O etnocentrismo é a visão preconceituosa e unilateralmente formada sobre outros povos, culturas, religiões e etnias. Esse conceito refere-se, portanto, ao hábito de julgar inferior uma cultura diferente da sua própria cultura, considerando absurdo tudo que dela deriva e considerando a sua como a única correta. O extremo oposto do etnocentrismo é o relativismo cultural, que tende a olhar com extrema noção de alteridade para as diferenças e peculiaridades das outras culturas e reconhecê-las como sendo tão legítimas quanto a sua própria.
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O que é etnocentrismo
Desmembrando a palavra etnocentrismo, encontramos o prefixo etno, advindo de etnia, e centrismo, que é ato de colocar algo no centro, ou seja, tornar algo fundamental ou principal. Enxergar o mundo de maneira etnocentrista significa perceber o mundo, a sua diversidade e as suas peculiaridades apenas com base em uma visão distorcida por aquilo que você acha que é culturalmente melhor ou correto.
O etnocentrismo consiste, portanto, numa visão de mundo que privilegie os hábitos de nossa própria cultura justamente por partirmos deles, o que faz com que nós mesmos coloquemo-nos no lugar central e olhemos o outro, o diferente, como o ridículo, o inferior, o errado, o pecador. Assim, são as nossas próprias noções de mundo que servem de referência para o que seria uma análise de mundo correta (isso ocorre na visão etnocentrista, mas não é verdadeiro), tornando o diferente algo menor, causando estranhamento, preconceito, falsas justificativas de dominação e até mesmo a hostilidade.
Etnocentrismo e outras formas de preconceito
O etnocentrismo também está relacionado a outras formas de preconceito que, infelizmente, ainda estão enraizadas em nossa cultura. Podemos achar relações estreitas do etnocentrismo com o racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa.
A religião é um dos traços culturais de um povo, e, talvez, na relação policêntrica do mundo globalizado, ela seja o ponto mais polêmico. Em suma, quando o pilar judaico-cristão que forma a sociedade ocidental é visto e interpretado de maneira radical por seus devotos, há uma forte tendência ao preconceito religioso contra praticantes de outras religiões. Nesse sentido, podemos dizer que o etnocentrismo está junto à intolerância religiosa, pois cultura e religião andam juntas. Essa situação forma o etnocentrismo religioso.
A antropologia é uma ciência que, apesar dos avanços e da importância social que tem hoje, fundou-se sob pilares etnocentristas e racistas. Os primeiros estudos antropológicos levantados pelos estudiosos ingleses Edward Burnett Tylor e Herbert Spencer intentavam demonstrar a inferioridade dos habitantes dos continentes africanos e asiáticos em meio à dominação europeia do neocolonialismo.
Nesse sentido, fundaram-se teorias etnocentristas e racistas que mediam o que os antropólogos chamavam de “nível de evolução humana” pelo “nível de evolução cultural e social”. O que esses estudiosos fizeram foi, à primeira vista, analisar a cultura de outros povos de maneira completamente etnocentrista, considerando a cultura europeia branca como superior e melhor, para assinalar a inferioridade daqueles outros povos e como que autorizar o domínio daquelas terras. A questão racial, obviamente, estava entrelaçada nessa tendenciosa análise que apontava justamente os povos negros como “inferiores” e os brancos como “superiores”.
Entre as formas de preconceito de origem etnocentrista, talvez a mais evidente seja a xenofobia. A aversão aos estrangeiros dá-se de um modo a causar o estranhamento daquele que veio de fora e é diferente justamente porque essa análise parte de alguém que vê o outro com base em si mesmo. A cultura, o modo de ser, os trajes e os costumes dos estrangeiros somente são considerados ruins porque há um parâmetro de medida que é a própria cultura da pessoa que analisa, o que, junto a questões ideológicas e político-sociais, em situação de imigração, gera o preconceito xenofóbico.
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Etnocentrismo e relativismo cultural
Para entender-se a relação contrária entre etnocentrismo e relativismo cultural, precisamos resgatar e continuar aquela história sobre a antropologia iniciada no tópico anterior. A antropologia foi se transformando com estudos posteriores, como os do geógrafo e antropólogo judeu alemão Franz Boas, que passaram a mudar a visão antropológica sobre os povos que habitavam outros continentes fora da Europa. Enquanto as teorias preconceituosas dos primeiros antropólogos pautavam-se em visões não científicas, pois não estavam embasadas em estudos concretos. Boas, ao conviver durante um tempo com povos que habitavam o extremo norte do Canadá, na Ilha de Baffin, percebeu a riqueza cultural daquele povo e a necessidade de entender-se a língua e a cultura de um povo para realmente compreendê-lo.
Na esteira dos trabalhos de Boas, foi o antropólogo polonês Bronislaw Malinowski que organizou uma metodologia que regulamentava o trabalho genuinamente científico da antropologia. O trabalho de campo era necessário para que o profissional submergisse efetivamente na cultura de um povo para compreendê-la em todos os seus detalhes. Após Malinowski, é o antropólogo belga Claude Lévi-Strauss quem toma a frente no cenário dos estudos antropológicos europeus e destaca a importância de reconhecer-se a necessidade de um enfrentamento relativista quanto às questões culturais.
O relativismo cultural é a maleabilidade para entender-se as peculiaridades de outras culturas. O ato de relativizar consiste em desprender-se de uma rigidez para analisar questões baseadas em casos específicos, ou seja, a análise baseia-se em questões relativas a cada caso. O relativismo é positivo e necessário para enfrentar-se o etnocentrismo, no entanto, não se pode, por meio de uma chave relativista, defender também todo o tipo de barbárie que fira os direitos humanos em nome de uma relativização da cultura.
Exemplos de etnocentrismo
Os exemplos de etnocentrismo podem ser percebidos nos mais minuciosos detalhes, como nos preconceitos empregados pela linguagem, em piadas e até em atos de violência. Relacionado aos preconceitos, o etnocentrismo pode ser expresso por piadas que ridicularizem a linguagem, a cultura e a religião dos outros povos.
Como visão de análise, o etnocentrismo é expresso pela maneira de enxergar o outro (de outra etnia, de outra cultura) como alguém inferior. É necessário entender que existem diferenças culturais entre os povos, mas quando essas diferenças são usadas para diminuir, classificar e subjugar os outros, cai-se numa visão etnocentrista.
Como evitar o etnocentrismo
Não há uma fórmula mágica que erradique de vez o etnocentrismo em toda uma sociedade. Talvez a maior força combativa ao etnocentrismo e a qualquer tipo de preconceito seja o estudo. O incentivo ao estudo e o investimento em educação são as principais armas para combater-se, gradativamente, o preconceito enraizado na cultura de um povo.
Tanto se fala hoje de racismo e manifestações "contra o antirracismo" (leia-se: a favor do racismo) que dei comigo a refletir sobre esta e a palavra "xenofobia". Tive dúvidas quanto à pertinência do tema, mas elas dissiparam-se ao consultar o sítio web do dicionário Merriam-Webster, que, a propósito das diferenças entre "racism" and "xenophobia", nota que nunca é bom sinal verificar um substancial acréscimo das consultas de termos relacionados e indesejáveis como "racismo" e "xenofobia", como acontece desde o aparecimento da covid-19 e subsequente pandemia global (tradução minha).
A palavra "racismo" terá entrado em português no século XX, proveniente do francês, com atestação de 1902, na sequência da exploração política da noção de "raça", diz-nos o Dictionnaire Historique de la Langue Française; já o Oxford English Dictionary indica-a como tendo sido cunhada em 1902 pelo general norte-americano Richard Henry Pratt. "Racismo" é um internacionalismo, i.e. tem palavras cognatas (com a mesma origem e estrutura) em diversas línguas. A Infopédia propõe três aceções para "racismo": "teoria sem quaisquer fundamentos científicos que defende a existência de uma hierarquia entre grupos humanos, definidos segundo carateres físicos e hereditários como a cor da pele, atribuindo aos grupos considerados superiores o direito de dominar ou mesmo suprimir outros considerados inferiores", "atitude preconceituosa e discriminatória contra indivíduos de determinada(s) etnia(s)" e "sistema político ou social que promove a discriminação de determinada(s) etnia(s) ou grupo(s)". Sobressai o pedagogismo do lexicógrafo, ao explicitar que o racismo, enquanto teoria, não tem fundamento científico e, enquanto atitude, é preconceituoso. Afinal, os dicionários são também recursos pedagógicos.
O conceito de "raça" foi desacreditado ao longo do século XX, primeiro pela antropologia, depois pela biologia e a genética. Fala-se hoje de "etnias", categorizadas a partir de aspetos de natureza sociocultural e linguística (que vinculam os seus membros ao grupo e diferenciam este dos demais grupos) e já não em termos de carateres físicos ou hereditários partilhados. De etimologia grega, "etnia" terá entrado no português no século XX, por via do francês, língua em que é tratado como empréstimo culto, de 1896, embora o adjetivo "ethnique" seja usado desde o século XIII. O Merriam-Webster indica 1941 para entrada do nome "ethnic" em inglês.
Para o internacionalismo "xenofobia", a Infopédia apresenta duas aceções: "antipatia ou aversão pelas pessoas ou coisas estrangeiras" e "preconceito ou atitude hostil contra o que é de outro país ou de outro meio". A palavra terá entrado em português no século XX pelo francês, onde é atestada no final do século XIX. O Merriam Webster assegura-nos que a primeira atestação em inglês ocorre no Daily News, já em 1880.
Que nos contam as palavras "racismo e "xenofobia"?
Antes de mais, nomeiam conceitos relacionados (e por isso frequentemente confundidos) mas diferentes e são palavras surpreendentemente recentes, ambas cunhadas primeiro em inglês. A xenofobia ganha nome em Inglaterra, associada a termos como "xenomania" ou "jingoism", todos da mesma época (1870-1880). O conceito de "racismo" ganha nome nos EUA, no início do século XX, embora as crenças sobre a supremacia dos europeus e as práticas racistas remontem ao colonialismo europeu. É provável que as palavras tenham circulado na sociedade antes das primeiras atestações registadas. Em português, ambas chegam com relativo atraso, algures no século XX, e por meio do francês, a grande referência cultural portuguesa até meados desse século. "Racismo" é semanticamente mais abrangente (teoria, atitude, sistema político ou social), implica a crença de que algumas "raças" são superiores e a tentativa de racionalização dessa crença. Por seu turno, a xenofobia é apenas sentimento, preconceito, muito menos orgânica e teorizada do que o racismo (nomeando o medo ou fobia do diferente, do desconhecido, digo eu).
Seguramente os especialistas em história e ciências sociais justificarão estes factos lexicológicos. Eles permitem demonstrar que o léxico acompanha e testemunha os avanços das sociedades e do pensamento e, ainda, que as línguas vivas acolhem naturalmente as palavras de que necessitam em cada momento e se enriquecem também deste modo.