A comparação de fosseis de chimpanzés neandertais

A comparação de fosseis de chimpanzés neandertais

Existiu no passado uma espécie de primata tão semelhante aos humanos que nos deixou como legado uma parte do nosso próprio DNA, os neandertais. Entre 300 mil e 29 mil anos atrás, eles habitaram partes da Europa e da Ásia e conviveram lado a lado conosco. Não sabemos direito como eles desapareceram — há quem especule que foram derrotados pelos Homo sapiens. Sobre eles, sabemos que mediam cerca de 1,65 m (contra 1,48 m do Homo sapiens), eram mais fortes e seu cérebro era 10% maior que nossos antepassados. Mas as pesquisas com fósseis não nos permitem saber mais sobre o comportamento dos neandertais, sua inteligência ou cultura. Com o sequenciamento do código genético deles, recentemente concluído, teremos a oportunidade de recriá-los para estudá-los melhor. Os pesquisadores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig, Alemanha, reproduziram o genoma de neandertais de 38 mil anos e concluíram que temos de 1% a 4% de código genético em comum com eles. A informação reforça a suspeita dos antropólogos de que eles chegaram a cruzar entre si. A comunidade científica fervilha de curiosidade para saber como seria um neandertal reconstituído. A tecnologia para recriá-lo nós já temos (a mais promissora é a de criar células-tronco com o DNA deles). Mas será que daríamos vida a uma criatura incapaz de viver neste mundo, milênios depois? A ficção nos ensina muito, mas temos que tomar o cuidado de não tomar suas lições ao pé da letra. Muitas das pessoas contrárias a dar vida a um ser extinto estão pensando na criatura criada pelo doutor Frankenstein no romance de Mary Shelley. Não precisa ser assim. O contato direto com os neandertais seria um passo impressionante neste nosso exercício constante de autoconhecimento. Teríamos condições de estudar de perto primatas muito parecidos conosco, com uma história evolutiva semelhante, e que podem nos ensinar muito. Com que velocidade aprenderiam, se é que aprenderiam? De que forma se relacionariam? Seriam imunes a doenças como a Aids? Eles seriam suscetíveis ao câncer? A partir dos anos 70, quando começamos a observar o comportamento social dos chimpanzés e gorilas, aprendemos muito sobre relações humanas. Com os neandertais, a comparação seria muito mais produtiva. Poderemos identificar novos padrões de linguagem, interação social e inteligência que não conhecemos. Além disso, temos muito a aprender ao analisar o funcionamento de seu organismo. Como tinham uma constituição física mais forte, provavelmente tinham uma cicatrização mais rápida, ou mesmo a recuperação de fraturas. Com a ajuda dos neandertais, podemos identificar novos tratamentos para a osteoporose, por exemplo.

A comparação de fosseis de chimpanzés neandertais

Se outros animais de grande inteligência, como os golfinhos, já nos ensinaram tanto sobre nós mesmos, o que dizer da espécie mais próxima que já tivemos na cadeia evolutiva? Os ganhos que os neandertais podem proporcionar compensam os riscos deste tipo de experimento. Os dilemas éticos e morais que nos afligem são saudáveis e devem nos fazer tomar todos os cuidados necessários para levar esta experiência inédita adiante — seria fundamental, por exemplo, tratá-los com os mesmos cuidados que hoje dedicamos a chimpanzés mantidos em reservas naturais na África. Já há quem defenda a aprovação, antes mesmo do começo da replicação do DNA, de um Estatuto dos Direitos dos Neandertais. Ótimo, que a ONU aprove um. O importante é que as dúvidas não devem nos impedir de dar um passo tão gigantesco na busca por conhecimento.

Kyle Munkittrick é pesquisador da Universidade de Nova York e diretor do Instituto pela Ética e pelas Tecnologias Emergentes


A história da evolução humana teve início há cerca de 7 milhões de anos, os primeiros hominídeos registrados foram os chamados pré-australopitecos. Desde então, o processo evolutivo deu origem a diversas espécies até chegar à espécie humana atual - o Homo sapiens sapiens.

Espécies Período Características
Pré-australopitecos 7 - 4 Milhões de anos Estabelecimento do bipedalismo (postura bípede), caixa craniana e cérebro reduzidos, em comparação aos humanos modernos.
Australopitecos 4 - 2 Milhões de anos Evolução do bipedalismo, modificação da dentição e monogamia.
Homo habilis 2,4 - 1,6 Milhões de anos Ferramentas de pedra lascada.
Homo ergaster 1,9 - 1,5 Milhões de anos Primeiros hominídeos a deixar o continente africano, desenvolvimento da linguagem.
Homo erectus 1,8 Milhões de anos - 30.000 anos Utilização do fogo e domínio do fogo, estabelecimento da posição ereta, estabelecimento no continente asiático.
Homo neanderthalensis 350.000 - 28.000 anos Uso de vestimentas (utilização da pele de animais), pinturas e ornamentos corporais, habilidade de comunicação (fala).
Homo sapiens 200.000 - até o presente Seres humanos atuais, distinguem-se pelo cérebro altamente desenvolvido.

Pré-australopitecos

Os pré-australopitecos são as espécies de hominídeos que representam a separação definitiva da linhagem humana à linhagem dos chimpanzés há 7 milhões de anos.

As principais espécies de australopitecos são os Sahelantropus tchadensis e os Orrorin tugenensis, as evidências ocorrem a partir de fósseis encontrados no continente africano.

Australopitecos

Os australopitecos são espécies de hominídeos que habitaram o planeta cerca de 2 a 4 milhões de anos atrás. Os australopitecos foram determinantes para o estabelecimento da postura bípede. No entanto, ainda se diferenciam do Homo sapiens pelos longos braços e por seu crânio semelhante ao de um chimpanzé.

A palavra australopiteco é formada pela junção da palavra latina austral (do sul) e da grega pithecos (macaco). Os australopitecos seriam, então, os "macacos do sul", por sua semelhança física.

Uma característica dessas espécies é o grande dimorfismo sexual (diferenças físicas entre machos e fêmeas da mesma espécie), podendo o macho ser 50% maior que a fêmea. No Homo sapiens essa diferença é de cerca de 15%.

Homo habilis

O Homo habilis ("homem habilidoso") é a primeira espécie do gênero Homo. Recebeu esse nome por estar associado à sua habilidade em fabricar ferramentas e utensílios, principalmente de pedra lascada.

A espécie possui características mais próximas dos seres humanos em comparação com os australopitecos, dente menores, caixa craniana maior, menor dimorfismo sexual.

Homo ergaster

O Homo ergaster ("homem trabalhador") foi a primeira espécie a sair do continente africano e migrar outras localidades. A análise dos fósseis do Homo ergaster apontam também para indícios do desenvolvimento de zonas do cérebro responsáveis pela linguagem.

Homo erectus

O Homo erectus ("homem de postura ereta") foi a espécie de hominídeo que existiu durante mais tempo. O Homo erectus surgiu por volta de 1,8 milhões de anos e viveu até cerca 30 mil anos.

Alguns estudos indicam que a extinção da espécie se deu devido a seu comportamento "preguiçoso" e conservador, que fez com que a espécie permanecesse habitando áreas que se tornaram hostis a partir das mudanças climáticas, dificultando a sua sobrevivência.

Homo neanderthalensis

O Homo neanderthalensis ("homem de Neandertal") é uma espécie humana que assim como o Homo erectus conviveu com o Homo sapiens.


Os neandertais dominaram o continente europeu. Há indícios de que houve um convívio entre os neandertais e o Homo sapiens, havendo um cruzamento entre espécies. Esses cruzamentos podem ser rastreados atualmente através de pesquisa genética, é possível encontrar genes pertencentes aos neandertais em algumas pessoas.

Homo sapiens

O Homo sapiens ("homem sábio") é a única espécie de seres humanos que não foi extinta e permanece nos dias atuais.

Ao longo dos estudos paleontológicos, foram encontradas outras subespécies de Homo sapiens que já não existem mais (por exemplo, o Homo sapiens inaltu e o homem de Cro-magno). Isso fez com que a espécie recebesse uma classificação taxonômica Homo sapiens sapiens.

A espécie surgiu na África por volta de 200.000 atrás e graças a sua inteligência e capacidade de adaptação, conseguiu se espalhar e sobreviver em todos os continentes.

É a espécie que apresenta o menor dimorfismo sexual, uma diferença de apenas 15% entre o tamanho médio dos machos e fêmeas.

A organização moderna da espécie, que deu origem à nossa cultura, teve início há 50.000 anos. Desde então, o Homo sapiens supera os desafios impostos e domina a natureza.

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Que características tornam o homem humano? A resposta a esta pergunta, tão buscada pelos cientistas, pode estar começando a tomar forma. Através de uma comparação entre genomas de humanos, chimpanzés e neandertais, uma equipe internacional formada por 56 pesquisadores constatou que o homem moderno possui genes únicos que o diferenciam de outras espécies hominídeas. A descoberta pode ser a chave para a compreensão da identidade humana.

O estudo foi possível graças ao pioneirismo da equipe em iniciar o sequenciamento do genoma dos neandertais, espécie mais próxima dos homens modernos na escala evolutiva. Envolvidos nessa tarefa há quatro anos, os pesquisadores apresentaram a versão inicial da sequência genética em dois artigos publicados na edição da revista Science publicada nesta sexta-feira (07/05).

O sequenciamento ainda permitiu à equipe identificar heranças genéticas dos neandertais nos humanos. Os pesquisadores calculam que entre 1% e 4% do DNA dos homens deriva do genoma desses seus parentes mais próximos. O achado sugere que houve reprodução entre as duas espécies há aproximadamente 80 mil anos.

A comparação de fosseis de chimpanzés neandertais
O sequenciamento do genoma dos neandertais foi realizado a partir de pequenas amostras de pó extraído de três ossos datados de mais de 38 mil anos (foto: Max-Planck-Institute EVA).

Conquista sem precedentes

Os avanços em obter a sequência gênica dos neandertais ocorre apenas dez anos depois da decodificação do genoma humano. O trabalho foi baseado na análise de mais de quatro bilhões de nucleotídeos (estruturas formadoras do DNA) extraídos do pó de ossos de três neandertais do sexo feminino.

Os fósseis, datados de mais de 38 mil anos, foram encontrados na caverna Vindija, na Croácia. A versão inicial do sequenciamento representa cerca de 60% do genoma completo.

“Pela primeira vez, podemos identificar as características genéticas que nos distinguem dos outros organismos”

“Ter uma primeira versão do genoma do neandertal satisfaz um sonho de longa data. Pela primeira vez, nós podemos identificar as características genéticas que nos distinguem de todos os outros organismos, incluindo os nossos parentes mais próximos na escala evolutiva”, disse Svante Pääbo, líder da pesquisa e diretor do Departamento de Genética do Instituto Max-Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, em comunicado à imprensa.

Durante o estudo, os pesquisadores usaram técnicas avançadas para eliminar das amostras o DNA de bactérias e microorganismos que colonizaram os ossos ao longo do tempo.

A comparação de fosseis de chimpanzés neandertais
A equipe na caverna El Sidrón, na Espanha: busca de ossos neandertais para comparar com os da Croácia (foto: equipe de pesquisas de El Sidrón).

Além disso, para evitar contaminação com DNA humano no laboratório, os experimentos foram conduzidos em ‘salas limpas’, ambientes controlados onde o nível de poluentes e contaminantes é mínimo. Medidas como essas são importantes para reduzir possibilidades de distorção nos resultados.

A equipe sequenciou também o genoma de cinco humanos nativos do sul da África, África Ocidental, Papua-Nova Guiné, China e França. A comparação do genoma dos neandertais com o dos homens modernos mostrou que a espécie extinta compartilha mais variantes genéticas com não-africanos do que com africanos. A relação mais próxima entre neandertais e não-africanos é a mesma, independentemente de serem originários da Europa, Ásia ou Oceania.

Para os pesquisadores, essa é uma evidência de que os neandertais e os primeiros homens modernos entraram em contato após o Homo sapiens emigrar da África, mas antes da dispersão de diferentes grupos em direção à Europa e Ásia. A estimativa é que o contato tenha ocorrido entre 100 e 50 mil anos atrás, no Oriente Médio, onde achados arqueológicos já comprovaram a coexistência das duas espécies.

“É legal pensar que alguns de nós têm um pouco de DNA neandertal”

“É legal pensar que alguns de nós têm um pouco de DNA neandertal, mas, para mim, a oportunidade de buscar evidências de seleção positiva ocorrida logo após as duas espécies se separarem é provavelmente o aspecto mais fascinante deste projeto”, destaca o líder da pesquisa.

A comparação de fosseis de chimpanzés neandertais
Svante Pääbo, líder da pesquisa, com a reconstrução do crânio de um neandertal (foto: Max-Planck-Institute EVA).

Os cientistas agora desejam descobrir quais características genéticas nos diferenciam das outras espécies e podem ter nos dado certa vantagem evolutiva. O estudo permitiu a identificação de 212 regiões do genoma humano que podem ter desempenhado papel importante na evolução humana. Essas regiões incluem genes relacionados a funções cognitivas, ao metabolismo e ao desenvolvimento de estruturas ósseas como crânio, clavícula e caixa torácica.

“Em todos estes casos, ainda é preciso muito, muito mais trabalho. Isto é realmente apenas uma dica de quais genes devem ser estudados agora, e tenho certeza que nós e muitos outros grupos farão isso”, afirma Pääbo.

Camilla Muniz
Ciência Hoje On-line