Como vivem os índios atualmente no Brasil 2022

Como vivem os índios atualmente no Brasil 2022

No Brasil, vivem atualmente 740 mil índios (fotos: Eduardo Giacomazzi).

Em 19 de abril, celebra-se o Dia do Índio. Ótima oportunidade para que você se pergunte: como vivem hoje os primeiros habitantes do Brasil? Muito tempo se passou desde que os portugueses chegaram aqui e conheceram esses povos cheios de tradições. Mais de 500 anos depois, qual é o resultado desse encontro de culturas? Pegue seu cocar e embarque nessa viagem ao mundo indígena moderno!

Por toda a parte

Você, que está acostumado a pensar que os índios vivem na floresta, já os imaginou morando no meio do sertão? Ou na beira da praia? Pois saiba que isso é comum, especialmente na região Nordeste! Apesar disso, a maioria dos 740 mil indígenas encontrados hoje no Brasil habita regiões de floresta, em terras destinadas pelo governo a eles. Muitas dessas terras ficam no estado do Amazonas, mas também existem grupos indígenas nos outros estados da região Norte e na região Centro-Oeste, além do Nordeste e do Sudeste.

Nessas terras, os índios vivem em aldeias, em que geralmente eles mesmos produzem seu próprio alimento. As famílias se ajudam e as crianças são criadas livremente. Até aí, nada diferente dos indígenas que viviam por aqui há 500 anos. Mas saiba que, nesse tempo, muita coisa mudou. “Os índios não poderiam ter vivido em contato com o homem branco por cinco séculos e continuarem exatamente da mesma forma”, explica o antropólogo João Pacheco de Oliveira, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quer um exemplo? “É muito difícil encontrar hoje índios sem roupa em uma aldeia”, conta.

Mistureba!

Os índios atuais absorveram diversas práticas que não pertencem à sua cultura. Muitas crianças indígenas frequentam escolas, mantidas nas aldeias pela Fundação Nacional do Índio, e aprendem o português. Mas isso não quer dizer que os indígenas tenham abandonado suas tradições, como os rituais religiosos e as danças.

“A troca cultural não destrói necessariamente uma cultura”, explica João Pacheco. “É natural que a primeira reação do ser humano ao ver as tradições de outro povo seja a curiosidade e não a hostilidade. Os indígenas têm a possibilidade de praticar as duas culturas, sem se tornarem menos índios por causa disso.”

Quer ver como é possível? Quando alguém fica doente em uma aldeia, a pessoa é tratada ali mesmo. Isso porque os índios têm muitos conhecimentos para utilizar ervas e plantas no tratamento de moléstias. Além disso, existe o pajé, um curandeiro responsável por cuidar dos doentes. Mas, quando o caso é grave e não pode ser resolvido dentro da aldeia, o jeito é levar o doente a um hospital.

Nas cidades

Agora que você já conhece essa mistura cultural, não vai se surpreender tanto ao descobrir que os índios chegaram às grandes cidades. “Em lugares como Manaus e São Paulo, eles têm movimentos organizados”, conta João Pacheco de Oliveira. “Assim, conseguem manter uma vida coletiva de cooperação e promover encontros em que mantém suas atividades rituais.”

Depois de saber de tudo isso, dá para ver que pessoas de diferentes culturas podem conviver em harmonia e aprender uns com os outros. “Conviver com índios seria uma experiência maravilhosa para qualquer criança. Eles têm muito a contar e a ensinar”, garante João Pacheco de Oliveira. De fato, quem aí não gostaria de ter um amigo indígena?

Os povos indígenas contemporâneos estão espalhados por todo o território brasileiro. Vários desses povos também habitam países vizinhos. No Brasil, a grande maioria das comunidades indígenas vive em terras coletivas, declaradas pelo governo federal para seu usufruto exclusivo. As chamadas Terras Indígenas (TIs) somam, hoje, 726 áreas.

Nos estados da Amazônia Legal brasileira a população de pessoas indígenas, conforme o Censo IBGE 2010, é de 433.363 (somando os estados Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e Maranhão - desconsiderando que apenas parte do Maranhão é Amazônia Legal, uma vez que os dados divulgados do Censo não possibilitam esse recorte apurado).

O reconhecimento das Terras Indígenas por parte do Estado (processo de demarcação) é um capítulo ainda não encerrado da história brasileira. Muitas delas estão demarcadas e contam com registros em cartórios, outras estão em fase de reconhecimento; há, também, áreas indígenas sem nenhuma regularização. Além disso, diversas TIs estão envolvidas em conflitos e polêmicas.

Quem vive onde

Para saber em quais estados estão os diferentes grupos, pesquise abaixo:


Como vivem os índios atualmente no Brasil 2022

A Amazônia brasileira abriga o maior número de povos indígenas isolados conhecidos no planeta. No Brasil, apenas um deles vive fora do bioma, os Avá-Canoeiro, que ocupam porções de Tocantins e Goiás. A Funai contabiliza oficialmente 114 registros da presença desses grupos no país, 28 deles confirmados. 

O mais novo grupo foi confirmado em setembro do ano passado no município de Lábrea, no sul do Amazonas, por uma expedição liderada por servidores da Funai. O fato foi tornado público em fevereiro deste ano pelo Brasil de Fato e pelo site O Joio e o Trigo. A cúpula do órgão indigenista, no entanto, não reconheceu oficialmente a confirmação até a publicação desta reportagem. 

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Para denominar esses grupos que vivem de maneira autônoma, o Estado brasileiro usa o termo jurídico-administrativo “isolados”. No campo do indigenismo, porém, existem outros: “autônomos”, “resistentes”, “ocultos”, “não contatados”, “em isolamento voluntário” ou “povos livres”. 

Por que eles se isolam?

O genocídio provocado pela colonização ajuda a explicar por que eles buscam viver longe da sociedade não indígena. Os povos originários do Brasil, por pouco, não foram completamente exterminados. Estima-se que a colonização tenha provocado a morte de 70% deles. 

No ano de 1500 a população era de aproximadamente 3 milhões de habitantes, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai). O número mais baixo, de 70 mil, foi registrado em 1957. Desde então, a população vem crescendo e chegou a 897 mil pessoas, de acordo com o censo do IBGE realizado em 2010. 

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Diante da invasão violenta e do contágio de doenças trazidas pelos europeus, alguns adotaram a fragmentação e o isolamento como estratégia de sobrevivência, refugiando-se, principalmente, em áreas mais remotas com extensas porções de vegetação não desmatada. 

Como já ocorreu no passado, o contato tem o potencial de dizimar essas populações, cujos sistemas imunológicos são mais suscetíveis a doenças infectocontagiosas. 

Embora tenham adotado uma estratégia comum de evitar o contato significativo com a sociedade dos colonizadores, esses grupos vivem de maneiras diferentes. Segundo a ONG Survival, alguns não possuem moradia fixa e têm o hábito de circular permanentemente pelo território, sobrevivendo da caça e da coleta de alimentos. 

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Outros são mais sedentários e se alimentam através da agricultura, cultivando mandioca e outros vegetais em roçados preparados na floresta. Há grupos pequenos - ou até um único indivíduo - e outros mais numerosos, que estabelecem interações não regulares com povos vizinhos.

Genocídio da Coroa até a ditadura 

No Brasil, o Estado é responsável pela proteção e pela preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar e à reprodução física e cultural desses povos. Mas nem sempre foi assim. 

Desde a época colonial até a o regime militar de 1964, o planejamento estatal, articulado a interesses econômicos privados, envolveu a ocupação forçada dos territórios, além da expulsão, aldeamento e aculturamento dessas populações. Esse conjunto de práticas e as ideias que as fundamentam são chamadas de política integracionista. 

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O integracionismo deixou de ter influência majoritária sobre o indigenismo brasileiro a partir da década de 1980, com o processo de redemocratização, quando foram expostas as violações aos direitos humanos dos indígenas praticadas durante a ditadura militar de 1964. 

O marco dessa mudança foi a Constituição Federal de 1988, que reconheceu aos povos originários “sua organização política, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

A Funai, por meio Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) e as atuais 11 Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), com 29 bases espalhadas pelo país, passou a ser pautada pelo respeito à autonomia e a autodeterminação dos povos, inclusive aqueles que optaram pelo isolamento. 

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Assim, as ações desenvolvidas com as populações indígenas no Brasil tornaram-se referência na elaboração de diretrizes internacionais. 

Não por acaso, a política do governo de Jair Bolsonaro (PL) é acusada por indígenas e indigenistas de ser integracionista. Durante a campanha eleitoral de 2018, ele disse a uma emissora de TV: “No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”. 

Além de cumprir a promessa, ele foi adiante, e em 2021 foi o primeiro presidente brasileiro a ser denunciado por genocídio indígena no Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia.

Como vivem os índios atualmente no Brasil 2022

Placa de demarcação crivada de balas na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau em Rondônia / Greenpeace

Quais direitos eles têm?

Os povos isolados têm os mesmos direitos que todos os indígenas do Brasil, aliás, os mesmos direitos que qualquer brasileiro. 

“A diferença é que, para se alcançar uma igualdade material e não apenas formal, existem normativas que levam em consideração peculiaridades dessas populações, como sua extrema vulnerabilidade socioepidemiológica e a sua decisão de adotar em um modo de vida com pouca ou nenhuma interação com pessoas que não sejam de seus grupos”, afirma a assessora jurídica do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), Carolina Santana. 

Segundo a advogada, os mecanismos legais direcionados exclusivamente a esses grupos não são muitos e, além disso, são pouco conhecidos, o que resulta em uma vulnerabilidade política. 

O principal dispositivo jurídico favorável a esses povos é a garantia territorial da Restrição de Uso, medida administrativa que deve ser tomada pela Funai para suspender todas as atividades econômicas e evitar o contato com não indígenas, que têm o potencial de dizimar a população. 

Sob Bolsonaro, a Funai vem se recusando ou atrasando a renovação dessas portarias, pois, na prática, elas impedem a expansão da fronteira agrícola e o desmatamento nas regiões mais preservadas da Amazônia. 

Na avaliação da assessora jurídica do Opi, o governo federal está institucionalizando a violência sofrida há séculos pelos povos indígenas que, embora existisse antes de Bolsonaro, vinha sendo combatida. 

“O atual governo transforma as violações de direitos em políticas públicas. As consequências podem ser desde um assédio extremo aos territórios que resulte em danos à saúde mental e desintegração de suas organizações sociais, até um genocídio”, afirmou Carolina Santana. 

“Nessa seara devemos operar sempre com o princípio da precaução, em virtude de tudo o quanto já ocorreu de degradante no passado com essas populações. Os governos brasileiros vinham aprendendo, mas agora retrocedemos 60 anos”, complementa a advogada. 

Edição: Vivian Virissimo