Por que retirar as amigdalas

Antigamente, a indicação da amigdalectomia (também chamada de tonsilectomia) era bastante comum. Para ser submetido ao procedimento, bastava apresentar um quadro crônico de infecções na garganta. No entanto, hoje em dia não é mais assim. Atualmente, os médicos decidem quando é necessário remover as amígdalas com base em critérios bem mais específicos. Mesmo porque, elas funcionam como uma barreira de proteção do organismo, atuando na imunidade, principalmente, nos primeiros anos de vida.

Neste artigo, o otorrinolaringologista Dr. Fábio Zanini, de Florianópolis, SC, explica para quais casos o procedimento é indicado. Para tirar suas dúvidas, continue a leitura!

Qual é a função das amígdalas?

As amígdalas são duas massas de tecido linfoide localizadas no fundo da garganta, em lados opostos. Sua função, ao detectar a presença de vírus ou bactérias, os quais entram pelo nariz (via respiração) e/ou pela boca (via ingesta de alimentos e bebidas), é emitir um sinal de alerta para o organismo. Com isso, inicia-se a produção dos anticorpos.

Sendo assim, muitos perguntam se, quando é necessário remover as amígdalas, não há prejuízos para o sistema imunológico. De fato, isso pode ser um problema para bebês e crianças pequenas. Por outro lado, segundo a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial (ABORL-CCF), não existem evidências que as amígdalas sejam necessárias após os três anos de idade.

O que é amigdalite?

amigdalite é a infecção das amígdalas, a qual pode ter origem viral (mais comum) ou bacteriana. Ela gera as conhecidas dores de garganta, muitas vezes, acompanhadas de sintomas como dificuldade ao engolir e febre.

Quando crônica, a infecção das amígdalas provoca a hipertrofia da região. Com isso, ocorrem sintomas como:

  • disfagia (dificuldade para deglutir alimentos ou mesmo ingerir bebidas);
  • obstrução nasal contínua;
  • prejuízos à qualidade do sono;
  • alterações de fala;
  • crescimento facial anormal e alterações na arcada dentária;
  • presença de mau hálito (halitose grave); entre outros.

Há algumas décadas, a cirurgia para remoção das amígdalas era indicada como uma forma de prevenir a ocorrência de amigdalites. Felizmente, com o avanço da medicina, a principal linha de tratamento passou a ser feita com o uso de antibióticos. Porém, em alguns casos, ainda é necessário recorrer ao tratamento cirúrgico.

A cirurgia para retirada das amígdalas pode ser feita com ou sem a remoção das adenoides (também chamadas de “carne esponjosa”). Ainda que não haja consenso, a ABORL-CCF afirma que o procedimento é indicado, a partir dos quatro anos de idade, para pacientes que não apresentaram melhora com o tratamento clínico. É o caso daqueles com amigdalites de repetição, ou seja, com frequência de:

  • sete ou mais episódios da infecção, em um intervalo igual ou menor a um ano;
  • cinco ou mais episódios anuais, em dois anos consecutivos;
  • três ou mais episódios anuais, em três anos seguidos.

Mas os critérios de indicação não se limitam a isso. Também é preciso considerar a gravidade de cada episódio, bem como sua repercussão na rotina do paciente. Além disso, para cada episódio, o candidato ao procedimento deve apresentar, pelo menos, uma das seguintes ocorrências:

  • febre alta (maior ou igual a 38,3ºC);
  • obstrução das vias aéreas superiores;
  • aumento dos linfonodos (glânglios linfáticos) do pescoço;
  • existência de manchas brancas nas amígdalas (exsudato amigdaliano);
  • presença de estreptococo beta-hemolítico do grupo A;
  • presença de bolsas de pus (abcesso periamigdaliano) próximas às amígdalas;
  • suspeita de nódulos ou da presença de tumores na região.

Outros fatores que contam a favor da indicação da cirurgia para remoção das amígdalas são histórico de otites, alergias e apneias. Por outro lado, o tamanho das amígdalas não é, em si, um fator que contribui para a indicação cirúrgica, assim como a ocorrência de roncos.

Como é a cirurgia para remoção das amígdalas?

A cirurgia para remoção das amígdalas deve ser realizada, preferencialmente, após duas semanas sem infecção. Ela é feita sob anestesia geral e dura, em média, 30 minutos.

O paciente recebe alta após ficar algumas horas em observação — na maioria das vezes, no mesmo dia. O pós-operatório costuma ser um pouco incomodo, principalmente, por conta da dificuldade para engolir.

Agora que você sabe quando é necessário remover as amígdalas, procure um especialista para avaliar seu caso individualmente. Caso existam infecções recorrentes associadas a outros problemas, provavelmente, haverá indicação para o procedimento.

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Há critérios para realizar remoção de amígdala, mas eles não são seguidos pela maior parte dos casos pesquisados no Reino Unido

Milhares de crianças são submetidas todos os anos a cirurgias para retirada das amígdalas sem que haja necessidade. Um estudo realizado na Inglaterra descobriu que 7 de cada 8 operações do tipo realizadas em crianças do país dificilmente trariam alguma vantagem.

As amígdalas, localizadas próximo a base da língua, desempenham um papel importante no sistema imunológico, ajudando a proteger o organismo contra vírus e bactérias que entram pela boca ou pelo nariz. Mas são um daqueles órgãos que não são considerados indispensáveis para a sobrevivência.

Segundo o estudo, o procedimento cirúrgico pode estar causando mais danos do que benefícios às crianças. Sem contar o gasto que representa para o sistema público de saúde inglês, o NHS - que já informou que planeja reduzir o número de operações de retirada de amígdala e outros tratamentos "ineficientes", nos quais os prejuízos sejam maiores do que os ganhos.

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Estudo estima que 7 de cada 8 operações infantis do tipo realizadas no Reino Unido foram desnecessárias

De acordo com os pesquisadores, a remoção das amígdalas é indicada apenas quando atende a um dos critérios abaixo:

  • Mais de sete episódios de dor ou inflamação da garganta por ano;
  • Mais de cinco episódios de dor ou inflamação da garganta por ano, durante dois anos consecutivos;
  • Três episódios de dor ou inchaço da garganta ao ano durante três anos seguidos.

O estudo da Inglaterra, publicado no The British Journal of General Practice, analisou os registros de mais de 1,6 milhão de crianças inglesas entre 2005 e 2016. De cada mil crianças do país, duas ou três foram submetidas à cirurgia para retirada de amígdala.

Porém, 88% (cerca de 7 em cada 8) não preenchiam os critérios acima. Apenas 12% das cirurgias realizadas no período foram clinicamente justificadas.

No grupo de crianças que foi submetida à cirurgia sem preencher os critérios, 10% havia tido apenas um único episódio de dor de garganta ou inflamação.

Com base nesses dados, o estudo estimou que 32,5 mil das 37 mil amigdalectomias infantis realizadas no Reino Unido entre 2016 e 2017 foram desnecessárias, custando £ 36,9 milhões (o equivalente a quase R$ 180 milhões) ao sistema público de saúde.

Tom Marshall, professor do Instituto de Pesquisa em Saúde Aplicada da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e um dos autores do estudo, afirma que a cirurgia pode ser justificada no caso de pacientes mais seriamente afetados.

"A pesquisa sugere que crianças com menos dores ou inflamações na garganta não vão se beneficiar o suficiente para justificar a cirurgia, porque, de qualquer forma, a dor de garganta tende a desaparecer", diz.

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Estudos mostram que, em vários países, essas cirurgias são realizadas sem justificativa clínica

Os especialistas também ressaltam que, como em todas as cirurgias, as amigdalectomias podem levar a complicações que, embora raras, podem ser graves.

"Quando esta operação é realizada no grupo certo de crianças, pode reduzir significativamente as infecções da garganta, melhorar a qualidade do sono, diminuir o número de consultas médicas, o uso de antibióticos e, mais importante, melhorar a qualidade de vida da criança e da família ", afirmam especialistas da Escola de Medicina McGovern da Universidade do Texas, nos EUA.

"No entanto, há uma morbidade associada à cirurgia que inclui hospitalização, custo financeiro, risco de anestesia, sangramento pós-operatório e cicatrização", acrescentam.

"De fato, até 4% das crianças operadas podem ter que ser internadas novamente devido a complicações secundárias, o que significa que a tomada de decisão adequada para realizar essa cirurgia é de suma importância."

Além disso, alguns estudos sugerem que a retirada das amígdalas na infância pode ter conquências no longo prazo, como aumento do risco de ataque cardíaco precoce e de doenças respiratórias, como asma, pneumonia e gripe na vida adulta.

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Embora as complicações da cirurgia sejam raras, elas podem ser graves

O problema não é exclusivo do Reino Unido. Uma pesquisa publicada em 2014 pelo The Cochrane Review comparou estudos conduzidos em diversos lugares do mundo sobre a eficácia da cirurgia de remoção de amígdala, e constatou que um grande número de operações é feita sem justificativa clínica suficiente.

O levantamento não cita o Brasil. Aqui, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou 33,8 mil cirurgias para retirada de amígdalas em 2017, sendo 31,1 mil em crianças (mais de 90%).

Os Estados Unidos são o país com as taxas mais altas do procedimento. A cada ano, são realizadas mais de 500 mil amigdalectomias infantis - trata-se da terceira operação mais comum em crianças no país. As taxas são tão altas que o procedimento foi descrito como "uma epidemia".

"É uma epidemia silenciosa de cuidados médicos desnecessários", disse em 2012 o especialista David Goodman, do Darthouth Atlas, banco de dados sobre cuidados de saúde do Instituto Darmouth para Política de Saúde e Prática Clínic, dos Estados Unidos.

"Na maioria dos casos, (a retirada de amígdalas) é realizada em pacientes com sintomas muito menos recorrentes do o necessário para indicar o procedimento", disse Goodman.