Como contar aos pais que voltei com o ex

Há quem se arrepie só de cogitar a possibilidade de reatar com alguém do passado, principalmente quando o término foi sofrido ou traumático. As razões são muitas: medo de repetir os mesmos erros, vontade de viver experiências novas e até perda de interesse. Mas existem também pessoas que resolvem dar uma segunda chance — e garantem não se arrepender da decisão.

É o caso das três mulheres abaixo: Aline, Eduarda e Letícia têm trajetórias diferentes, mas em determinado momento da vida afetiva, deixaram seus receios de lado e resgataram uma história de amor do fundo da gaveta. A seguir, elas refletem sobre suas relações:

"17 anos depois do nosso término, caminhamos de mãos dadas"

Aline e Márcio se reencontraram após 17 anos Imagem: Acervo pessoal

"Conheci o Márcio com 17 anos, na escola. Fomos nos aproximando, mas ele tinha namorada. Mesmo assim, andávamos sempre grudados. Um dia ele me levou até em casa, nós dois de braços dados. Eu encostei a cabeça no seu ombro e ele se arrepiou inteiro. Eu fiz uma provocação e assim que chegamos no meu prédio, ele me agarrou. Foi um beijo de tirar o ar, uma química muito grande. Ali, costumo brincar que 'os meus quatro pneus arriaram'. No mesmo dia, ele terminou o namoro. Procurei não criar expectativas, mas então, conversando por telefone, ele disse que me amava. Começamos a namorar e ficamos juntos por um ano e meio.

Nessa época, ninguém falava sobre o quanto o ciúme é nocivo. Eu vim de uma família abusiva e até hoje preciso me policiar para não reproduzir alguns comportamentos. Mas anos atrás, terminamos por causa do meu ciúme. Tentamos reatar duas vezes quando éramos jovens, mas em nenhuma delas deu certo.

Os anos se passaram e tivemos vários outros relacionamentos. Eu fiquei casada por oito anos e tive dois filhos lindos. Ele também se casou. Mantivemos contato por um tempo — cheguei a convidá-lo para o meu chá de bebê do meu primeiro filho — mas com o tempo, paramos de nos falar. Até que, em 2016, eu me separei.

Sofri um pouco solteira porque não tenho paciência para toda aquela burocracia do sexo: é muito tempo conhecendo a pessoa e, quando finalmente acontece, ainda existe o risco de ser ruim. Foi então que me lembrei do Márcio e resolvi stalkeá-lo nas redes sociais. Nós não éramos amigos no Facebook. Pensei em adicioná-lo, mas vi que estava namorando. O tempo passou e continuei a ver seu perfil, até que um dia apareceu ali, bem grande, a palavra "solteiro". Então tomei a iniciativa.

Ele mesmo puxou a conversa, com um "oi sumida" bem empolgado. Nós vivíamos em municípios diferentes, mas marcamos de nos encontrar em um shopping, que ficava no meio do caminho para ambos. 17 anos depois do nosso término, caminhamos de mãos dadas e tudo. E eu só pensando que tinha acabado de terminar uma relação e estava basicamente em busca de sexo. Mas o reencontro foi especial e estamos juntos desde então, há três anos, e queremos ter um filho.

Aline Queirolo, 39 anos, instrutora de inglês e empreendora

"Hoje damos mais valor à relação"

Eduarda e o namorado não conseguiram reatar de primeira Imagem: Acervo pessoal

"Conheci o Mário em uma praça, perto de onde eu morava. Fui até lá para encontrar alguns amigos. Fiquei interessada, mas ninguém tomou iniciativa. Alguns dias passaram e marquei de encontrar esse mesmo grupo na minha casa. Nesse dia, a química foi tanta que transamos no banheiro, cheio de gente do lado de fora. Depois marcamos um encontro, os dois sóbrios. Descobrimos muitas coisas em comum. Após um mês, no começo de 2017, começamos a namorar. No final do ano, fomos morar juntos, em uma kitnet no quintal da avó dele.

Na época, ele trabalhava e eu tinha alguns móveis, porque já pretendia morar sozinha. A vida mudou quando o Mário perdeu o emprego e ficamos apertados financeiramente. Passamos a ter brigas constantes e nos desentender por qualquer bobagem. Até que um dia ele chegou ao limite e disse que não queria mais me ver passando por necessidades, sofrendo. Então, no meio de 2018, terminamos.

A princípio, voltei para a casa da minha mãe. Depois, consegui um emprego e fui morar sozinha. Ele voltou a trabalhar com o pai e continuou morando nos fundos da casa da avó. Mas não paramos de nos falar, nos tornamos amigos. Nos finais de semana, ia na casa dele e vice-versa. O problema é que ele havia conhecido outra pessoa e não me contou. Um mês depois, decidimos voltar, mas foi precipitado: ficamos somente uma semana juntos, porque eu descobri sobre a situação e optei por cortar os laços.

Dois meses se passaram e precisei buscar algumas peças de computador que estavam com ele. Mandei uma mensagem: minha intenção era pegar o que precisava e ir embora. Mas ele disse que queria conversar e acabei topando que viesse até minha casa. Conversamos bastante, choramos muito. Até que nos abraçamos, beijamos e tudo foi perdoado. Desde que reatamos, há 1 ano e 8 meses, não nos separamos mais.

Apesar de ter sido um término curto, foi uma fase importante para mim, porque sinto que, antigamente, era mais dependente no quesito emocional. Aprendi a me reerguer sozinha. Hoje, mesmo sem sermos casados no papel, levamos a sério a história de 'na riqueza ou na pobreza'. Passamos por dificuldades, mas fomos superando e estamos aqui. No fundo, serviu para que déssemos mais valor um para o outro".

Eduarda Vieira, 21 anos, autônoma

"Nos reencontramos na hora certa"

"Conheci minha namorada em 2014, pelo Tinder, quando era o aplicativo ainda era uma grande novidade. Começamos a nos falar em novembro, mas só nos conhecemos pessoalmente no fim de janeiro do ano seguinte, quando voltei de uma viagem. Na época, eu tinha 18 anos e ela 22. Ficamos oito meses juntas. Éramos namoradas, apesar de eu não expor a relação em nenhuma rede social, porque ainda não havia me assumido como lésbica.

Como resultado, a situação entre nós foi ficando cada vez mais tensa. Então um dia, depois de nos encontrarmos, ela foi embora e paramos de nos falar. Não brigamos, não tivemos uma conversa de término. Simplesmente não nos procuramos mais. E assim ficamos por quatro anos e meio.

Foi difícil superar, mas toquei a vida. Como não a seguia mais nas redes sociais, não sabia como estava a vida dela. Tive outros relacionamentos e havia acabado de sair de um deles quando recebi uma mensagem dela por inbox no Facebook, em 2018. Na hora eu pensei: 'Não acredito que isso esteja acontecendo'. Ela me contou que se sentia mal pela forma como as coisas tinham terminado entre nós e me pediu desculpas. Voltamos a conversar como amigas até que um dia combinamos de nos ver.

Na época eu até brinquei, dizendo que iria encontrar uma pessoa nova. Mas depois que nós ficamos, tivemos um sentimento mútuo de: 'Isso é sensacional e realmente é para ser'. Estamos juntas há quase dois anos. Agora, que tenho 25 anos, percebo o quanto era inexperiente quando nos conhecemos. Estava no terceiro semestre da faculdade, ela foi a primeira mulher que eu beijei. Nos reencontramos no tempo certo".

Amanda*, publicitária, 25

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada

Como contar aos pais que voltei com o ex

Sem conexão

Relacionamentos, necessariamente, precisam proporcionar qualidade de vida, diz a psicólogaTatiana Perez. Se esse não for o caso da sua antiga relação, é melhor não considerar a voltaDragana Gordic / 265477728

Oi, sumido! Já recebeu ou mandou essa mensagem para alguém durante o período de distanciamento social? O tempo a mais em casa tem feito muita gente reavaliar suas relações - inclusive, as passadas. Mas quando vale a pena insistir em um relacionamento amoroso que já havia terminado? E o quanto o contexto de pandemia pode influenciar essa decisão?

Para a psicóloga e terapeuta de casal Tatiana Perez, que administra o perfil @tatiperez.br no Instagram, durante a pandemia estão acontecendo dois movimentos nos relacionamentos: de aproximação e de afastamento. Casais com histórico de problemas não resolvidos estão optando por se separar, enquanto aqueles que já tinham vontade de dar um passo a mais na relação estão se aproximando — inclusive, alguns tomaram a decisão de morar juntos

Sobre o "fenômeno" de voltar com o (a) ex durante o período,  Tatiana reflete que, em situações de crise, nas quais nos sentimos inseguras, como é o caso da pandemia de coronavírus, é natural buscarmos um "porto seguro". E reatar uma relação antiga pode ser uma forma de retornar a algo conhecido — e não necessariamente bom. 

— As pessoas pensam: "Ah, não era bom, mas eu conheço, sei como é me relacionar com aquela pessoa, confio de alguma forma", principalmente neste momento de cuidado com a saúde. De repente, a pessoa volta por uma questão de zona de conforto mesmo. Agora, se isso vai ser por um motivo de carência, ou se vai ser por se dar conta que "meu conforto era com aquela pessoa", cada caso será  um caso — avalia.

Quando é melhor nem cogitar a volta?

Tatiana dá a dica: se bateu a dúvida, faça uma lista com todos os motivos que fazem você querer reatar o relacionamento. Depois, liste também os motivos que influenciaram o término da relação. 

psicóloga

— Provavelmente, o que faz com que você queira voltar é o mesmo que fez com que você tenha terminado. Por exemplo: "Preciso de segurança". E daí você percebe que se sentia insegura no relacionamento — aponta ela.

Para a psicóloga, é preciso responder a uma pergunta básica antes de decidir voltar: o relacionamento fazia a sua vida ser melhor? Se a resposta for não, não volte de jeito nenhum, aconselha. Relacionamentos, necessariamente, precisam proporcionar qualidade de vida.

— Precisamos lembrar que somos inteiros. O relacionamento não é algo que vai preencher a sua vida, não é uma parte que falta, e sim algo que vai transbordar, vai fazer a vida ficar mais colorida, ser mais legal, mais bonita. É sobre ter alguém do seu lado encorajando você, apoiando, e você fazendo o mesmo por aquela pessoa. Se não for assim, não cogite voltar de jeito nenhum — aconselha.

Só amor não é suficiente!

Outro ponto crucial é quando você e seu ex se amam, mas simplesmente não conseguem fazer a relação funcionar. A profissional alerta: só o amor não sustenta. Um relacionamento precisa, além de amor, de confiança, segurança, respeito, diálogo, abertura e acolhimento.

E quando eu tenho certeza de que o amor acabou, mas  identifico todas as outras características na relação? Tatiana afirma que, neste caso, o relacionamento passa a ser uma amizade. E a metáfora nem é tão boa porque, na amizade, ainda existe amor. Se a pessoa está cogitando reatar com alguém que não ama mais, é preciso identificar o motivo de desejar estar neste relacionamento outra vez. 

— Provavelmente, é uma falta mais dela do que da relação, uma carência, e não tem a ver com o relacionamento. Daí também não é justo usar a outra pessoa para suprir uma falta que é totalmente dela  — aponta a psicóloga. 

Quando vale a pena investir na volta?

Quando o motivo do término foi algo que, olhando hoje, possa ser considerado pequeno, ou algo que tenha a possibilidade de ser reconstruído, recombinado entre o casal. A psicóloga pontua que muitas pessoas, na correria da vida cotidiana, acabam terminando relacionamentos no impulso sem, de fato, avaliar o que está fazendo a relação acabar. Às vezes, até por um julgamento externo, de amigos ou familiares, e não por uma vontade própria.

E é aí que entra o contexto da pandemia, já que, em casa, as pessoas estão se conectando mais com aquilo que faz sentido para elas - e, muitas vezes, reavaliando seus términos. 

Mas a psicóloga alerta: essa vontade tem que partir de ambas as partes. Pode ser que, para um, o motivo do término tenha sido bobo, mas, para o outro, foi algo sério. Então, só cabe falar de uma reaproximação quando os dois desejam isso - se um não quer, não adianta forçar.

Como resolver as questões que levaram ao término?

A primeira coisa é entender o que aconteceu para que a relação terminasse. Depois, identificar o que precisa mudar para que o relacionamento não volte a ter os mesmos problemas de antes. Na opinião da psicóloga, é importante cada um se perguntar: "O que eu posso mudar em mim para mudar o que nos fez terminar?". Afinal, se as pessoas reatam um relacionamento - e os motivos que as fizeram terminar continuam presentes -, a tendência é que elas terminem de novo no futuro.

E, para isso, você vai precisar de muito (muito!) diálogo. Tatiana explica que, geralmente, as questões que levam aos términos são cruciais, porque falam dos valores pessoais de cada um. Por exemplo: uma pessoa era muito ciumenta e a outra valorizava a liberdade. Como resolver? Primeiro, entender qual é o "valor" por trás do motivo do término e como fazer ele ser presente na vida do casal.

— Se você valoriza liberdade e o que fez você terminar foi a falta dela, precisará de muito diálogo para ajustar isso no relacionamento. (Caso vocês reatem,) você possa voltar a se sentir livre e perceber que existe o valor da liberdade entre vocês, que houve uma mudança, uma concordância. Se isso não acontece, vocês vão ficar patinando de novo. A tendência é essa — explica a psicóloga.

Deu certo com elas!

Dê tempo ao tempo

A estudante de Engenharia de Alimentos Luiza Soares, de 26 anos, conheceu o namorado em 2010. Em 2015, tiveram o primeiro término, mas reataram em 2017. Porém, em março de 2019, acabaram novamente - e justamente o período de confinamento foi o maior tempo que ficaram sem se falar. 

— Mas não sei por que o destino insiste em nos juntar sempre — diz.

Com a pandemia, as aulas da jovem na faculdade foram suspensas. Ela, que mora em Canoas, mas passa a semana estudando na Universidade Federal de Rio Grande (FURG), acabou ficando mais tempo na Região Metropolitana - e foi aí que a reaproximação com o ex teve início.

— Nunca houve a pergunta clichê do "vamos voltar", nós simplesmente fomos deixando levar, e agora estamos mais unidos do que nunca. Para mim, ter mais tempo para "se dedicar" ao relacionamento, e também ter mais de tempo para mim, me ajudou muito para  entender que queria voltar com ele — conta.

Uma nova chance

A maquiadora Analú Santos, de 28 anos, também começou o período de distanciamento solteira - à época, havia terminado recentemente um namoro de oito meses. O casal brigava muito e não estava em sintonia, conta ela. Ficaram dois meses sem se falar. Depois de fazer terapia - e com o tempo de confinamento em casa -, Analú percebeu atitudes dela que costumavam ser motivo de reclamação do ex - mas que nunca havia dado ouvidos.

Foi quando resolver mandar um e-mail para ele e, a partir daí, retomaram o contato. Passaram um mês conversando  como amigos. Depois de muito diálogo sobre as expectativas de cada um, decidiram tentar mais uma vez.

— Voltamos faz três meses e a nossa relação evoluiu muito. Acho que o período de isolamento ajudou, tanto para que pudéssemos pensar com mais clareza quanto para avaliarmos nossas prioridades — reflete ela.

E Analú está feliz e em paz com a decisão.

— Nunca fui muito crente em voltas, mas não me arrependo de ter dado outra chance para a nossa relação. A cada dia que passa, nos alinhamos mais e estamos conseguindo ser para o outro o que precisamos. Estou feliz com a nossa relação e, mais importante que isso, estou em paz — afirma.

*Produção: Luísa Tessuto