Diferença entre xenofobia é etnocentrismo

O etnocentrismo é a visão preconceituosa e unilateralmente formada sobre outros povos, culturas, religiões e etnias. Esse conceito refere-se, portanto, ao hábito de julgar inferior uma cultura diferente da sua própria cultura, considerando absurdo tudo que dela deriva e considerando a sua como a única correta. O extremo oposto do etnocentrismo é o relativismo cultural, que tende a olhar com extrema noção de alteridade para as diferenças e peculiaridades das outras culturas e reconhecê-las como sendo tão legítimas quanto a sua própria.

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O que é etnocentrismo

Desmembrando a palavra etnocentrismo, encontramos o prefixo etno, advindo de etnia, e centrismo, que é ato de colocar algo no centro, ou seja, tornar algo fundamental ou principal. Enxergar o mundo de maneira etnocentrista significa perceber o mundo, a sua diversidade e as suas peculiaridades apenas com base em uma visão distorcida por aquilo que você acha que é culturalmente melhor ou correto.

O etnocentrismo consiste, portanto, numa visão de mundo que privilegie os hábitos de nossa própria cultura justamente por partirmos deles, o que faz com que nós mesmos coloquemo-nos no lugar central e olhemos o outro, o diferente, como o ridículo, o inferior, o errado, o pecador. Assim, são as nossas próprias noções de mundo que servem de referência para o que seria uma análise de mundo correta (isso ocorre na visão etnocentrista, mas não é verdadeiro), tornando o diferente algo menor, causando estranhamento, preconceito, falsas justificativas de dominação e até mesmo a hostilidade.

Diferença entre xenofobia é etnocentrismo
Os povos indígenas americanos sofrem com o etnocentrismo desde o primeiro movimento colonizador do século XVI.

Etnocentrismo e outras formas de preconceito

O etnocentrismo também está relacionado a outras formas de preconceito que, infelizmente, ainda estão enraizadas em nossa cultura. Podemos achar relações estreitas do etnocentrismo com o racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa.

A religião é um dos traços culturais de um povo, e, talvez, na relação policêntrica do mundo globalizado, ela seja o ponto mais polêmico. Em suma, quando o pilar judaico-cristão que forma a sociedade ocidental é visto e interpretado de maneira radical por seus devotos, há uma forte tendência ao preconceito religioso contra praticantes de outras religiões. Nesse sentido, podemos dizer que o etnocentrismo está junto à intolerância religiosa, pois cultura e religião andam juntas. Essa situação forma o etnocentrismo religioso.

A antropologia é uma ciência que, apesar dos avanços e da importância social que tem hoje, fundou-se sob pilares etnocentristas e racistas. Os primeiros estudos antropológicos levantados pelos estudiosos ingleses Edward Burnett Tylor e Herbert Spencer intentavam demonstrar a inferioridade dos habitantes dos continentes africanos e asiáticos em meio à dominação europeia do neocolonialismo.

Diferença entre xenofobia é etnocentrismo
A visão do homem branco colonizador como um salvador dos “povos primitivos” é etnocentrista.

Nesse sentido, fundaram-se teorias etnocentristas e racistas que mediam o que os antropólogos chamavam de “nível de evolução humana” pelo “nível de evolução cultural e social”. O que esses estudiosos fizeram foi, à primeira vista, analisar a cultura de outros povos de maneira completamente etnocentrista, considerando a cultura europeia branca como superior e melhor, para assinalar a inferioridade daqueles outros povos e como que autorizar o domínio daquelas terras. A questão racial, obviamente, estava entrelaçada nessa tendenciosa análise que apontava justamente os povos negros como “inferiores” e os brancos como “superiores”.

Entre as formas de preconceito de origem etnocentrista, talvez a mais evidente seja a xenofobia. A aversão aos estrangeiros dá-se de um modo a causar o estranhamento daquele que veio de fora e é diferente justamente porque essa análise parte de alguém que vê o outro com base em si mesmo. A cultura, o modo de ser, os trajes e os costumes dos estrangeiros somente são considerados ruins porque há um parâmetro de medida que é a própria cultura da pessoa que analisa, o que, junto a questões ideológicas e político-sociais, em situação de imigração, gera o preconceito xenofóbico.

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Etnocentrismo e relativismo cultural

Para entender-se a relação contrária entre etnocentrismo e relativismo cultural, precisamos resgatar e continuar aquela história sobre a antropologia iniciada no tópico anterior. A antropologia foi se transformando com estudos posteriores, como os do geógrafo e antropólogo judeu alemão Franz Boas, que passaram a mudar a visão antropológica sobre os povos que habitavam outros continentes fora da Europa. Enquanto as teorias preconceituosas dos primeiros antropólogos pautavam-se em visões não científicas, pois não estavam embasadas em estudos concretos. Boas, ao conviver durante um tempo com povos que habitavam o extremo norte do Canadá, na Ilha de Baffin, percebeu a riqueza cultural daquele povo e a necessidade de entender-se a língua e a cultura de um povo para realmente compreendê-lo.

Na esteira dos trabalhos de Boas, foi o antropólogo polonês Bronislaw Malinowski que organizou uma metodologia que regulamentava o trabalho genuinamente científico da antropologia. O trabalho de campo era necessário para que o profissional submergisse efetivamente na cultura de um povo para compreendê-la em todos os seus detalhes. Após Malinowski, é o antropólogo belga Claude Lévi-Strauss quem toma a frente no cenário dos estudos antropológicos europeus e destaca a importância de reconhecer-se a necessidade de um enfrentamento relativista quanto às questões culturais.

O relativismo cultural é a maleabilidade para entender-se as peculiaridades de outras culturas. O ato de relativizar consiste em desprender-se de uma rigidez para analisar questões baseadas em casos específicos, ou seja, a análise baseia-se em questões relativas a cada caso. O relativismo é positivo e necessário para enfrentar-se o etnocentrismo, no entanto, não se pode, por meio de uma chave relativista, defender também todo o tipo de barbárie que fira os direitos humanos em nome de uma relativização da cultura.

Diferença entre xenofobia é etnocentrismo
Franz Boas, um dos primeiros a mudar a visão etnocentrista da antropologia.

Exemplos de etnocentrismo

Os exemplos de etnocentrismo podem ser percebidos nos mais minuciosos detalhes, como nos preconceitos empregados pela linguagem, em piadas e até em atos de violência. Relacionado aos preconceitos, o etnocentrismo pode ser expresso por piadas que ridicularizem a linguagem, a cultura e a religião dos outros povos.

Como visão de análise, o etnocentrismo é expresso pela maneira de enxergar o outro (de outra etnia, de outra cultura) como alguém inferior. É necessário entender que existem diferenças culturais entre os povos, mas quando essas diferenças são usadas para diminuir, classificar e subjugar os outros, cai-se numa visão etnocentrista.

Como evitar o etnocentrismo

Não há uma fórmula mágica que erradique de vez o etnocentrismo em toda uma sociedade. Talvez a maior força combativa ao etnocentrismo e a qualquer tipo de preconceito seja o estudo. O incentivo ao estudo e o investimento em educação são as principais armas para combater-se, gradativamente, o preconceito enraizado na cultura de um povo.

Tanto se fala hoje de racismo e manifestações "contra o antirracismo" (leia-se: a favor do racismo) que dei comigo a refletir sobre esta e a palavra "xenofobia". Tive dúvidas quanto à pertinência do tema, mas elas dissiparam-se ao consultar o sítio web do dicionário Merriam-Webster, que, a propósito das diferenças entre "racism" and "xenophobia", nota que nunca é bom sinal verificar um substancial acréscimo das consultas de termos relacionados e indesejáveis como "racismo" e "xenofobia", como acontece desde o aparecimento da covid-19 e subsequente pandemia global (tradução minha).

A palavra "racismo" terá entrado em português no século XX, proveniente do francês, com atestação de 1902, na sequência da exploração política da noção de "raça", diz-nos o Dictionnaire Historique de la Langue Française; já o Oxford English Dictionary indica-a como tendo sido cunhada em 1902 pelo general norte-americano Richard Henry Pratt. "Racismo" é um internacionalismo, i.e. tem palavras cognatas (com a mesma origem e estrutura) em diversas línguas. A Infopédia propõe três aceções para "racismo": "teoria sem quaisquer fundamentos científicos que defende a existência de uma hierarquia entre grupos humanos, definidos segundo carateres físicos e hereditários como a cor da pele, atribuindo aos grupos considerados superiores o direito de dominar ou mesmo suprimir outros considerados inferiores", "atitude preconceituosa e discriminatória contra indivíduos de determinada(s) etnia(s)" e "sistema político ou social que promove a discriminação de determinada(s) etnia(s) ou grupo(s)". Sobressai o pedagogismo do lexicógrafo, ao explicitar que o racismo, enquanto teoria, não tem fundamento científico e, enquanto atitude, é preconceituoso. Afinal, os dicionários são também recursos pedagógicos.

O conceito de "raça" foi desacreditado ao longo do século XX, primeiro pela antropologia, depois pela biologia e a genética. Fala-se hoje de "etnias", categorizadas a partir de aspetos de natureza sociocultural e linguística (que vinculam os seus membros ao grupo e diferenciam este dos demais grupos) e já não em termos de carateres físicos ou hereditários partilhados. De etimologia grega, "etnia" terá entrado no português no século XX, por via do francês, língua em que é tratado como empréstimo culto, de 1896, embora o adjetivo "ethnique" seja usado desde o século XIII. O Merriam-Webster indica 1941 para entrada do nome "ethnic" em inglês.

Para o internacionalismo "xenofobia", a Infopédia apresenta duas aceções: "antipatia ou aversão pelas pessoas ou coisas estrangeiras" e "preconceito ou atitude hostil contra o que é de outro país ou de outro meio". A palavra terá entrado em português no século XX pelo francês, onde é atestada no final do século XIX. O Merriam Webster assegura-nos que a primeira atestação em inglês ocorre no Daily News, já em 1880.

Que nos contam as palavras "racismo e "xenofobia"?

Antes de mais, nomeiam conceitos relacionados (e por isso frequentemente confundidos) mas diferentes e são palavras surpreendentemente recentes, ambas cunhadas primeiro em inglês. A xenofobia ganha nome em Inglaterra, associada a termos como "xenomania" ou "jingoism", todos da mesma época (1870-1880). O conceito de "racismo" ganha nome nos EUA, no início do século XX, embora as crenças sobre a supremacia dos europeus e as práticas racistas remontem ao colonialismo europeu. É provável que as palavras tenham circulado na sociedade antes das primeiras atestações registadas. Em português, ambas chegam com relativo atraso, algures no século XX, e por meio do francês, a grande referência cultural portuguesa até meados desse século. "Racismo" é semanticamente mais abrangente (teoria, atitude, sistema político ou social), implica a crença de que algumas "raças" são superiores e a tentativa de racionalização dessa crença. Por seu turno, a xenofobia é apenas sentimento, preconceito, muito menos orgânica e teorizada do que o racismo (nomeando o medo ou fobia do diferente, do desconhecido, digo eu).

Seguramente os especialistas em história e ciências sociais justificarão estes factos lexicológicos. Eles permitem demonstrar que o léxico acompanha e testemunha os avanços das sociedades e do pensamento e, ainda, que as línguas vivas acolhem naturalmente as palavras de que necessitam em cada momento e se enriquecem também deste modo.