A cotaçao do euro esta caindo por que

A moeda europeia caiu abaixo da paridade do dólar pela segunda vez, atingindo seu preço mais baixo em quase 20 anos em US$ 0,9901 (R$ 5,05). Quais são as consequências diretas desta desvalorização do euro?

Deve-se à força do dólar, sustentado pela política monetária do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos).

Ao contrário do BCE (Banco Central Europeu), o Fed começou rapidamente a aumentar suas taxas de juros para combater a inflação. Essas altas taxas de juros tornam mais lucrativo possuir dólares, o que atrai investidores e valoriza ainda mais a moeda.

A cotaçao do euro esta caindo por que

À frente, cédula de euro. Ao fundo, nota de dólar - Dado Ruvic - 17.jul.2022/Reuters

Por sua vez, o BCE elevou suas taxas moderadamente, mas sua política de longo prazo é desconhecida e essa incerteza pesa contra o euro.

"O BCE está em uma situação difícil. Não pode aumentar repentinamente suas taxas de juros, pois poderia provocar uma crise de dívida soberana nos países mais endividados da zona do euro", explica Eric Dor, diretor de Estudos Econômicos da IESEG School of Management. "O Fed não tem esse problema."

Consequentemente, a diferença de taxas joga "muito a favor do dólar". Além disso, a Guerra da Ucrânia e a dependência da Europa dos hidrocarbonetos russos reforçam a crescente incerteza sofrida pela economia da zona do euro, acrescentou o especialista.

Quase metade dos produtos importados na zona do euro é faturada em dólar e menos de 40% em euro, segundo a Eurostat.

É o caso do petróleo e gás e de muitas commodities, cujos preços dispararam no contexto da Guerra da Ucrânia.

Mas com a desvalorização da moeda europeia são necessários mais euros para comprar produtos importados em dólares, o que contribui para acelerar a inflação. E se esse aumento de preços não for acompanhado de um aumento dos salários, há perda de poder aquisitivo das famílias.

Em segundo lugar, a desvalorização do euro em relação ao dólar vai frear o turismo europeu, especialmente nos Estados Unidos. Por outro lado, os turistas americanos saem na frente em suas viagens à Europa: teoricamente podem consumir mais com a mesma quantia de dólares.

O efeito da queda do euro varia de acordo com a dependência das empresas do comércio externo e da energia.

"As empresas que exportam para fora da zona do euro se beneficiam da desvalorização do euro, pois seus preços são mais competitivos [uma vez convertidos em dólares], enquanto as empresas que importam são penalizadas", resume Philippe Mutricy, diretor de estudos do banco público Bpifrance.

Por outro lado, para empresas dependentes de commodities e energia, e que exportam pouco, como os artesãos locais, os custos disparam.

O grande vencedor da queda do euro é a indústria manufatureira europeia que exporta produtos para o exterior, como os setores aeronáutico, automotivo, de luxo ou químico.

Teoricamente, a queda do euro beneficia os setores exportadores europeus no exterior, especialmente a Alemanha, cuja economia se baseia em grande parte no comércio e nas vendas ao exterior.

Para o pagamento da dívida dos países europeus, o impacto é menos evidente. Por exemplo, para os Estados que emitiram títulos em dólares, uma desvalorização do euro em relação ao dólar aumenta o custo desse reembolso.

As consequências da queda do euro, que atingiu mesma cotação do dólar pela 1ª vez em 20 anos

A cotaçao do euro esta caindo por que

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Euro caiu para nível mais baixo em relação ao dólar desde 2002

O euro, a moeda comum da União Europeia (UE), caiu ao nível mais baixo em 20 anos, atingindo a paridade com relação à moeda americana, o dólar.

As duas moedas atingiram o mesmo valor na terça-feira (12/7), o que representa uma desvalorização de 15% do euro no último ano.

Isso acontece em um momento em que crescem nos mercados os temores de uma recessão econômica na Europa, em um contexto de alta inflação e crescente incerteza sobre a continuidade do fornecimento de gás russo.

  • Como maior alta de juros nos EUA desde 1994 pode afetar o Brasil

Já se foram os anos em que o euro era tão forte (1,6 vezes o dólar durante a crise financeira global de 2008) que muitos europeus passavam férias nos Estados Unidos em busca de hotéis e comida baratos, voltando para casa com malas cheias de eletrônicos e roupas.

Agora, a situação é completamente diferente, com a Europa sofrendo as consequências econômicas da guerra na Ucrânia e a decisão do Banco Central Europeu de manter inalteradas as taxas de juros.

Pule Matérias recomendadas e continue lendo

Matérias recomendadas

  • Como o gás que enriqueceu a Holanda deixou cidades e vilarejos em ruínas

  • O revolucionário método com realidade virtual que separou gêmeos brasileiros unidos pelo crânio

  • Como a seca histórica de um rio na China pode afetar a economia global

  • Juros nos EUA: como nova alta pode afetar o Brasil

Fim do Matérias recomendadas

Por que o valor do euro despencou?

A desvalorização do euro ocorre em meio a uma crise energética na Europa causada pela invasão russa da Ucrânia.

Há uma preocupação com a possibilidade de que esta crise cause uma recessão com consequências imprevistas, uma sombra que se intensificou na segunda-feira (11/7( devido à redução na oferta de gás russo, em meio a uma parada para manutenção do gasoduto Nord Stream, e à preocupação de que a inflação continue subindo.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Há uma crescente incerteza sobre a continuidade do fornecimento de gás russo

A gigante energética russa Gazprom iniciou dez dias de manutenção em seu gasoduto Nord Stream 1, com a Alemanha e outros países europeus observando ansiosamente se o gás retornará após esta operação. O temor é de que a Rússia possa aproveitar a oportunidade para fechar as válvulas.

"Há muito medo sobre o que pode acontecer no campo energético com a guerra. Vamos ver se continuamos a receber gás da Rússia", diz Juan Carlos Martínez, professor de Economia da IE University, na Espanha.

A este conflito, soma-se o golpe que a moeda europeia recebeu porque as taxas de juros estão subindo muito mais rápido nos Estados Unidos, e isso atrai capital para a maior economia do mundo.

"A causa mais importante da queda do euro é a velocidade diferente na política monetária do Federal Reserve dos Estados Unidos e do Banco Central Europeu", argumenta Martínez.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Europa registra alta da inflação

Para os investidores, os rendimentos dos títulos do Tesouro dos Estrados Unidos são maiores do que os da dívida europeia, fazendo com que eles prefiram o dólar ao euro.

Nessa perspectiva, o Banco Central Europeu está em uma posição difícil, tentando conter a inflação e, ao mesmo tempo, lidar com uma economia em desaceleração.

"A zona do euro ainda não começou a aumentar as taxas de juros. Deve fazê-lo em sua reunião no final de julho, mas fará isso mais lentamente", acrescentou Martínez.

Quais são as consequências?

Com a inflação na zona do euro em seu nível mais alto desde o início dos registros (8,6%), a perda de valor da moeda aumenta o custo de vida ao tornar as importações mais caras.

Em outros momentos da história, uma moeda mais fraca não foi necessariamente uma má notícia, porque os governos usaram a depreciação cambial como forma de estimular o crescimento econômico à medida que as exportações se tornaram mais competitivas.

No momento atual, no entanto, esse não é o caso.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Inflação eleva o custo de vida do europeu

"Cada vez que o dólar se valoriza, custa mais em euros comprar um barril de petróleo. Esse é o grande problema que vemos agora", explica o economista.

É por isso que um euro fraco contribuiu para que os combustíveis tenham superado as máximas de todos os tempos, perfurando os bolsos dos consumidores.

A situação é preocupante para os países da região, considerando que cerca de 50% das importações da zona do euro são em dólares.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Preço de combustíveis vem batendo recordes

Se a guerra na Ucrânia terminar em breve, o que os especialistas consideram improvável, a desvalorização do euro pode ser interrompida.

A segunda alternativa para frear a desvalorização é aumentar as taxas de juros na zona do euro.

"Seria necessária uma política mais agressiva do Banco Central Europeu, algo que no momento não parece estar na mesa", diz Martínez.

América Latina

No caso da América Latina, a paridade entre o euro e o dólar "não tem impacto direto na região", disse Elijah Oliveros-Rosen, economista sênior da divisão Latin America Global Economics & Research da consultoria S&P.

O que essa situação reflete, acrescenta, é que há uma valorização do dólar de forma geral.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Para frear desvalorização, Banco Central Europeu precisaria de política mais agressiva

Pule Podcast e continue lendo

Podcast

BBC Lê

A equipe da BBC News Brasil lê para você algumas de suas melhores reportagens

Episódios

Fim do Podcast

"A força do dólar não é apenas contra o euro, mas também contra a maioria das moedas dos países emergentes, incluindo a América Latina."

Argentina, Chile e Colômbia são os três países que sofreram as piores desvalorizações de suas moedas em relação ao dólar até este momento no ano.

O real brasileiro acumula desvalorização de 14% em relação ao dólar desde abril, quando a moeda nacional estava mais forte, em meio à alta das commodities como consequência da guerra na Ucrânia.

No período recente, além do efeito da alta de juros nos Estados Unidos e do temor de recessão global, que contribuem para a valorização do dólar, o real também tem perdido força devido à preocupação com o descontrole fiscal, após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que cria uma série de benefícios às vésperas da eleição.

Mesmo com a fraqueza do real, a moeda brasileira se valorizou em relação ao euro ao longo deste ano. O real começou 2022 cotado a 6,33 euros e estava na segunda-feira (11/7) em 5,40 euros.

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62142011

Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!