Qual a importância dos conselhos de políticas públicas para a gestão e administração pública?

  1. 1. A IMPORTÂNCIA DOS CONSELHOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA THE PUBLIC POLITICAL COUNCILS' IMPORTANCE FOR FUNDAMENTAL RIGHTS' EFFETIVATION AND DEMOCRACY'S CONSOLIDATION Amanda Querino dos Santos Barbosa1 Mércia Miranda Vasconcellos Cunha2 RESUMO O presente estudo objetiva analisar a importância da participação popular nos Conselhos de Políticas Públicas nas decisões políticas e na elaboração de políticas públicas no contexto da sociedade brasileira, para a consolidação da democracia, realizando a verdadeira soberania popular. Os conselhos constituem um importante instrumento de consolidação da democracia representativa e de controle de políticas públicas, especialmente desde a Constituição Brasileira de 1988. São instâncias formais, situadas na esfera pública que permitem a manifestação democrática a partir da participação ativa da sociedade no exercício de sua cidadania, nos espaços de representação coletiva, contribuindo para transformações sociais, bem como a realização dos direitos fundamentais. Palavras-chave: Conselhos; democracia; participação popular. ABSTRACT The study aims to analyze the importance of popular participation in Public Policy Councils in policy making and policy-making in the context of Brazilian society, for the consolidation of democracy, realizing the true popular sovereignty. The boards are an important tool for consolidation of representative democracy and the control of public policies, especially since the 1988 Brazilian Constitution. Are formal, situated bodies in the public sphere that allow democratic expression from the active participation of society in the exercise of their citizenship in the spaces of collective representation, contributing to social transformation, as well as the realization of fundamental rights. Keywords: Councils; democracy; popular participation. 1 Bacharel em Direito pela Faculdade do Norte Pioneiro – Fanorpi; Secretária Executiva da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Santo Antônio da Platina/PR. Membro dos Conselhos Municipais de Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Santo Antônio da Platina. 2 Doutoranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná – UFPR. Procuradora do Estado do Paraná. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade do Norte Pioneiro – FANORPI.
  2. 2. INTRODUÇÃO A presente pesquisa possui o objetivo de analisar a importância da garantia da participação popular nas decisões políticas e na elaboração de políticas públicas no contexto da sociedade brasileira, para a consolidação da democracia e efetivação dos direitos fundamentais. Os conselhos constituem um importante instrumento de consolidação da democracia representativa e de controle de políticas públicas, especialmente desde a Constituição de 1988. São instâncias que permitem a manifestação democrática a partir da participação ativa da sociedade no exercício de sua cidadania, nos espaços de representação coletiva, contribuindo para transformações sociais, bem como a realização dos direitos fundamentais. Tendo em vista a importância da democracia neste trabalho, sem a pretensão de esgotar o tema, será realizada breve análise de seu surgimento, contexto brasileiro por ocasião de sua instituição, bem como os mecanismos democráticos insertos na Constituição de 1988. Ainda, será feita abordagem de uma das formas de participação da sociedade, fruto da soberania popular, que tem grande relevância no controle social e na elaboração das políticas públicas: Os Conselhos de Políticas Públicas. O Controle Social é o controle exercido pela sociedade sobre o governo. Por mais que a Administração Pública exista para atendimento do bem comum, muitas vezes, este objetivo não é o prioritário dentro das gestões, daí a importância da sociedade civil, atingida diretamente pelas atitudes da Administração Pública, acompanhar e fiscalizar as atividades daqueles legitimados para “governar” em prol da sociedade. 1. Apontamentos históricos sobre a democracia Originada das palavras gregas demos (povo) e kratos (poder), democracia significa poder do povo. Nasceu na Grécia, mais especificamente, em Atenas, e constitui-se um sistema de governo, forma de organização política baseada na legalidade, liberdade, igualdade, pluralidade e participação. Não há democracia, pois, sem o respeito aos direitos e liberdades fundamentais, decorrentes do respeito aos direitos humanos, uma vez que liberdade e igualdade são princípios primários e, portanto, essenciais. A história da democracia tem como primeiros teóricos Heródoto, Sólon, Heráclito, Demócrito, Sócrates e Platão na Grécia antiga e Sêneca, Lucrécio e Cícero em Roma. Numa definição literal, a palavra democracia vem do grego demos que quer dizer povo e kratein que se traduz governo. O governo do povo, idealizado pelos gregos no Séc. VI a.c., como forma
  3. 3. política onde os governados participariam do governo, o governo do povo pelo povo3 . Desde a antiguidade, a Democracia foi alvo de polêmica e controvérsias. Para Sócrates, a política deveria ser exercida pelos sábios. Por outro lado, Protágoras afirmava que todos seriam capazes de aprender sobre política4 . A democracia foi a forma de governo de gregos e romanos durante muitos anos. Todavia foi perdendo espaço para outras formas de governo, como a aristocracia e a monarquia. Com as Revoluções do Século XVIII, houve um desejo de uma nova forma de governo, que atendesse os anseios da população, a partir de então se disseminou novamente a ideia da democracia como a forma de governo que vinha atender às necessidades da população. Segundo Hans Kelsen, esta luta, liderada pela ascendente burguesia trazia a ideia de que o futuro pertenceria a um governo feito pelo povo, era esta a esperança dos que acreditavam no progresso. Ainda para o autor “a democracia é sobretudo um caminho: o da progressão para a liberdade”5 . Montesquieu pontua que “quando, na república, o povo em conjunto possui o poder soberano, trata-se de uma Democracia”6 . Contrapondo-se aos que acreditavam na democracia, Rousseau traz em sua obra “O Contrato Social”, a ideia de que nunca existiu e nem existirá democracia, pois é impossível à maioria dominar a minoria; o filósofo ainda diz que um governo tão perfeito não serviria para seres humanos7 . Em entrevista ao professor Ricardo Marcelo Fonseca da Universidade Federal do Paraná, o ilustre professor Pietro Costa, relata que a democracia é, em síntese, a necessidade que cada um de nós tem de não ser objeto passivo do governo alheio, de ter vez e ser reconhecido como sujeito ativo, responsável, em condições de relativa igualdade com os outros. Para o autor, a democracia é um longo percurso que se desencadeia com a Revolução Francesa e se cumpre em tempos diversos segundo cada país, pois nada é garantido na democracia, e o sistema da liberdade está perenemente em risco8 . 2. Formas de democracia 3 KELSEN, Hans. 1881-1973. A Democracia/Hans Kelsen.2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.p 137. 4 ALVES, Fernando de Brito. Constituição e participação popular: a construção histórico-discursiva do conteúdo jurídico-político da democracia como direito fundamental./ Fernando de Brito Alves./ Curitiba: Juruá, 2013. p33. 5 KELSEN, op. cit., p.139 6 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Tradução de Cristina Marachco. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.19. 7 ROUSSEAU, Jean-Jacques, 1712-1778. O contrato social/ Jeaan Jacques Rousseau; [tradução Antônio de Pádua Danesi]. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.p. 96. 8 Entrevista disponível em http://www.youtube.com/watch?v=lFEf43vi5s8 em 20/09/2013.
  4. 4. A democracia pode ser exercida de diversas maneiras sem que seja perdida sua característica principal: a de que o povo é o soberano neste sistema. A democracia direta tem seu berço na Grécia, mais especificamente em Atenas, onde o povo, que desconhecia a vida civil, reunia-se na praça para discutir os assuntos de relevância para a vida dos gregos9 . As antigas cidades gregas deveriam ter um Ágora, considerado pelos gregos o grande recinto da nação, onde os cidadãos se congregavam, e lá exerciam o Poder Político. O Ágora na cidade grega equivale ao parlamento nos tempos modernos. Os gregos se devotavam por inteiro à coisa pública, deliberavam com ardor as questões do Estado, como se pode observar na definição de José de Alencar citado por Paulo Bonavides: A praça representava o grande recinto da nação: diariamente o povo concorria ao comício; cada cidadão era orador, quando preciso. Ali discutiam-se todas as questões do Estado, nomeavam-se generais, julgavam-se crimes. Funcionava a demos indistintamente como assembleia, conselho ou tribunal: concentravam em si os três poderes legislativo, executivo e judicial10 . Os cidadãos deliberavam sobre todas as questões do Estado, ou seja exerciam controle e soberania legislativa, executiva e judicial e os gregos se orgulhavam do seu regime político, como se percebe no discurso de Péricles: Nosso regime político – disse Péricles – é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a república outorga honrarias o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. Nossa cidade se acha aberta a todos os homens. Nenhuma lei proíbe nela a entrada de estrangeiros, nem os priva de nossas instituições, nem de nossos espetáculos; nada há em Atenas oculto e permite-se a todos que vejam e aprendam nela o que bem quiserem, sem esconder-lhes sequer aquelas coisas, cujo conhecimento possa ser de proveito para os nossos inimigos, porquanto confiamos para vencer, não em preparativos misteriosos, nem em ardis e estratagemas, senão em nosso valor e em nossa inteligência11 . Embora os gregos tivessem orgulho de seu regime “democrático”, uma corrente de pensadores defende a posição de que não houve na Grécia uma democracia verdadeira, mas sim uma aristocracia democrática, pois as condições que permitiram à Grécia o funcionamento da “Democracia Direta” foram o fato de a base social ser escrava, o que permitia que os homens se importassem diretamente com a política12 . Além disto, não eram todos os gregos que eram considerados cidadãos, o que reduzia o número de membros que participavam efetivamente das decisões da vida política da Grécia, não eram considerados 9 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores.2004, p. 268. 10 BONAVIDES, op. cit., p..270. 11 Id., Ibid., p. 272. 12 Id., Ibid., p.269.
  5. 5. cidadãos as mulheres, os escravos, os estrangeiros, que eram excluídos do processo democrático. Há uma crítica, ainda, no sentido de que a igualdade dos gregos era somente abstrata, pois embora os homens fossem igualados politicamente, havia uma grande diferença material entre eles, já que não haviam projetos para alteração no sistema de distribuição de renda, o que impossibilitava, também, que os escravos adquirissem o status de cidadão. Todavia, por mais discriminatório que tenha sido o modelo grego de democracia direta, deve-se atribuir a ela o devido valor, pois foi um marco histórico da democracia. A Grécia deixou um legado valoroso, pois instituiu a ideia de igualdade, liberdade e participação no poder e conforme leciona Marilena Chauí abriu caminho para se criar, ampliar e exigir socialmente tais direitos, em tempos futuros, através da práxis humana13 . Indireta ou representativa é o modelo em que o povo se expressa por meio da eleição de representantes e não diretamente. Pioneiro nas teorias da democracia moderna, Montesquieu entendia que o povo era péssimo para governar, mas era admirável quando escolhia seus representantes e por isto precisavam de representantes que iriam decidir e querer em nome do povo14 .Em sua crítica à democracia representativa, Rousseau prega a ideia de que, neste modelo, o homem só é livre no momento que vai às urnas depositar o seu voto, pois a soberania é inalienável, para o autor, a soberania, sendo apenas exercício da vontade geral, nunca pode alienar-se, e que o soberano, não passando de um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo15 . Para os opositores, não haveria, no Estado Moderno, possibilidade de retomar a democracia direta, por conta da complexidade social, a extensão e a densidade demográfica do Estado Moderno. A democracia indireta ou representativa é necessária e manifesta-se através da eleição de seus representantes, ou seja, o povo não pode exercê-la diretamente, mas apenas através de seus representantes16 . Paulo Bonavides sintetiza democracia representativa com a nobre frase: “O poder é do povo, mas o governo é dos representantes em nome do povo: eis aí a essência da democracia representativa”17 . A democracia semidireta é uma forma de democracia que altera os modelos clássicos de democracia representativa, para que ela possa se aproximar da democracia direta, ou seja, o sistema de governo é o da representação política, todavia, o povo pode intervir em alguns 13 CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2011, p.504 . 14 BONAVIDES, op. cit., p. 272. 15 ROUSSEAU, op. cit., p. 33. 16 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2004. p.139. 17 BONAVIDES, op. cit., p. 272.
  6. 6. casos. Com o Estado Moderno, verificou-se a impossibilidade de manter a forma de democracia direta pensada anteriormente, pois os cidadãos não são somente cidadãos políticos como na Grécia, além disto, as cidades são mais numerosas, o que dificultaria o bom andamento do processo democrático. Todavia percebeu-se que seria possível firmar um meio-termo entre a democracia direta dos antigos e a democracia representativa dos modernos: Com a democracia semidireta, a soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual essa soberania se comunica ou exerce, pertence por igual ao elemento popular nas minadas instituições, como o referendum, a iniciativa, o veto e o direito de revogação, fazem efetiva a interação do povo, garantem-lhe um poder de decisão de última instância, supremo, definitivo, incontrastável18 . Como se pode ver, na democracia semidireta, o povo além de eleger representantes, também legisla, é colaborador jurídico e é indispensável para determinados atos. 3. A democracia no Brasil A maioria das Constituições brasileiras trouxe, ainda que de maneira tímida, o ideal de democracia até que se chega à Constituição de 1988 que define a democracia como forma de Estado, trazendo no preâmbulo, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, consagrando assim a soberania popular. Ao analisar as Constituições brasileiras percebem-se referências à democracia desde a primeira. Sobre o tema, o professor Fernando de Brito Alves19 faz uma síntese de como a democracia apareceu nas Constituições brasileiras. A Constituição Imperial de 1824, em seu art. 3º, estabeleceu que o governo brasileiro tivesse feições de uma monarquia constitucional hereditária, mas seria ao mesmo tempo, representativo, característica esta de uma democracia formal. Em 1891, a Constituição da República no seu preâmbulo traz claramente a ideia de um regime liberal e democrático, opondo-se ao modelo monárquico da Constituição anterior. A Constituição de 1934 segue a linha da anterior, na intenção de organizar um regime democrático. Esta Constituição fez referência à democracia indireta, criou inovação classista, possibilitou ampliação nos critérios para que as pessoas pudessem se alistar, reduzindo a maioridade eleitoral para 18 anos e possibilitando também o alistamento de mulheres. A Constituição republicana de 1937 manteve o regime democrático, todavia trouxe um grande desequilíbrio entre os poderes do Estado, na verdade houve nessa época um autoritarismo no regime instalado. A partir da Constituição de 1946, os avanços democráticos 18 Id. Ibid. p.275. 19 ALVES, op. cit. p. 38-41.
  7. 7. foram notáveis, o desejo de substancialmente alcançar a democracia e o tratamento desta como direito fundamental foram garantidos na Carta Magna. Em 1967, foi promulgada nova Constituição, que da mesma forma que as anteriores estabeleceu o regime democrático representativo. Eis que, finalmente, no meio de um contexto histórico marcado por regimes autoritários, eleições indiretas20 e inexistência de partidos políticos e liberdades individuais surge a Constituição de 1988, conhecida como “Cidadã” que adotou a democracia como regime político e já em seu art. 1º, deixou explícito que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, ou seja, houve uma mistura entre elementos da democracia direta e indireta. Havia a convicção de que o reestabelecimento da democracia era a condição para a resolução dos problemas e foi um movimento de revolta geral que integrou em um mesmo desejo pessoas antes excluídas das discussões político-sociais do país: Os moradores das periferias, das favelas, cortiços e outros submundos saem da penumbra e das páginas policiais para se tornarem os depositários das esperanças de ser novos atores históricos, sujeitos de processos de libertação e de transformação social21 . 3.1. A democracia prevista na Constituição brasileira de 1988 A Constituição brasileira, promulgada em cinco de outubro de 1988, estabeleceu o Estado Democrático de Direito e trouxe instrumentos inovadores de garantias de Direitos Fundamentais e formas de participação popular. O art. 1º da referida carta magna, afirma que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, e como consequência que a soberania está com o povo: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” 22 . Neste sentido, fica assegurado aos brasileiros o poder soberano o que esclarece que a titularidade dos mandatos no executivo ou no legislativo só será legítima se expressar a vontade popular.O art. 1º da Constituição trouxe também como fundamento do Estado o pluralismo 20 Em 1984, milhares de brasileiros se organizaram e foram às ruas buscando restabelecer a democracia no Brasil, por meio de eleições diretas para a Presidência da República. O movimento, que teve início em São Paulo, alcançou rapidamente grande dimensão, levando em conta o grande número de pessoas que compareciam às manifestações.Nos anos de 1985-1988, o movimento pela Constituinte tomou conta da população. As leis da nação estavam defasadas com relação ao desenvolvimento econômico ocorrido após 1967, data da Constituição vigente. A Constituinte mobilizou diversos setores da sociedade civil, mas foram as elites que mais se organizaram e que tiveram destaque no movimento, que foi se organizando, criando força e se tornando um marco para a história da democracia brasileira. 21 GOHN, op. cit. p. 114. 22 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto Constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008. p.8.
  8. 8. político, demonstrando a preocupação da Constituinte em garantir a ampla participação popular nos destinos políticos do país. O Estado Democrático de Direito significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, a fim de garantir-se o respeito à soberania popular. Alexandre de Moraes analisa o modelo de democracia do Estado brasileiro: Como é possível verificar, a partir do Direito Constitucional comparado, modernamente a soberania popular é exercida em regra por meio da Democracia representativa, sem, contudo descuidar-se da Democracia participativa, uma vez que são vários os mecanismos de participação mais intensa do cidadão nas decisões governamentais (plebiscito, referendo, iniciativa popular), bem como são consagrados mecanismos que favorecem a existência de vários grupos de pressão (direito de reunião, direito de associação, direito de petição, direito de sindicalização)23 . Neste sentido, ressalta-se a importância de que a representação política não seja meramente formal, mas autêntica, o que exige intensa e efetiva participação popular nas decisões governamentais. É necessário interesse pelos cidadãos para que a democracia representativa não resulte em regimes autoritários como alude Damo Dallari, citado por Alexandre de Moraes: Se o povo não tem participação direta nas decisões políticas, e se, além disso, não se interessa pela escolha dos que irão decidir em seu nome, isso parece significar que o povo não deseja viver em regime democrático, preferindo submeter-se ao governo de um grupo que atinja os postos políticos por outros meios que não as eleições24 . Portanto, a Constituição brasileira de 1988 trouxe diversas formas de exercício da soberania popular, de maneira direta ou representativa. Cabe a cada cidadão conscientizar-se da importância de se utilizar desses meios para realizar o controle social, motivar a participação popular e para se valer de seu direito da soberania, fundamental na Efetivação do Estado Democrático de Direito. 4. As formas de participação popular Além de garantir do art.1º, que o poder emana do povo, a Constituição durante o seu texto, fez a previsão de várias formas, pelas quais os cidadãos podem exercer essa prerrogativa, dentre as quais se destaca: o Orçamento Participativo, as Audiências Públicas, a Iniciativa Popular, os Plebiscitos e Referendos e os Conselhos de Políticas Públicas. 23 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional / Alexandre de Moraes. 7. Ed. atualizada até a EC nº 55/2007. São Paulo: Atlas, 2007.p. 65. 24 Id. Ibid., loc. cit.
  9. 9. 4.1. Orçamento participativo O orçamento participativo é um mecanismo eficaz de exercício da democracia, onde a população decide, a cada ano, as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados. Está previsto, no Estatuto das Cidades, como instrumento de política urbana, Lei 10.257/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e estabelece a forma democrática para a gestão das cidades, como se percebe no art. 2º que trata das diretrizes da política urbana: Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - (...) II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;25 A previsão da participação popular no orçamento é fundamental para que os cidadãos se motivem a participar do processo político do município. É o momento onde a população também fica comprometida, pois auxilia no desenvolvimento do planejamento da cidade e consequentemente está sendo responsável pela destinação de recursos públicos, atitude esta que precisa ser realizada de forma consciente. A capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, foi pioneira na implementação do Orçamento Participativo como resultado da pressão de movimentos populares para participarem das decisões políticas.Os resultados da implementação do Orçamento Participativo foram tão positivos que a “Administração Popular” de Porto Alegre foi escolhida pelas Nações Unidas como uma das 40 inovações urbanas de todo o mundo, para ser apresentada na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, que teve lugar em Istambul em junho de 199626 . Segundo o doutrinador Boaventura de Souza Santos, o orçamento participativo é uma estrutura e um processo baseado em três princípios, que juntos funcionam como mecanismos ou canais de participação popular, quer sejam: a isonomia entre todos os cidadãos e instituições; o regimento determinado pelos próprios participantes; os recursos distribuídos seguindo critérios gerais, substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vista a definir prioridades e critérios técnicos, como a viabilidade 25 BRASIL. Lei nº 10 257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal , estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, 10 de julho de 2001. 26 SANTOS, Boaventura de Souza. Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa/ Boaventura de Souza Santos, organizador. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.460.
  10. 10. econômica, que serão definidos pelo Executivo e pelas normas jurídicas pertinentes27 . Ao participar ativamente da administração, os cidadãos sentem-se mais comprometidos, o que só traz benefícios, pois assim participarão realmente da administração, garantindo uma melhor distribuição de renda, uma efetiva fiscalização das obras públicas, a prevenção do desvio do emprego do recurso público em investimentos que não tenham a devida relevância social, ou seja a essência da democracia será vista, pois o governo do povo para atender os anseios do povo é o que realmente acontece no orçamento participativo, neste sentido leciona o professor Fernando de Brito Alves: Existem indicativos que o orçamento participativo é capaz de gerar um círculo virtuoso mediante o qual o aumento da capacidade de investimento do poder público está associado à gestão democrática dos recursos arrecadados. Isso significa que, de alguma forma, quando as populações locais participam ativamente da distribuição dos recursos elas contribuem mais de acordo com uma lógica de justiça redistributiva28 . Infelizmente, mesmo nos locais onde funciona o orçamento participativo, as camadas mais pobres da população ainda não participam da dinâmica, todavia há de se reconhecer que esta forma de se planejar ainda é muito mais eficaz do que as técnicas de gabinete, ainda muito utilizadas na elaboração de orçamentos públicos. 4.2. Audiências públicas As audiências públicas são uma forma de participação popular prevista na Constituição de 1988, como atribuição das Comissões do Congresso Nacional, ou de suas casas, observadas as matérias de sua competência. São um instrumento que visa garantir a legitimidade e a transparência no processo de tomada de decisões administrativas ou legislativas, através do qual a autoridade competente, compartilha os projetos com as pessoas que venham a sofrer os reflexos das decisões a serem tomadas.Com este processo a população pode ter acesso ao planejamento da Administração Pública, podendo se manifestar quando julgar pertinente, antes que ocorram os atos administrativos. As opiniões manifestadas em audiência pública não tem caráter deliberativo, mas consultivo, todavia a administração deve analisá-las quando da tomada de decisões. Para o autor Diogo Figueiredo Moreira Neto, citado por Evanna Soares, as audiências públicas são: 27 Id. Ibid. p.467. 28 ALVES, op. cit., p. 210.
  11. 11. Um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação conceitual 29 . Embora tenham caráter apenas consultivo, a partir do momento em que a sociedade civil se organiza e demonstra quais são as suas necessidades, a Administração Pública indiretamente fica “obrigada”, senão a atender todos os anseios, ao menos nos atos discricionários priorizar as necessidades da população. Quem mais se beneficia com as audiências públicas são os próprios cidadãos, pois o fundamento da realização destas consiste no interesse público da produção de atos legítimos. Por outro lado se bem utilizado o mecanismo, a Administração Pública também terá benefícios, pois suas decisões serão menos suscetíveis a críticas e a acusações de que seus atos que não visam o bem estar da comunidade. As audiências públicas encontram seu principal fundamento na Constituição Federal, no art. 1º, que prevê a soberania popular. Neste mecanismo a democracia é exercida diretamente, visto que o cidadão pessoalmente ou por organizações sociais representativas tem a oportunidade de apresentar propostas, tomar ciência de fatos, ações estratégicas, planejamento e prestação de contas, ou ainda, reivindicar direitos30 . O principal requisito para que seja designada uma audiência pública é a relevância da questão, entendida como a importância e o interesse coletivo, a exemplo de questões que envolvem o meio ambiente. A autoridade responsável pelo ato que deve determinar a relevância da questão e se for o caso de audiência pública. A administração deve garantir que esta seja um momento de efetiva democracia, prezando-se pela oralidade e debates, caracterizando assim um mecanismo de participação popular e controle. Segundo Alves, a doutrina constitucional pouco tem se importado com essa técnica de participação popular: É de se registrar que a doutrina constitucional pouco tem se importado com esta técnica, que ordinariamente encontra-se associada ao processo legislativo, por força da própria Constituição, e por isso é um instrumento de mitigação do princípio agregativo, para a introdução de técnicas de democracia deliberativa e participação direta dos cidadãos31 . 29 SOARES, Evanna. A audiência pública no processo administrativo. Disponível em http://jus.com.br/artigos/3145. Acesso em 23 de setembro de 2013. 30 ALVES, op. cit., p. 213. 31 Id. Ibid. op. cit., p. 212.
  12. 12. A audiência pública resulta em uma concepção nova de povo/ multidão e do seu papel, isso porque não se trata de mera consulta, mas, da possibilidade de interferência positiva que decorre do seu empoderamento e da recuperação do seu poder de agenda. 4.3. Iniciativa Popular A iniciativa popular é o instituto em que o povo participa da primeira etapa do processo legislativo. É a manifestação direta do povo na elaboração das leis, ordinárias ou complementares, funcionando como uma alternativa constitucional para exercício direto da democracia. A possibilidade de iniciativa popular está prevista na Constituição Federal de 1988 primeiramente, no art.. 14, que define as formas de exercício da soberania popular: Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular32 . O art. 61 da referida carta magna, que trata do Processo Legislativo, também faz alusão ao instituto: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição33 . Com este dispositivo, a Constituição consagrou aos brasileiros a prerrogativa de participar ativamente do processo legislativo, todavia, a Constituição “reservou” algumas matérias para serem de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo, constantes do §1º do art. 61: Art. 61 (...) § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; 32 BRASIL, op. cit. 33 Id. Ibid., op. cit.
  13. 13. d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva34 . Além de reservar algumas matérias, a Constituição estabeleceu critérios bastante rígidos para os Projetos de leis de iniciativa popular: Art. 61 (...) § 1º (...) § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. A quantidade de assinaturas exigidas para apresentação do projeto é tema de divergência entre a doutrina e a população. Por um lado, ao exigir esse número, a Constituição acaba por excluir certa camada da população, pois somente os movimentos ou entidades que estiverem organizadas terão a possibilidade de conseguir cumprir esses requisitos para apresentação do projeto. Em contrapartida se não fosse exigido esse quórum e a diversidade dos Estados, haveria o risco de serem apresentados muitos projetos com interesses apenas regionais, o que também não era a intenção da Constituinte ao prever esse mecanismo. Dalmo de Abreu Dallari valoriza o processo e a manifestação que motivam o cidadão a discutir as questões políticas e darem a sua anuência ou não a projetos que podem alterar ou criar legislações de interesse público. Para o doutrinador, embora o número de assinaturas a serem colhidas seja grande, ele é possível: Não é número fácil de ser conseguido, mas também não é exageradamente difícil, devendo-se ainda considerar que todo trabalho de coleta de assinaturas terá um efeito mobilizador e conscientizador, provocando o debate de assuntos de interesse público35 . Não obstante haja previsão da Iniciativa Popular na Constituição desde 1988, até hoje existem somente quatro projetos de leis que foram aprovados por esta iniciativa: Lei nº 8930/94, que tipificou os crimes hediondos; Lei 9840/99, que pune a captação ilícita de sufrágio; Lei 11.124/05, que cria o Fundo Nacional de Habitação Popular e a Lei 34 BRASIL, op. cit. 35 DALLARI, Dalmo de Abreu. A participação popular e suas conquistas. In: Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Coord. Carlos Michiles et al. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, cit.p.378.
  14. 14. Complementar nº 135/10, também conhecida como Lei Ficha Limpa. Recentemente foi aprovado no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional nº 3 de 2011, apelidada de “PEC DA PARTICIPAÇÃO POPULAR”, apresentada pelo Senador Rodrigo Rollemberg. A PEC acrescenta o inciso IV ao caput do art. 60 e o § 3º ao art. 61 da Constituição, e altera a redação do § 2º também do art. 61, para viabilizar a apresentação de propostas de emenda à Constituição de iniciativa popular e facilitar a apresentação e a apreciação de projetos de lei respectivos. A proposta estabelece que a iniciativa popular poderá ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição com o apoio de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, das unidades federadas, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.36 A proposta foi aprovada pelo Senado no dia 10 de julho de 2013 e foi remetida à Câmara dos Deputados. Aprovada ou não a PEC, vale ressaltar que a iniciativa popular, embora exija requisitos bastante rígidos é uma forma importante de participação popular. 4.4 Plebiscitos e Referendos A Constituição Federal traz, expressamente, formas de exercício da soberania popular de maneira direta, através da realização de consultas populares, mediante plebiscitos e referendos, que diferem basicamente em virtude do momento de suas realizações. O plebiscito, previsto no inciso I, art. 2º da Constituição Federal, consiste em uma consulta à opinião pública para decidir questão política ou institucional, não necessariamente de caráter normativo. A consulta é realizada previamente à formulação legislativa, autorizando ou não a concretização da medida em questão. Já o referendo, previsto no inciso II, art. 2º da Constituição Federal, é um processo de manifestação do eleitorado constitutivo da própria norma, e possui regras muitos variáveis, dependendo do seu significado jurídico e da matéria por ele tratada, dessa forma, quanto à matéria, ele pode ser geral ou especial, dependendo da matéria, o referendo será facultativo, obrigatório, ou terá sua iniciativa reservada a determinados sujeitos políticos37 . 36 Senado Federal, disponível em :http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99067, acesso em 24/09/2013. 37 ALVES, op. cit., p. 220.
  15. 15. A Lei nº 9709, de 18 de novembro de 1998, regulamentou a execução dos plebiscitos e referendos, prevendo no art. 2º, §1º que o plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha submetido. O art. 2º, §2º da referida lei, esclarece que o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição. Sobre tais institutos José Afonso da Silva ensina: O plebiscito é também uma consulta popular, semelhante ai referendo; difere deste no fato de que visa a decidir previamente uma questão política ou institucional, antes de sua formulação legislativa, ao passo que o referendo versa sobre aprovação de textos de projeto de lei ou de emenda constitucional, já aprovados; o referendo ratifica (confirma) ou rejeita o projeto aprovado; o plebiscito autoriza a formulação da medida requerida; alguma vez fala-se em referendo consultivo no sentido de plebiscito, o que não é correto. O plebiscito está previsto no art. 14, I, podendo ser utilizado pelo Congresso Nacional nos casos que este decidir seja conveniente, mas já também indicado em casos específicos, para a formação de novos Estados e de novos Municípios (art. 18, §§ 3º e 4º)38 . Pelo que se depreende, tanto o plebiscito quanto o referendo são hipóteses de consulta popular, forma de participação direta da população, e que somente serão utilizadas por discricionariedade do Congresso Nacional. Entretanto, conforme o supracitado doutrinador afirma, há hipóteses em que o próprio mandamento constitucional impõe a obrigatoriedade da consulta prévia. Para que seja possível a incorporação, subdivisão ou desmembramento dos Estados há necessidade, antes da aprovação pelo Congresso Nacional de lei complementar, da aprovação pela população interessada. De igual forma, para que seja possível a criação, incorporação ou fusão de Municípios, será necessária a consulta prévia aos cidadãos dos Municípios envolvidos. Ilustrando a aplicabilidade do dispositivo supracitado, recentemente, o Brasil acompanhou o plebiscito que consultou a população do Estado do Pará sobre o seu desmembramento. Vale ressaltar que nesta oportunidade, a voxpopuli39 decidiu pela manutenção da forma federativa atual. É preciso destacar que o referendo ou plebiscito serão convocados por meio de Decreto Legislativo, proposto por no mínimo 1/3 dos membros do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, inteligência do art. 3º da Lei 9.709/98. Em que pese a regulamentação da consulta popular ter se dado em 1998, efetivamente, o referendo tem aplicação recente no contexto político brasileiro. O primeiro referendo de que o povo brasileiro participou se deu com Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, ocasião em 38 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. 39 Voz do Povo
  16. 16. que o povo se manifestou pela possibilidade do comércio de armas de fogo40 . Desta forma, é notável a importância dos referidos institutos, pois são uma forma de consulta direta da opinião popular, em matérias de grande relevância para a sociedade. 4.5. Conselhos de Políticas Públicas Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, principalmente a partir dos anos 1990, a sociedade civil tem sido chamada a participar de um conjunto de novos espaços de deliberação e gestão das Políticas Públicas. Os Conselhos de Políticas Públicas são canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos.Os Conselhos constituem, neste novo milênio, a principal novidade em termos de políticas públicas. Para a autora Maria da Glória Gohn, os conselhos: São agentes de inovação e espaço de negociação dos conflitos. Entretanto, há uma longa história e um acirrado debate na trajetória dos conselhos envolvendo questões relacionadas com participação, formas de governo e representatividade, natureza da esfera pública, divisão de poder local, regional, nacional e global, além de temas mais abrangentes que configuram o cenário em que os conselhos de desenvolvem, como o próprio sistema da democracia e os condicionantes políticos econômicos que influenciam as gestões públicas41 . A Constituição de 1988 redefiniu a posição e função dos conselhos a partir de uma nova arquitetura jurídico-política que conferiu a estes, maior legitimidade, força e permanência. Os Conselhos apresentam-se como peças centrais no processo de reestruturação das políticas, atuando como “ponte” de interação entre o governo e a sociedade civil, na gestão de políticas públicas ou programas. Eles possuem autonomia normativa e são legitimados pelos novos princípios constitucionais da participação e da descentralização político-administrativa. Tornaram-se referência, pois alguns deles foram definidos pela Constituição de 1988 como obrigatórios, em vários âmbitos de definição das políticas são indispensáveis para aprovação de contas e repasse de recursos federais para Estados e Municípios. Os Conselhos devem ter composição paritária, ou seja, as organizações da sociedade civil e as agências do Estado, possuidores muitas vezes de interesses distintos e algumas vezes antagônicos, devem se fazer representar, pois os conselhos são espaços democráticos 40 BRASIL. Lei 10.826. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinam, define crimes e dá outras providências. Brasília, 22/12/2003. 41 GOHN, Maria da Glória. Conselhos Gestores e participação sociopolítica/ Maria da Glória Gohn. 2.ed. São Paulo, Cortez, 2003. p.7.
  17. 17. para expressão da verdade e a prevalência dos interesses da maior parte da sociedade. Têm o caráter público e deliberativo, devendo funcionar como instâncias deliberativas com competência legal para formular políticas e fiscalizar a sua implementação, garantindo assim a democratização da gestão. 5. Participação e controle social O Controle Social é o controle exercido pela sociedade sobre o governo. Por mais que a Administração Pública exista para atendimento do bem comum, muitas vezes, este objetivo não é o prioritário dentro das gestões, daí a importância da sociedade civil, atingida diretamente pelas atitudes da Administração Pública, acompanhar e fiscalizar as atividades daqueles legitimados para “governar” em prol da sociedade. Nas palavras de Nogueira: A política democrática dispõe-se a criar condições – institucionais, políticas e associativas – para queos cidadãos organizados controlem seus governos e participem deles, cobrem responsabilidadesdos diferentes atores do jogo social e ponham em curso processos ampliados de deliberação, demodo que se viabilizem lutas e discussões públicas em torno de como viver, do como governador edo como conviver. [...] Cidadãos ativos são, portanto, personagens vitais da democracia, devendoser, por isso, constantemente 'criados' e 'organizados' (pela educação, pelo debate público, pelamultiplicação de espaços institucionais de discussão e deliberação)42 . Nesse sentido o controle social é mais que direito, é função do cidadão do Estado Democrático de Direito que tem a soberania garantida pela Constituição e com isso a missão de participar da Administração Pública. Para a autora Maria da Glória Gohn, a participação é uma lente que possibilita um olhar ampliado para a história e neste olhar, observa-se as questões envolvidas no universo da participação: O entendimento dos processos de participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas nos conduz ao entendimento do processo de democratização da sociedade brasileira; o resgate dos processos de participação leva-nos, portanto, às lutas da sociedade por acesso aos direitos sociais e à cidadania. Nesse sentido a participação é, também, luta por melhores condições de vida e pelos benefícios da civilização43 . Assim a participação se faz necessária para que haja um controle social das atividades da Administração, visando a diminuição das diferenças e uma distribuição dos investimentos para a área de Políticas Públicas na intenção de diminuir as desigualdades e 42 NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um estado para a sociedade civil. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2011. p.94- 95. 43 GOHN, op. cit., p. 14.
  18. 18. propiciar uma vida mais digna a uma grande camada excluída da sociedade, como leciona Gohn: Numa sociedade terrivelmente segmentada e fragmentada, onde as diferenças sociais são marcantes, onde há fome e miséria, ao lado do luxo e da ostentação, e o mundo do consumo impera como valor básico da estruturação da vida das pessoas, o fato delas reivindicarem o direito a ter direitos, sobre tufo aquilo que a sociedade oferece para apenas alguns, e o fato do ressurgimento de campanhas de solidariedade, são fatos históricos, marcantes e promissores44 . A autora ainda destaca o fato de que aqueles que se unem para lutar por melhorias e controlar o poder público, não precisam necessariamente ser iguais em todos os aspectos de suas lutas: A participação política dos cidadãos se dá na esfera dos iguais. Ainda que haja diferenças de classes entre os participantes de um movimento ou ação coletiva e interesses diferentes quanto a fim a serem atingidos, é na condição carente de um direito social, ou de um tratamento discriminatório que se estabelece a relação de reciprocidade interna dos movimentos45 . Eis a essência da participação social, caracterizada pela solidariedade, pois ainda que existam diferenças entre os participantes, eles se unem para a efetivação dos direitos sociais que lhe carecem, e então já não há mais diferenças entre eles, independente da bandeira que levam consigo. A partir do momento que a sociedade se organiza para controlar e participar da gestão do Estado, esta é a sua única bandeira, a da efetivação do Estado Democrático de Direito. 5.1. Conselhos gestores Os conselhos gestores são instrumentos importantes da participação da sociedade, fruto da soberania popular, que tem grande relevância na elaboração das políticas públicas. Cumpre analisar que existem diversas nomenclaturas para tais conselhos, sendo as mais utilizadas: "conselhos gestores", "conselhos setoriais", “conselhos temáticos institucionalizados”, "conselhos institucionalizados", "conselhos de políticas" "conselhos de políticas públicas", "conselhos gestores de políticas públicas", "conselhos controladores ou de controle de políticas públicas, "conselhos de direitos", ou simplesmente "conselhos", que aparecem na legislação infraconstitucional de forma alternada, pois inexiste precisão terminológica quanto ao instituto. Com a finalidade de padronizar a pesquisa e sem a pretensão de excluir as outras nomenclaturas, opta-se pela expressão Conselhos de Políticas Públicas, pelo fato de esta 44 Id. Ibid. p. 209. 45 Id. Ibid. loc. cit.
  19. 19. opção transparecer à finalidade destes. Políticas Públicas podem ser entendidas como a totalidade de ações, metas e planos que os governos traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público46 . 5.1.1. Breve histórico, conceito e funções Tema recente na doutrina brasileira, os Conselhos já são conhecidos de longa data na história da humanidade, pois há registros, que já em Atenas, existia o Conselho dos Quinhentos, formado por membros eleitos por sorteio e responsáveis pelas funções executivas, cabendo à assembleia as decisões políticas supremas47 . Analisando a obra de Luciana Tatagiba, há registros de Conselhos atuando ainda no período ditatorial, principalmente nas áreas de saúde, educação e transporte.Para a autora, pode-se distinguir três fases na história dos conselhos. A primeira, ainda no contexto ditatorial onde os conselhos cumpriam função meramente figurativa na tomada de decisões eram formados por pessoas notáveis, com a missão principal de aconselhar o executivo. Na segunda fase, a pressão da sociedade pela redemocratização do Estado ensejava em um contexto de abertura política e novas formas de participação, a exemplo dos Conselhos Comunitários, que tinham a função de criar canais de interação entre população e Estado (Decreto nº 16.1000/79). Tais conselhos eram usados como forma de manipular as demandas, pois os conselhos ainda eram ligados diretamente ao Poder Executivo. Por fim, a terceira fase, inaugurada pela Constituição Federal de 1988, que redefiniu a posição e a função dos Conselhos, lhes conferindo legitimidade, força e permanência. Nesta fase, os conselhos apresentam-se como peças centrais na reestruturação de políticas, a exemplo dos conselhos de saúde, da criança e do adolescente e de assistência social. As reivindicações dos movimentos sociais pela implementação dos direitos fundamentais e políticas públicas resultaram em uma mobilização decisiva para a proliferação dos Conselhos de Políticas Públicas. No contexto histórico brasileiro existem, de acordo com a autora Maria da Glória Gohn, diversos modelos de conselhos: os criados pelo poder público Executivo, para mediar suas relações com os movimentos e com as organizações populares; os populares, construídos pelos movimentos populares ou setores organizados da sociedade civil em suas relações de negociações com o poder público; e os institucionalizados, com possibilidade de participar da 46 Políticas Públicas: conceitos e práticas / supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral; coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas – Belo Horizonte : Sebrae/MG, 2008.p. 5. 47 COSTA, Pietro.Soberania, Representação, Democracia: ensaios de história do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2010. p.212
  20. 20. gestão dos negócios públicos criados por leis originarias do poder Legislativo, surgidos após pressões e demandas da sociedade civil48 . Os Conselhos de Políticas Públicas foram a grande novidade das políticas públicas ao longo do processo de redemocratização, eles tem o papel de instrumento mediador na relação sociedade/Estado, na qualidade de instrumentos de expressão, representação e participação da população. Com o advento de Leis que regulamentaram a participação por meio de conselhos deliberativos, de composição paritária, entre representantes do poder executivo e de instituições da sociedade civil, essas instituições foram se organizando e ganhando credibilidade e força à medida que várias leis passaram a exigir a existência de Conselhos como requisito para repasse de verbas. Os conselhos gestores são importantes porque são frutos de lutas e demandas populares e de pressões da sociedade civil pela redemocratização do país. Por terem sido promulgados no contexto de uma avalanche de reformas do Estado, de caráter neoliberal, vários analistas e militantes de movimentos sociais desacreditaram os conselhos enquanto possibilidade de participação real, ativa, esquecendo-se de que eles foram reivindicados e propostos pelos movimentos em passado recente. As novas estruturas inserem-se na esfera pública e, por força de lei, integram-se com os órgãos públicos vinculados ao poder Executivo, voltados para políticas públicas específicas, responsáveis pela assessoria e suporte ao funcionamento das áreas onde atuam. Eles são compostos, portanto, por representantes do poder público e da sociedade civil49 . Nesta nova perspectiva, os conselhos são forma de assessoria especializada, incidindo indiretamente na Administração Pública. Para Berclaz, os Conselhos são um grupo de pessoas, composto paritariamente, a partir de uma institucionalidade reconhecida pelo Estado de modo permanente, que se reúne ordinariamente para discutir de modo democrático determinados temas de atuação de política pública, voltado ao cumprimento de necessidades específicas, bem como controle e monitoramento das políticas públicas50 . Ainda para o autor, os Conselhos possuem cinco funções, a saber: função administrativa/burocrática, função consultiva, função norrmativa/regulamentar, função fiscalizadora/controladora e a função decisória/deliberativa. No plano administrativo-burocrático, estão as atividades de gestão dos Conselhos, como a guarda e as providências com relação aos documentos, o acompanhamento dos cadastros das Entidades, a gestão dos fundos, quando houver, organização de eventos e 48 GOHN, op. cit., p.70. 49 Id. Ibid. p.84. 50 BERCLAZ, Marcio Soares. A natureza político-jurídica dos conselhos sociais no brasil: uma leitura a partir da política da libertação e do pluralismo. jurídico. 2013, 357f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.
  21. 21. conferências promovidas pelo conselho, ou seja toda a parte organizacional para o funcionamento do Conselho. Como papel consultivo, os Conselhos atuam na medida em que discutindo e negociando com o Poder Público, podem emitir pareceres, opiniões e posicionamentos quando estes se fizerem necessários. A lei nº 9790/90, prevê que o ente público, antes de celebrar termo de convênio e definir repasses para entidades, necessita do parecer do Conselho de Políticas Públicas da área. Outro exemplo é a Lei nº 8242/91, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da criança e do adolescente, que prevê expressamente em seu art. 2º que cabe ao referido colegiado elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Na esfera normativo/regulamentar, a figura dos Conselhos é valorizada à medida que suas resoluções ou deliberações podem, em determinados casos, vincular o Poder Executivo à decisão do Conselho. Sob o ponto de vista do caráter fiscalizatório/controlador, os Conselhos, quando das adversidades, precisam ter firme posicionamento, não se deixando intimidar pelas possíveis represálias que poderão advir da Administração Pública. Por este motivo, os Conselhos muitas vezes não conseguem se organizar suficientemente, pois isto gera demanda comprometimento, e na atual conjuntura histórico-social, ás pessoas não tem tempo para se dedicar ao que não pertence ao círculo de convivência dela. No que tange ao caráter decisório-deliberativo dos Conselhos, o que se espera desses órgãos é que eles tenham poder pra contestar, apontar, cobrar providencias e estabelecer diretrizes em relação à implementação e acompanhamento das Políticas Públicas. A atuação dos Conselhos, com a participação popular, é um exercício efetivo da democracia. No funcionamento dos Conselhos, Administração e Sociedade estão próximos ininterruptamente e não somente em ocasiões pré definidas. Essa curta distancia entre Estado e população permite maior capacidade de fiscalização, controle e influencia da sociedade no governo, o que incide diretamente no controle dos direitos fundamentais. É sabido que com o grande número populacional da atualidade não haveria possibilidade de todas as pessoas participarem de todas as decisões nos moldes da Grécia antiga, por isto os Conselhos consistem em importante forma de efetivação da democracia mediante a participação popular. 6. O potencial transformador dos conselhos de políticas públicas Com o advento da Constituição de 1988, a ideia de a política ser compartilhada vem sendo difundida, de modo que a descentralização tem sido utilizada com frequência, como forma de aumentar o grau democrático das Instituições. Nesta seara, os Conselhos têm sido
  22. 22. reconhecidos como espaços de revigoramento da democracia, pois, por meio deles, a população tem a oportunidade de auxiliar na definição das políticas públicas e assim participar da criação de “novos direitos”, como bem leciona Berclaz: Uma vez sistematizados os principais elementos relativos ao funcionamento prático dos conselhos sociais, já tendo sido trabalhados os aspectos indicativos do seu traço político, propõe-se agora a hipótese de que a operação adequada desses colegiados democráticos serve não só como forte sinalizador das demandas e necessidades fundamentais da comunidade perante o Estado como também, a partir disso, permite a criação de novos direitos para além dos limites burocráticos e administrativos inicialmente pensados pelo poder público; direitos esses que, como visto, antes de meras imposições, também precisa partir de uma razão comunicativa capaz de estimular e fomentar consensos possíveis51 . Quando a população percebe que sua participação pode fazer a diferença, se sente motivada e incentiva as pessoas do seu convívio a participarem também, pois vêem a oportunidade de fazer com que o Estado atue na sua função de melhorar as condições de vida daqueles que dependem dele para sua sobrevivência: Sendo o Estado uma criação humana, evidente que sua existência precisa se justificar para aumentar a chance de reprodução da vida, não o contrário. É por conta disso que o Estado, na sua principal finalidade de existir perante o cidadão, precisa produzir políticas públicas que atendam e permitam incrementar a realização de direitos humanos (ter saúde, ter educação, ter o que comer/beber, ter onde morar etc.). Do mesmo modo, não há como se despertar interesse e motivação da sociedade em participar dos assuntos relativos ao Estado se não for com o propósito de criar condições capazes de melhorar a vida do povo52 . Com isto percebe-se a real função dos Conselhos, a de não só sinalizar à Administração pública as demandas da população, mas efetivar a democracia. A transformação e a inclusão da população nos interesses políticos não ocorrerão em curto prazo, pois na história do Brasil é recente a previsão da participação, e por este motivo não se tem a cultura da eficácia da participação. A realidade brasileira está contaminada por tradições centralizadoras, dependentes e autoritárias. No Brasil, a autonomia municipal e distrital nunca tomou forma e se desenvolveu, por este motivo se vê uma sociedade frágil, desorganizada e conflituosa, sempre subordinada a ações intervencionistas do Estado. O incentivo à participação popular se faz necessário, numa tentativa de mudar a realidade social, como leciona Wolkmer: Parece claro, por conseguinte, que a ruptura com esse tipo de estrutura societária demanda profundas e complexas transformações nas práticas, na cultura e nos valores do modo de vida cotidiano. Além da subversão do pensamento, do discurso 51 BERCLAZ, op. cit., p.282. 52 Id. Ibid., p.283
  23. 23. e do comportamento, importa igualmente reordenar o espaço público individual e coletivo, resgatando formas de ação humana que passam por questões como “comunidade”, “políticas democráticas de base”, “participação e controle popular”, “gestão descentralizada”, “poder local ou municipal” e “sistema de conselhos” 53 . O autor ainda pontua: Quando se dissemina a discussão sobre a mudança dos paradigmas em nível do político e do social e sobre as formas alternativas de legitimidade a partir de novos sujeitos coletivos “comunidade”. Ainda que possa carregar um sentido por vezes vago e difuso, a noção de “comunidade implica certo aglomerado social com características singulares, interesses comuns e identidade própria, que, embora inseridos num espectro de relações pulverizadas por consenso/dissenso, interligam- se por um lastro geográfico espacial, coexistência ideológica e carências materiais54 . As necessidades em comum são o elo entre pessoas para que juntas trabalhem em busca de um mesmo ideal. A soberania local será cada vez mais efetivada quando a comunidade entender que a redemocratização passa pela participação ativa das entidades de base: Assim, toda e qualquer proposta de transformação e organização urbano-industrial de massa no espaço público e periférico e dependente passa, hoje, necessariamente por políticas democráticas assentadas na descentralização, participação e controle das bases. Mais do que nunca, em estruturas periféricas como a brasileira, marcadas por uma cultura autoritária, centralizadora e excludente, impõe-se identificar, como indissociável no processo de reordenação do espaço comunitário, a construção de uma verdadeira cidadania aliada ao desenvolvimento de uma democracia participativa de base que tenha como meta a descentralização administrativa, o controle comunitário do poder e dos recursos, o exercício de mecanismos de co- gestão e autogestão local/setorial/municipal e o incremento das práticas de conselhos ou juntas consultivas, deliberativas e executivas55 . Com base nos ensinamentos de Wolkmer, nota-se a importância dos Conselhos como instâncias deliberativas de fortalecimento do poder local e da participação popular, na busca pelo revigoramento da democracia. O conceito de poder local é mais abrangente que o conceito de governo local, vários estudos demonstram que o poder local penetra no governo local, interferindo nas políticas públicas locais. Além disto, a experiência participativa educa a respeito da responsabilidade de cada indivíduo na fiscalização das ações da Administração Pública, fazendo com que exerçam a cidadania e se conscientizem da importância da efetividade da governança local: [...]; deve ser entendido o novo conceito de governança local e inserir-se a discussão sobre os conselhos gestores. Se compostos por lideranças e grupos qualificados – do ponto de vista do entendimento de seu papel, limites e possibilidades – e articulados 53 WOLKMER, op. cit., p.249. 54 WOLKMER, op. cit., p.250. 55 Id. Ibid. p. 253
  24. 24. a propostas e projetos sociais progressistas, podem fazer política tornando públicos os conflitos; enquanto interlocutores públicos, poderão realizar diagnósticos, construir proposições, fazer denúncias de questões que corrompem o sentido e o significado do caráter público das políticas, fundamentar ou reestruturar argumentos segundo uma perspectiva democrática; em suma, eles podem contribuir para a ressignificação da política de forma inovadora. Seu impacto na sociedade não será dado por índices estatísticos, mas por uma nova qualidade exercitada na gestão da coisa pública ao tratar o tema da exclusão social não meramente como inclusão em redes compensatórias destinadas a clientes/consumidores de serviços sociais. Eles podem cumprir um papel muito diferente do integrativo/assistencial atribuído, no passado, a outras formas de conselhos, como os comunitários/assistencialistas, compensatórios e integrativos. Isso tudo pressupõe transformar o Estado em um campo de experimentação institucional, onde coexistam soluções institucionais e coletivas permanentes de cidadãos organizados, todos participando sob dadas igualdades de condições56 . Pelo exposto, é reconhecida a relevância dos Conselhos de Políticas Públicas nas práticas de governança local, pois constituem instância eficaz de poder, capaz de criar novos direitos e fortalecer a democracia, atuando na defesa de uma Administração mais justa. O fato de o Conselho estar organizado e com ideais comuns, facilita no momento de discutir seus anseios junto ao poder público e como bem expressa o referido autor, impede os excessos da Administração Pública, evitando abusos de autoridade e vinculando à Administração a realização de discussões no momento da implementação de políticas públicas, evitando assim o descontentamento de um corpo social. 6.1. A importância dos conselhos na efetivação dos direitos fundamentais A forma mais eficaz para a efetivação dos Direitos Fundamentais é a implementação de Políticas Públicas, pois é necessário que haja forma para que estes direitos, inerentes a todas as pessoas possam ser concretizados. Nas palavras de Eduardo Cambi: A efetividade não se apresenta como condição ulterior do direito, mas antes, como condição de existência do próprio direito. Não basta, pois, o reconhecimento formal dos direitos fundamentais , imprescindível meios para concretizá-los. Os direitos fundamentais (sociais) são realizados a partir de um conjunto de atividades – denominado de políticas públicas – que devem ser realizados pela Administração Pública, para que os fins previstos na Constituição sejam cumpridos. Em sentido amplo, o termo políticas públicas abrange a coordenação dos meios à disposição do Estado para a harmonização das atividades estatais e privadas, nas quais se incluem a prestação de serviços e a atuação normativa, reguladora e de fomento, para a realização de objetivos politicamente determinados e socialmente relevantes. Enfim políticas públicas são metas políticas conscientes ou programas de ação governamental, voltados à coordenação dos meios à disposição do Estado e das atividades privadas, com a finalidade de realizar objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados57 . 56 Id. Ibid. p. 45. 57 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2.ed.rev.e atual.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
  25. 25. Com base na análise do autor, as políticas públicas constituem mecanismos para efetivação dos Direitos Fundamentais. Ressalta ainda a obrigatoriedade da Administração pública em prover eficazmente essas políticas públicas, de modo a diminuir as desigualdades e a exclusão de minorias. Comparando com a realidade, percebe-se que muitas vezes a Administração Pública por si só não prioriza as políticas públicas, deixando à margem grupos que necessitam de um amparo do Estado para se ter um mínimo existencial. Nesse contexto ganham importância os órgãos de participação e controle ressaltada aqui a relevância dos Conselhos de Políticas Públicas como instâncias deliberativas e não apenas consultivas. Márcio Berclaz afirma: os conselhos sociais desempenham plural e complexo papel por meio de uma determinada taxonomia ou classificação de atos, dentre os quais destaca-se a possibilidade de deliberação, ou seja, o reconhecimento de que os conselhos sociais tomam decisões. Uma vez admitido este traço deliberativo como característica marcante dos conselhos, vale dizer, assimilado que a tomada de decisão, constitui a essência do conselho social no cumprimento de seu papel (e poder) de controle, ao qual também já se fez referência anteriormente, combinando tal fato com o reconhecimento de que os conselhos sociais constituem uma esfera pública institucionalizada da qual participa, em paridade de composição, representantes do governo, pode-se dizer que os conselhos sociais produzem deliberações que podem ser considerados atos administrativos de caráter especial58 . As decisões dos Conselhos de Políticas Públicas vinculam a Administração Pública, sendo importante mecanismo de descentralização administrativa e obrigando o Poder Executivo a incluir na Lei Orçamentária anual, as verbas necessárias ao atendimento do programa proposto. Na recusa do cumprimento das suas deliberações, cabe ao Conselho de Políticas Públicas, o controle judicial das atividades administrativas, por isto é importante se concretizar a hegemonia dos Conselhos, para que sejam Instâncias autônomas, desvinculadas do Poder Executivo59 . Embora as deliberações sejam consideradas atos administrativos, adota-se a posição trazida por Berclaz, de que se trata de um ato administrativo diferenciado, como se verifica: Diferentemente do ato administrativo típico emanado da Administração Pública que está sujeito ao controle de legalidade jurisdicional e pode ser modificado, no tocante ao ato administrativo especial emanado pelas posições dos conselhos sociais a possibilidade de prestação jurisdicional serve muito mais para garantir a sua efetividade do que propriamente a sua alteração; o controle jurisdicional que aqui pode se estabelecer vai, no mínimo, no sentido de o Poder Executivo não poder, unilateralmente, invalidar e caminhar em sentido absolutamente contrário ao que foi 58 Id., Ibid., loc cit. 59 CAMBI, op. cit., p.193.
  26. 26. decidido pelo Conselho Social, especialmente sem motivação ou fundamentos que justifiquem60 . O doutrinador, ainda, afirma: A previsão constitucional do princípio da democracia deliberativa, como já demonstrado, não pode ser comando retórico ou vazio de sentido. A própria ideia dos conselhos sociais como espaços onde é possível se obter um consenso crítico democrático impõe que o projeto político gerado seja levado à prática e institucionalmente efetivado. O que a Constituição promete há de ser cumprido, as regras do seu jogo hão de ser seguidas, independente do gosto ou do interesse pessoal do governante 61 . Neste sentido, o Controle Jurisdicional, será utilizado com a função de “obrigar” a Administração a cumprir a deliberação do Conselho, não devendo, porém, o judiciário interferir no conteúdo da deliberação, visto que esta representa a vontade de um colegiado, legitimado pela Constituição Federal, no exercício da soberania garantida pelo texto da carta magna. CONSIDERAÇÕES FINAIS A democracia é uma prática social que, por sua vez cria instituições orientadas para determinados fins e valores – e no caso brasileiro, orientadas para a efetivação do Estado Democrático de Direito. Deve ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária. É também o processo de afirmação do povo e das garantias dos direitos fundamentais, o instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana. Se a legalidade é exigida, da mesma forma a igualdade, no exercício de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. O princípio democrático expressa a soberania popular. A democracia é mais do que o direito ao voto, a um legislativo atuante, à liberdade de expressão, sendo também o direito a real inclusão da pessoa humana na sociedade em que vive, com condições de uma vivência digna, respeito aos direitos humanos e a possibilidade de atuação e transformação nessa comunidade social. É o direito de o cidadão construir o próprio futuro e cooperar para o crescimento e desenvolvimento da sociedade em que se está inserido. Nessa esteia, a participação popular nos Conselhos de Políticas Públicas é fundamental para o respeito e a efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana importando, em última análise, o aumento do valor epistêmico da democracia. Os Conselhos de Políticas Públicas constituem espaços em que o cidadão e os arranjos institucionais da 60 BERCLAZ, op. cit., p.309 61 BERCLAZ, op. cit., p.310
  27. 27. democracia participativa e deliberativa, compostos paritariamente por governo e sociedade, são capazes de estabelecer controle, monitoramento sobre as políticas públicas e realização dos direitos fundamentais. Nesse sentido, são instrumentos transformadores da realidade social, pois além de apontar à Administração quais são as demandas da população, formalizam deliberações que vinculam a Administração Pública, assumindo então um caráter jurídico, sendo sobremaneira importantes na efetivação da democracia e na realização dos direitos fundamentais. REFERÊNCIAS ALVES, Fernando de Brito. Constituição e participação popular: a construção histórico- discursiva do conteúdo jurídico-político da democracia como direito fundamental. Curitiba: Juruá, 2013. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2004. BERCLAZ, Marcio Soares. A natureza político-jurídica dos conselhos sociais no brasil: uma leitura a partir da política da libertação e do pluralismo jurídico. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto Constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008. BRASIL. Lei nº 10 257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal , estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, 10 de julho de 2001. BRASIL. Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinam, define crimes e dá outras providências. Brasília, 22 de dezembro de 2003. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva. 2011. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
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