.

2. A VERDADE: QUAL O SEU ALCANCE? UTOPIA? NECESSIDADE?

Ultrapassando a conceituação do que vem a ser conhecimento e suas modalidades, cumpre esclarecer, também de forma preliminar, o conceito e extensão da verdade, bem como as diversas teses quanto à possibilidade do seu alcance.

A palavra verdade possui muitas acepções, de modo que o seu alcance é pretendido por todos, principalmente pelos operadores do Direito, os quais buscam através dela a imposição da Justiça esperada. Mas será que a verdade existe ou não passa de mera utopia o seu alcance? Seria a verdade algo criado?

Na obra de Amado Luiz Cervo e Pedro Alcino Bervian, a verdade é assim traduzida:
“Todos falam, discutem e querem estar com a verdade. Nenhum mortal, porém, é o dono da verdade. Isto porque o problema da verdade radica da finitude do homem, de um lado, e na complexidade e ocultamento do ser da realidade, de outro lado. O ser das coisas e objetos que o homem pretende conhecer oculta-se e manifesta-se sob múltiplas formas. Aquilo que se manifesta, que aparece em dado momento, não é, certamente, a totalidade do objeto, da realidade investigada. O homem pode apoderar-se e conhecer aquele aspecto do objeto que se manifesta, que se impõe, que se desvela e isso ainda de modo humano, isto é, imperfeito, pois não entra em contato com o objeto, mas apenas com sua representação e impressões que causa. Mas a realidade toda jamais poderá ser captada por um investigador humano, quiçá, nem todos juntos alcançarão um dia desvendar todo este mistério. Isto, porém, não invalida o esforço humano na busca da verdade, na procura incansável de decifrar os enigmas do universo. O ser desvela aqui, acolá, numa e noutra área, com mais ou menos intensidade, mais para uns que para outros… (…).”

Será que a verdade é mesmo algo inalcançável ou poderíamos imaginar um método de conhecimento que possa nos remeter a ela? Será que a noção de verdade como algo inimaginável não advém das antigas noções trazidas, seja pela religião, seja pela cultura? A verdade, enquanto conhecimento em si, deve ser buscada?

Ainda que distanciados do método científico a ser abordado através deste artigo, método baconiado, apenas a título de contribuição dos pensadores acerca do que vem a ser verdade, em sua obra, “A ilusão da Justiça”, Hans Kelsen, ao fazer referência a Platão, assim a descreve:

“O que significa “verdade” para Platão há de se evidenciar com a máxima nitidez em sua teoria do conhecimento, conforme desenvolvida no IvIénon e no Pedro. Dois momentos caracterizam essa teoria do conhecimento: ela é, em sua essência, orientada eticamente, e tem um pronunciado caráter metafísico-religioso. É já significativo que, no Mênon, a exposição da teoria platônica do conhecimento tenha como ponto de partida a questão acerca do conceito de virtude. Aquilo para que se volta o conhecimento, cuja teoria é ali apresentada, é a virtude, ou seja, não tanto a realidade empírica, mas, antes, o valor moral”.

“O que defende, então, o Sócrates platônico? ‘Que, na crença na necessidade de investigar aquilo que não sabemos, sejamos mais hábeis e viris, menos indolentes do que na crença na impossibilidade de encontrar o que não sabemos e na inadmissibilidade de investigá-lo – eis aí o que defendo com todas as minhas forças, com palavras e ações.’ Se é verdadeira essa teoria do conhecimento, é incerto; certo é apenas que aquele que a adota torna-se “mais hábil e viril, menos indolente”. E decisivo não o seu valor em termos de conhecimento, mas seu valor moral.”

Descartes, em sua obra, “Discurso do método e regras para a direção do espírito”, busca a verdade através do rompimento de antigos fundamentos, estabelecendo, para tanto, três máximas, compondo uma moral provisória, até que encontrasse as verdades. A primeira consistia em aceitar as leis, costumes e a religião de seu país, pois seriam mais fáceis o convívio em sociedade e a crítica das opiniões postas, uma vez que o conhecimento aprofundado de determinado argumento, mais simples e coerente se torna a crítica. A segunda máxima se referia em ser tão resoluto e firme em suas ações – mesmo que pairasse sobre elas certa dúvida – como se tivesse plena segurança do que fazia. Dessa forma, seguiria um rumo com retidão, sem vacilar por argumentos fracos; tomada certa afirmação como verdadeira, iria considerá-la como tal, posto que constitui a prática da vida, livrando o homem dos remorsos e arrependimentos que atormentam os espíritos dos homens. A terceira consiste em fazer o melhor possível para alcançar seus objetivos, a ponto de afirmar que aquilo que não se tem, que não se consegue, é, simplesmente, algo impossível para aquela pessoa.

Contudo, de acordo com Francis Bacon, a verdade só é alcançável através de duas possibilidades, quais sejam:

“Só há e só pode haver duas vias para a busca cuidadosa e para a descoberta da verdade. Uma lança-se das sensações e dos particulares aos axiomas mais gerais e, desses princípios, cuja verdade considera estabelecida e inamovível, procede ao juízo e à descoberta de axiomas intermediários. Esta é a que está agora em voga. A outra deriva axiomas dos sentidos e dos particulares, elevando-se por ascensão gradual e ininterrupta, de modo que chega, em último lugar, aos axiomas mais gerais. Esta é a via verdadeira, porém ainda não tentada.”

Portanto, para Francis Bacon, a descoberta da verdade é conseguida pelo escrutínio da experiência, pela indução que segue cuidadosamente passo a passo até obter evidências experimentais suficientes para sustentar suas generalizações. Os critérios finais da explicação verdadeira, desse ponto de vista, só podem ser empíricos. Não basta que nossas idéias sobre um acontecimento sejam claras e demonstradamente coerentes com quaisquer premissas que nos pareçam racionalmente últimas; somente quando nossa troca perceptiva com a experiência aprova completamente uma idéia, por meio dos mais cautelosos e perquiridores exercícios do olhar, do ouvir, do tocar etc., podemos afirmar sua verdade.

Apesar de distintos os caminhos propostos para se alcançar a verdade, limita-se este capítulo à sua conceituação, trazendo, para tanto, aos leitores, a indagação quanto a sua existência, bem como a necessidade de alcançá-la.

Conforme será adiante aprofundado, de acordo com a proposta aqui defendida, o pensamento baconiado traz consigo uma maior “pureza” na aquisição do conhecimento, por alimentar-se da retirada dos preconceitos culturais, bem como os individuais dos seres humanos. Tem-se, portanto, que eliminar os chamados “ídolos”, consoante restará analisado em tópico específico sobre o método.

3. MÉTODO CIENTÍFICO

3.1 CONCEITO
Primeiramente, cumpre esclarecer o conceito de método, o qual corresponde ao caminho que deve se impor aos diferentes processos necessários para o alcance de um determinado fim ou resultado almejado. Nas ciências, o método corresponde ao conglomerado de processos que o homem deve empregar na investigação e demonstração da verdade.

“(…) método (do grego mhétodos, caminho para chegar a um fim (…)”

“Sublinha Ackoff: ‘Assim, enquanto as técnicas utilizadas por um cientista são fruto de suas decisões, o modo pelo qual tais decisões são tomadas depende de suas regras de decisão. Métodos são regras de escolha; técnicas são as próprias escolhas’ (…) procedimento que permite seleção do melhor dentre vários possíveis procedimentos”.

Vale salientar que:
“O método não se inventa. Depende do objeto da pesquisa. Os sábios, cujas investigações foram coroadas com êxito, tiveram o cuidado de anotar os passos percorridos e os meios que os levaram aos resultados. (…).”

E acrescenta:
“Deve-se disciplinar o espírito, excluir das investigações o capricho e o acaso, adaptar o esforço às exigências do objeto a ser estudado, selecionar os meios e processos mais adequados. Tudo isso é dado pelo método. Assim, o bom método torna-se fator de segurança e economia.”

Por fim, assim aduz o autor:
“O método é apenas um conjunto ordenado de procedimentos que se mostram eficientes, ao longo da História, na busca do saber. O método científico é, pois, um instrumento de trabalho. O resultado depende de seu usuário.”

3.2 PROCESSO DO MÉTODO CIENTÍFICO

O método científico se propõe a utilizar a racionalidade, daí porque se preocupa com o que é e não com o que deve ser o objeto.

O método científico se inicia pela observação, em seguida, parte para a seleção para delimitação do objeto da investigação, ulteriormente, segue para a experimentação.

De mais forma mais detalhada, explicita os autores, Amado Luiz Cervo e Pedro Alcino Bervian:
“Toda investigação nasce de algum problema observado ou sentido, de modo que não pode prosseguir, a menos que se faça uma seleção da matéria a ser tratada. Esta seleção requer alguma hipótese ou pressuposição que irá guiar e, ao mesmo tempo, delimitar o assunto a ser investigado. Daí o conjunto de processos ou etapas de que serve o método científico, tais como a observação e coleta de todos os dados possíveis, a hipótese que procura explicar provisoriamente todas as observações de maneira mais simples e viável, a experimentação que dá ao método científico também o nome de método experimental, a indução da lei que fornece a explicação ou o resultado de todo o trabalho da investigação, a teoria que insere o assunto tratado num contexto mais amplo. O método científico aproveita ainda a análise e a síntese, os processos mentais da dedução e indução, processos esses comuns a todo o tipo de investigação, quer experimental, quer racional. “Em suma, método científico é a lógica geral, tácita ou explicitamente empregada para apreciar os méritos de uma pesquisa.”.”

Como dito alhures, o que vai determinar o método a ser empregado será o objeto investigado. Contudo, a maioria das técnicas do método científico são empregadas tanto ao método experimental, quanto ao racional, senão vejamos as etapas.

3.2.1 Observação
Entende-se por observação a apreensão do objeto através dos sentidos, a fim de adquirir um conhecimento claro e preciso.

Contudo, fica aqui registrada a ressalva para a necessidade de cautela quanto a esta fase do processo, vez que nem sempre o que os nossos órgãos sensoriais captam condiz com a realidade da coisa, como será adiante explanado, ao tratar-se do método baconiano.

Ademais, faz-se mister o uso de instrumentos pelos cientistas, seja para aumentar o alcance, a precisão e até mesmo que possam suprir os próprios sentidos dos indivíduos.

Como regras da observação, traça-se a atenção, exatidão, completude, precisão, como também deve ser sucessiva e metódica.

3.2.2 Hipótese

A hipótese representa uma suposição da verdade ou uma explicação buscada. Tal suposição tem que ser verossímil, podendo ser comprovada ou denegada através dos fatos, sendo que posteriormente tais fatos serão confirmados ou falseados.

Tem como função orientar o pesquisador, dirigindo-o à direção do provável, bem como coordenar e completar os resultados já obtidos.

3.2.3 Experimentação

A experimentação consiste, por sua vez, no conjunto de processos utilizados para a verificação das hipóteses.

“O princípio geral em que se fundamentam os processos de experimentação é o do determinismo, que se anuncia assim: nas mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos – ou ainda – as leis da natureza são fixas e constantes.”

Francis Bacon sugeriu algumas regras para a experimentação, quais sejam: “1. Alargar a experiência: é aumentar, pouco a pouco e tanto quanto possível, a intensidade da suposta causa para ver se a intensidade do fenômeno (= efeito) cresce na mesma proporção; 2. Variar a experiência: é aplicar a mesma causa a objetos diferentes; 3. Inverter a experiência: consiste em aplicar a causa contrária da suposta causa a fim de ver se o efeito contrário se produz. Esta contraprova experimental faz com que as experiências negativas sucedam ás positivas. Assim, depois de decompor a água pela análise, inverte-se a experiência, fazendo a síntese a partir do hidrogênio e do oxigênio;

4. Recorrer aos casos da experiência. Por vezes, é preciso recorrer aos casos da experiência de ensaio, “a fim de procurar pescar em águas turvas”, como diz Claude Bernard:.”

A experimentação pode se proceder de diversas formas na prática. Primeiramente, através do método das coincidências constantes (Tábuas de Bacon), o qual informa que o antecedente causal de um fenômeno estará unido a este por uma relação de sucessão constante e invariável. Trata-se, aqui, do fenômeno considerado necessário e suficiente para provocar outro fenômeno.

Posteriormente, tem-se a coincidência constante e solitária, a qual possui enorme valor negativo, já que para a sua constatação, isola-se o fenômeno de todos os seus antecedentes, exceto um, a fim de verificar se é o antecedente necessário, ou seja, a sua causa.

Por último, há o método de exclusão de Stuart Mill, que se caracteriza pela determinação da causa através da coincidência solidária.

Como visto, através da experimentação busca-se a causa de determinado fenômeno.

Contudo, será objeto de abordagem no próximo capítulo o estudo da experimentação proposta por Francis Bacon, através da análise do seu método de conhecimento.

3.2.4 Indução
O argumento indutivo caracteriza-se pela generalização de propriedades comuns a certo número de casos, a todas as ocorrências de fatos similares que se verificam no futuro.

A indução e a dedução são processos que se complementam, de modo que, na prática, recorre-se a ambos os instrumentos para fins de demonstração da verdade nas proposições submetidas à investigação.

3.2.5 Dedução

A dedução, por conseguinte, tem o condão de tornar explícitas verdades particulares contidas em verdades universais. Para tanto, tem-se como ponto de partida o antecedente, que afirma uma verdade universal e ponto de chegado o conseqüente, que informa uma verdade menos universal ou particular contida no antecedente.

3.2.6 Análise e síntese

A análise significa a decomposição do todo em partes, enquanto que a síntese vai pela mão inversa, ou seja, compõe as partes para reconstituir o todo.

A análise e a síntese se complementam, na medida em que desmembrando as partes, pode-se analisar melhor o objeto, através da redução do problema proposto ao mais simples e, em contrapartida, para torna-lo completo, imprescindível a síntese.

3.2.7 Teoria

Atingindo tal fase, alcança-se o resultado da ciência. Difere-se da hipótese por já ter sido sujeita a experimentação, diferentemente daquela.

Através das teorias, busca-se coordenar e unificar o saber científico.

3.2.8 Doutrina
Correspondente ao encadeamento de correntes, a doutrina propõe medidas para a ação, ou seja. Para a sua elaboração, necessário se faz a busca de argumentos nas mais variadas fontes, seja ela moral, filosófica, política, etc.

4. MÉTODO BACONIANO

4.1 FRANCIS BACON
Primeira figura da filosofia pós-medieval da Grã-Betanha, Francis Bacon se apresenta como fundador da ciência moderna, colocando como importâncias a observação e a experiência na concepção de um novo método indutivo.

Foi no período de grandes mudanças, entre a metade do século XVI e a metade do século XVII, momento de consolidação da passagem do catolicismo ao protestantismo, em que houve forte expansão industrial, com grande força política na Inglaterra, sendo centro de conflitos culturais que viveu Francis Bacon, o qual, influenciado pelo espírito de seu tempo, defendia a aplicação da ciência à indústria, estando ela a serviço do progresso.

Foi um jurista e ocupou diversos cargos públicos no desempenho da atividade política, ao passo que, em contrapartida, dedicou parte do seu tempo à reflexão sobre o conhecimento e a melhor maneira de aplicá-lo a serviço do homem, daí porque estabelece uma estreita união entre a ciência e técnica, com o fito de garantir o reinado do homem sobre a natureza.

O pensamento introduzido por Francis Bacon representa a tentativa de realizar aquilo que ele mesmo chamou de Instauratio magna (Grande restauração), a qual compreendia uma série de tratados que, partindo do estado em que se encontrava a ciência da época, acabaria por apresentar um novo método que deveria superar e substituir o de Aristóteles.

Desejava uma reforma completa do conhecimento, de modo que tal reforma era justificada através da crítica à filosofia anterior (especialmente a Escolástica), considerada estéril por não apresentar nenhum resultado prático para a vida do homem. Seguindo a direção inversa, o conhecimento científico, conforme Francis Bacon, tem por finalidade servir o homem e dar-lhe poder sobre a natureza.

Propôs, então, um método que, a seu ver, proporcionaria a construção de um conhecimento adequado dos fenômenos.

Asseverava que o bem-estar do homem estava inteiramente atrelado ao controle científico obtido por ele sobre a natureza a partir do conhecimento das suas leis, que o levasse à facilitação da sua vida. Tal postura encontra-se registrada em trecho contido em sua obra “Novum Organum”, vejamos:

“(…) a nossa disposição é de investigar a possibilidade de realmente estender os limites do poder ou da grandeza do homem e tornar mais sólidos os seus fundamentos. (Novum organum, I, afor. 116) Em primeiro lugar, parece-nos que a introdução de notáveis descobertas ocupa de longe o mais alto posto entre as ações humanas (…).

(…) Mas se alguém se dispõe a instaurar e estender o poder e o domínio do gênio humano sobre o universo, a sua ambição (se assim pode ser chamada) seria, sem dúvida, a mais sábia e a mais nobre de todas. Pois bem, o império do homem sobre as coisas se apóia, unicamente, nas artes e nas ciências. A natureza não se domina, senão obedecendo-lhe. (Novum organum, I, afor. 129).

Vê-se, portanto, o aspecto funcional do conhecimento na visão baconiana, ou seja, para ele, a finalidade do saber reside enquanto estiver a serviço do homem, ainda que de forma mediata. Ou seja, para Francis Bacon, não era necessário que o conhecimento possuísse uma finalidade imediata para homem; imprescindível estar direcionado a atender às necessidades daquele, como pode ser depreendido através do trecho abaixo transcrito:

(…) a esperança de um ulterior progresso das ciências estará bem fundamentada quando se recolherem e se reunirem na história natural muitos experimentos que em si não encerram qualquer utilidade, mas que são necessários na descoberta das causas e dos axiomas. A esses experimentos costumamos designar por lucíferos, para diferencia-los dos que chamamos de frutíferos. (Novum organum, I, afor. 99).

A partir desta concepção utilitarista do conhecimento, Francis Bacon adotou como ponto de partida o desvínculo do homem aos então denominados “ídolos”, como será no próximo tópico, acerca do método por ele proposto.

4.2 MÉTODO BACONIANO

Francis Bacon se utiliza do método indutivo, de modo que, contudo, cumpre salientar a distinção do seu método à indução propagada por Aristóteles, pois este último procede à enumeração de casos particulares para deles extrair o geral, conforme destaque abaixo:

“LXIII – O mais conspícuo exemplo da primeira é o de Aristóteles, que corrompeu com sua dialética a filosofia natural (…) Pois Aristóteles estabelecia antes as conclusões, não consultava devidamente a experiência para estabelecimento de suas resoluções e axiomas. E tendo, ao seu arbítrio, assim decidido, submetia a experiência como a uma escrava para conformá-la às suas opiniões. Eis por que está a merecer mais censuras que os seus seguidores modernos, os filósofos escolásticos, que abandonaram totalmente a experiência.”

Para Bacon, a indução utilizada é a chamada “indução por subtração” ou eliminação sistemática de experiências não contundentes, de modo que a verdade só possa ser afirmativa a partir de um longo processo de exclusão, que para ele nada prova que um dia se acabe.

O único método que possibilitaria, para tal filósofo, a instauração e o progresso da ciência residiria na relação travada entre a razão e a experiência, é a indução, posto que apenas a experiência é capaz, segundo a sua concepção, de proporcionar novos conhecimentos.

Veja-se trecho:
“XCV – Os que se dedicaram às ciências foram ou empíricos ou dogmáticos. Os empíricos, à maneira das formigas, acumulam e usam as provisões; os racionalistas, à maneira das aranhas, de si mesmos extraem o que lhes serve para a teia. A abelha representa a posição intermediária: recolhe a matéria prima das flores do jardim e do campo e com seus próprios recursos a transforma e digere. Não é diferente o labor da verdadeira filosofia, que se não serve unicamente das forças da mente, nem tampouco se limita ao material fornecido pela história natural ou pelas artes mecânicas, conservado inato na memória. Mas ele deve ser modificado e elaborado pelo intelecto. Por isso muito se deve esperar da aliança estreita e sólida (ainda não levada a cabo) entre essas duas faculdades, a experimental e a racional.”

Para Francis Bacon, a indução existe e revela toda a sua fecundidade enquanto método para o alcance do conhecimento em razão das chamadas “tabelas de comparecimento”, as quais tornar-se-ão um modelo para o método experimental.

As tabelas de comparecimento consistem em: “1. a tabela de presença, que registra os casos em que o fenômeno é observado; 2. a tabela de ausência, em que o fenômeno não se apresenta apesar de um contexto similar;

3. a tabela de grau ou de comparação, que permite relacionar o objeto observado a uma escala e medir o grau sob certo aspecto.”

Segundo o pensamento baconiano, registra-se a preocupação com as falsas noções, a que ele denomina de “ídolos”, as quais impediam o alcance da verdade e, consequentemente, a produção do conhecimento que fosse de serventia ao homem. Para ele, são quatro os erros que o homem pode cometer ao produzir o conhecimento, se seguir o seu impulso natural, senão vejamos trecho da sua obra:

“XXXIX – São de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana. Para melhor apresentá-los, lhes assinamos nomes, a saber: Ídolos da Tribo; Ídolos da Caverna; Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro. XL – A formação de noções e axiomas pela verdadeira indução é, sem dúvida, o remédio apropriado para afastar e repelir os ídolos. Será, contudo, de grande préstimo indicar no que consistem, posto que a doutrina dos ídolos tem a ver com a interpretação da natureza o mesmo que a doutrina dos elencos sofísticos com a dialética vulgar. XLI – Os ídolos da tribo estão fundados na própria natureza humana, na própria tribo ou espécie humana. E falsa a asserção de que os sentidos do homem são a medida das coisas. Muito ao contrário, todas as percepções, tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza humana e não com o universo. O intelecto humano é semelhante a um espelho que reflete desigualmente os raios das coisas e, dessa forma, as distorce e corrompe. XLII – Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto indivíduos. Pois, cada um — além das aberrações próprias da natureza humana em geral — tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza: seja devido à natureza própria e singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros; seja pela leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram; seja pela diferença de impressões, segundo ocorram em ânimo preocupado e predisposto ou em ânimo equânime e tranqüilo; de tal forma que o espírito humano — tal como se acha disposto em cada um — é coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, e até certo ponto sujeita ao acaso. Por isso, bem proclamou Heráclito que os homens buscam em seus pequenos mundos e não no grande ou universal. XLIII – (…) os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto. (…) as palavras forçam o intelecto e o perturbam por completo. E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis controvérsias e fantasias. XLIV – Há, por fim, ídolos que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da demonstração. São os ídolos do teatro: por parecer que as filosofias adotadas ou inventadas são outras tantas fábulas, produzidas e representadas, que figuram mundos fictícios e teatrais. Não nos referimos apenas às que ora existem ou às filosofias e seitas dos antigos. Inúmeras fábulas do mesmo teor se podem reunir e compor, por que as causas dos erros mais diversos são quase sempre as mesmas. XLV – O intelecto humano, mercê de suas peculiares propriedades, facilmente supõe maior ordem e regularidade nas coisas que de fato nelas se encontram. XLVI – O intelecto humano, quando assente em uma convicção (ou por já bem aceita e acreditada ou porque o agrada), tudo arrasta para seu apoio e acordo. E ainda que em maior número, não observa a força das instâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo a distinções, põe-nas de parte e rejeita, não sem grande e pernicioso prejuízo. (…) Esse mal se insinua de maneira muito mais sutil na filosofia e nas ciências. Nestas, o de início aceito tudo impregna e reduz o que segue. até quando parece mais firme e aceitável. (…) o intelecto humano tem o erro peculiar e perpétuo de mais se mover e excitar pelos eventos afirmativos que pelos negativos, quando deveria rigorosa e sistematicamente atentar para ambos. Vamos mais longe: na constituição de todo axioma verdadeiro, têm mais força as instâncias negativas. XLIX – (…) inúmeras são as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre imperceptivelmente, se insinua e afeta o intelecto. L – Na verdade, os sentidos, por si mesmos, são algo débil e enganador, nem mesmo os instrumentos destinados a ampliá-los e aguçá-los são de grande valia. E toda verdadeira interpretação da natureza se cumpre com instâncias e experimentos oportunos e adequados, onde os sentidos julgam somente o experimento e o experimento julga a natureza e a própria coisa. LI – O intelecto humano, por sua própria natureza, tende ao abstrato, e aquilo que flui, permanente lhe parece. Mas é melhor dividir em partes a natureza que traduzi-la em abstrações. LII – Tais são os ídolos a que chamamos de ídolos da tribo, que têm origem na uniformidade da substância espiritual do homem, ou nos seus preconceitos, ou bem nas suas limitações, ou na sua contínua instabilidade; ou ainda na interferência dos sentimentos ou na incompetência dos sentidos ou no modo de receber impressões. LIII – Os ídolos da caverna têm origem na peculiar constituição da alma e do corpo de cada um; e também na educação, no hábito ou em eventos fortuitos. LIV – Os homens se apegam às ciências e a determinados assuntos, ou por se acreditarem seus autores ou descobridores, ou por neles muito se terem empenhado e com eles se terem familiarizado. LV – A maior e talvez a mais radical diferença que distingue os enge nhos, em relação à filosofia e às ciências, está em que alguns são mais capazes e aptos para notar as diferenças das coisas, outros para as suas semelhanças. LVI – É desse modo que se estabelecem as preferências pela Antiguidade ou pelas coisas novas. Poucos são os temperamentos que conseguem a justa medida, ou seja, não desprezar o que é correto nos antigos, sem deixar de lado as contribuições acertadas dos modernos. LVIII – Essa seja a prudência a ser adotada nas especulações para que se contenham e desalojem os ídolos da caverna, os quais provêm de alguma disposição predominante no estudo, ou do excesso de síntese ou de análise, ou do zelo por certas épocas, ou ainda da magnitude ou pequenez dos objetos considerados. LIX – Os ídolos do foro são de todos os mais perturbadores: insinuam-se no intelecto graças ao pacto de palavras e de nomes. Os homens, com efeito, crêem que a sua razão governa as palavras. (…) Daí suceder que as magnas e solenes disputas entre os homens doutos, com freqüência, acabem em controvérsias em torno de palavras e nomes, caso em que melhor seria (conforme o uso e a sabedoria dos matemáticos) restaurar a ordem, começando pelas definições. LX – Os ídolos que se impõem ao intelecto através das palavras são de duas espécies. u são nomes de coisas que não existem (…), ou são nomes de coisas que existem, mas confusos e mal determinados e abstraídos das coisas, de forma temerária e inadequada. (…) Mais deficientes são as palavras que designam ação, tais como: gerar, corromper, alterar.

LXI – Por sua vez, os ídolos do teatro não são inatos, nem se insinuaram às (Grifo nosso).

De forma resumida, pode-se concluir que os ídolos da tribo correspondem às falhas inerentes à própria natureza humana, estando ligadas ao sentido e ao seu intelecto, sendo que as informações trazidas por este meio só podem ser corrigidas através da experimentação.

No que tange aos “ídolos da caverna”, estes correspondem a distorções que se podem interpor no caminho da verdade, em virtude de características individuais dos cientistas, sendo tais distorções oriundas da história de vida de cada um, de seu ambiente, formação, hábitos, bem como estado de espírito.

Os “ídolos do foro” estão ligados às falhas decorrentes do uso da linguagem e da comunicação entre os indivíduos, posto que as palavras limitam a concepção que temos sobre algo e, em contrapartida, pensamos ser através dela que devemos exprimir o significado de algo. Para tanto, necessário, então, para fins de garantir a comunicação eficiente em ciência, dotar as palavras de resultados de experiências, vez que as definições são satisfazem.

Por fim, com relação aos “ídolos do teatro”, estes representam distorções advindas da aceitação de falsas teorias e sistemas filosóficos, reportando, para tanto, que a razão da estagnação das ciências reside na utilização de métodos que impedem o avanço do conhecimento, pois os filósofos, para ele, substituem o mundo real por um mundo fantástico.

Consoante Francis Bacon, a experiência era o caminho a ser percorrido para o conhecimento, como ilustrado abaixo:

“LXX – A melhor demonstração é de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento. Se procuramos aplicá-la a outros fatos tidos por semelhantes, a não ser que se proceda de forma correta e metódica, é falaciosa. (…) ninguém investiga com resultado a natureza de uma coisa apenas naquela própria coisa: é necessário ampliar a investigação até as coisas mais gerais. (…) Pois os experimentos, quando corretamente descobertos e constituídos, informam não a uma determinada e estrita prática, mas a uma série contínua, e desencadeiam na sua esteira bandos e turbas de obras. “

Ou seja, um conhecimento para ser alcançado, deve, preliminarmente, estar o estudioso desvencilhado das falsas noções, conforme supra mencionado, utilizando-se da experiência na consecução da verdade.

O método baconiano prima pelo conhecimento útil à vida humana, que possa facilitar o seu convívio, de modo que imprescindível, para tanto, o domínio do homem sobre a natureza, através do conhecimento das leis desta. Para ele, o conhecimento não tem um fim em si mesmo, mas sim enquanto funcional à vida humana.

A indução, utilizada por Francis Bacon como método para o conhecimento, tem o condão de permitir a separação do fenômeno que se quer conhecer, o qual se apresenta misturado com os demais fenômenos da natureza, daí a necessidade de se proceder ao processo de eliminação através da observação, contemplação do fluxo natural dos fenômenos e execução de experiências em larga escala, esta última correspondente à interferência intencional na natureza e a avaliação dos resultados dessa intervenção.

Seguindo à linha baconiana, a busca da verdade não deveria ser tratada como premissa, mas sim como ponto de chegada, de sorte que deveria ser respondida na prática, como pode ser vislumbrado em trecho infra transcrito:

“Todos aqueles que ousaram proclamar a natureza como assunto exaurido para o conhecimento, por convicção, por vezo professoral ou por ostentação, infligiram grande dano tanto à filosofia quanto às ciências. Pois, fazendo valer a sua opinião, concorreram para interromper e extinguir as investigações. Tudo mais que hajam feito não compensa o que nos outros corromperam e fizeram malograr. Mas os que se voltaram para caminhos opostos e asseveraram que nenhum saber é absolutamente seguro, venham suas opiniões dos antigos sofistas, da indecisão dos seus espíritos ou, ainda, de mente saturada de doutrinas, alegaram para isso razões dignas de respeito. Contudo, não deduziram suas afirmações de princípios verdadeiros e, levados pelo partido e pela afetação, foram longe demais. De outra parte, os antigos filósofos gregos, aqueles cujos escritos se perderam, colocaram-se, muito prudentemente, entre a arrogância de sobre tudo se poder pronunciar e o desespero da acatalepsia. Verberando com indignadas queixas as dificuldades da investigação e a obscuridade das coisas (…) perseveraram em seus propósitos e não se afastaram da procura dos segredos da natureza. Decidiram, assim parece, não debater a questão de se algo pode ser conhecido, mas experimenta-lo.

Nesse diapasão, constata-se que a o foco de Francis Bacon não é a busca pura e simples da verdade, mas sim o conhecimento enquanto utilidade humana, ou seja, enquanto facilitador da sua vida e sua relação para com a natureza.

CONCLUSÃO

O conhecimento, correspondendo a algo que o indivíduo apreende e busca, só tem razão de ser enquanto meio / instrumento viabilizador de melhorias para o ser humano.

O indivíduo não deve, portanto, buscar a verdade incessantemente e sem fundamento. A preocupação não deve residir na verdade, esta deve ser o ponto de chegada do conhecimento e não ponto de partida.

O avanço da ciência através do método aqui analisado, método baconiano, se funda na necessidade do homem conhecer as leis da natureza para fins de dominá-la, ou seja, para que possa melhor adaptar-se a ela, criando melhorias em seu bem-estar.

Há várias acepções acerca do conhecimento e métodos para seu alcance, de modo que, a nosso ver, o conhecimento válido é o conhecimento científico, posto ser ele resultado da observação e experimentos, e não de mero intelecto humnano.

Repudia-se, assim, aquelas falsas noções tidas pelos indivíduos, sejam aquelas oriundas dos sentidos ou intelecto, como aquelas decorrentes do próprio ser, enquanto cultura, jeito e estado de espírito. Da mesma forma, busca-se afastar as noções obtidas pela linguagem vulgar, através dos extensos erros de comunicação, assim como as teorias filosóficas, que não condizente com a realidade, se assemelham às peças teatrais.

O método utilizado por Francis Bacon é o método indutivo, considerado por ele o meio fecundo para o conhecimento.

Por todo exposto, vê-se que o avanço do conhecimento, libertando-se preliminarmente das chamadas falsas noções, deve ser concebido como algo que se funde na busca de melhores condições de vida ao ser humano, através do seu domínio sob a natureza.

REFERÊNCIAS

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